E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Nefrocalcinose, condição caracterizada pelo depósito anormal de sais de cálcio no parênquima renal. Esse acúmulo pode estar relacionado a distúrbios metabólicos, alterações genéticas ou doenças que afetam o equilíbrio de cálcio e fósforo, resultando em repercussões que vão desde alterações assintomáticas até comprometimento progressivo da função renal.
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Definição de Nefrocalcinose
A nefrocalcinose corresponde a um processo de deposição de sais de cálcio no tecido renal, envolvendo principalmente o parênquima e os túbulos. Desde que foi descrita por Fuller Albright em 1934, permanece um termo utilizado para descrever essa condição, embora haja debate conceitual sobre a terminologia.
Em muitos relatos, considera-se a presença de fosfato de cálcio como a forma clássica de nefrocalcinose, enquanto os depósitos de oxalato de cálcio seriam mais adequadamente classificados como oxalose.
Esse fenômeno reflete alterações metabólicas ou estruturais que favorecem a precipitação do cálcio dentro do rim, podendo estar relacionado a condições hereditárias ou adquiridas. A gravidade e o prognóstico dependem do fator desencadeante, já que a deposição de cálcio em si representa uma consequência final comum de diferentes distúrbios.
Por ser uma alteração que interfere no ambiente renal, a nefrocalcinose possui importância clínica significativa, especialmente no contexto de doenças que afetam o metabolismo mineral e ósseo.
Etiologia da Nefrocalcinose
A etiologia da nefrocalcinose está relacionada a condições que favorecem a deposição difusa de cálcio no parênquima renal, diferindo da calcificação focal que ocorre em lesões renais localizadas.
Os principais mecanismos envolvidos incluem hipercalcemia, hipercalciúria, hiperfosfatemia, hiperfosfatúria e hiperoxalúria, que alteram o equilíbrio mineral e promovem a precipitação de sais de cálcio, especialmente em pH urinário alcalino, favorecendo a formação de cristais de fosfato de cálcio.
Diversas doenças podem levar a esse processo, agrupadas conforme o distúrbio metabólico predominante:
- Condições com hipercalcemia associada à hipercalciúria: incluem hiperparatireoidismo primário, uso de vitamina D, sarcoidose, síndrome leite-álcali e hipotireoidismo congênito.
- Condições com hipercalciúria sem hipercalcemia: observadas na acidose tubular renal distal, no rim em esponja medular, em casos de nefrocalcinose neonatal relacionada ao uso de diuréticos de alça, em tubulopatias hereditárias, na hipocalemia crônica e na beta-talassemia.
- Condições com hiperfosfatúria associada à hiperfosfatemia: presentes em síndrome de lise tumoral e no uso de preparações orais de fosfato de sódio para preparo intestinal.
- Condições com hiperfosfatúria sem hiperfosfatemia: relacionadas a tubulopatias hereditárias, como doença de Dent, síndrome de Lowe e raquitismos hipofosfatêmicos ligados ao X, autossômicos dominantes ou recessivos.
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Epidemiologia da Nefrocalcinose
A epidemiologia da nefrocalcinose varia conforme a doença de base. No hiperparatireoidismo primário, ocorre em até 22% dos casos, enquanto na sarcoidose pode estar presente em até 50% dos pacientes com envolvimento renal. A hipervitaminose D, especialmente quando associada a calcitriol e fosfato, aumenta o risco, situação observada também em crianças com cistinose nefropática, em que estudos mostram nefrocalcinose em 26 de 41 casos avaliados.
A acidose tubular renal distal é a causa mais comum sem hipercalcemia, com prevalência de até 29%. No rim em esponja medular, a condição aparece em até 50% dos pacientes. O uso crônico de diuréticos de alça, como a furosemida, também é relevante: em um estudo, 15 de 18 indivíduos apresentaram nefrocalcinose, em correlação com a dose administrada.
Entre as doenças hereditárias associadas, destacam-se a doença de Dent, o raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X, a síndrome de Bartter e a síndrome de hipomagnesemia-hipercalciúria, todas relacionadas a defeitos no transporte tubular que favorecem a deposição de cálcio nos rins.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da nefrocalcinose pode ser compreendida em diferentes níveis de classificação. No nível molecular ou químico, ocorre aumento da concentração intracelular de cálcio, ainda não visível ao microscópio ou em exames de imagem. No nível microscópico, os depósitos já são detectáveis em biópsia renal por microscopia óptica, mas não aparecem radiologicamente. No estágio macroscópico, as calcificações tornam-se evidentes em exames de imagem.
O acometimento ocorre predominantemente na medula renal, sendo menos frequente no córtex. Quando há envolvimento cortical, geralmente está associado a condições como necrose cortical na gravidez, rejeição de transplante, glomerulonefrite crônica, trauma, tuberculose e oxalose. Esta última é uma condição particular, capaz de gerar tanto nefrocalcinose medular quanto cortical.
O mecanismo central está ligado à hipercalciúria, com ou sem hipercalcemia, frequentemente acompanhada por hiperfosfatúria e hiperoxalúria. Essas alterações aumentam o risco de nefrolitíase, que muitas vezes coexiste com a nefrocalcinose.
A formação de cristais de fosfato e oxalato de cálcio ocorre quando suas concentrações ultrapassam o limite de saturação no fluido tubular. Estudos mostram que placas de Randall, formadas no interstício medular interno junto às membranas basais do ramo delgado da alça de Henle, atuam como pontos de início, podendo se expandir no interstício ou romper para o lúmen tubular, servindo como nódulo para a formação de cálculos.
Ao exame histológico, observam-se calcificações basofílicas intracelulares, tubulares e intersticiais. Os depósitos de fosfato de cálcio frequentemente se associam a infiltrado intersticial linfocitário e à progressão para fibrose intersticial, refletindo a interação entre deposição mineral e resposta inflamatória no rim.
Manifestações clínicas da Nefrocalcinose
As manifestações clínicas da nefrocalcinose variam de formas assintomáticas a quadros mais graves. Na maioria dos casos, trata-se de uma condição crônica e silenciosa, identificada de maneira incidental em exames radiológicos de abdome. Muitas vezes, esses exames são solicitados para investigação de dor relacionada à nefrolitíase, que pode coexistir devido à hipercalcemia e à hipercalciúria crônicas.
A presença de cálculos renais pode gerar cólica renal, enquanto distúrbios como poliúria e polidipsia estão associados à hipercalcemia persistente, à nefrocalcinose medular e a síndromes como a de Bartter.
Em situações mais agudas, como na síndrome de lise tumoral ou na nefropatia aguda por fosfato, a nefrocalcinose pode se manifestar com falência renal aguda, exigindo atenção imediata.
Diagnóstico de Nefrocalcinose
O diagnóstico da nefrocalcinose inicia-se, em geral, com a detecção radiológica das calcificações renais. A partir dessa identificação, é fundamental investigar a causa subjacente. Para isso, devem ser realizados exames laboratoriais com dosagem sérica de eletrólitos, cálcio e fosfato, além da avaliação do pH urinário, que auxilia na identificação de acidose tubular renal distal.
Complementarmente, recomenda-se a coleta de duas amostras de urina de 24 horas, permitindo medir a excreção de cálcio, fosfato, oxalato, citrato e creatinina. Esses parâmetros oferecem uma visão detalhada das alterações metabólicas envolvidas, possibilitando a definição do distúrbio responsável pela deposição de sais de cálcio nos rins.
Tratamento da Nefrocalcinose
O tratamento da nefrocalcinose é direcionado principalmente à correção da causa subjacente e à redução da concentração urinária de sais que favorecem a precipitação de cálcio, fosfato ou oxalato. As principais estratégias incluem:
1. Hidratação: aumentar a ingestão de líquidos para garantir a produção de pelo menos 2 litros de urina por dia, reduzindo a saturação urinária de cálcio e outros solutos.
2. Controle da hipercalciúria:
- Restrição de proteína animal na dieta.
- Redução da ingestão de sódio para menos de 100 mEq/dia.
- Aumento da ingestão de potássio.
- Uso de diuréticos tiazídicos para diminuir a excreção urinária de cálcio, exceto em pacientes com hipercalcemia, nos quais esses fármacos são contraindicados.
3. Nefrocalcinose associada à acidose tubular renal distal:
- Administração de citrato de potássio em pacientes com hipocitratúria e pH urinário inferior a 7.
- Essa abordagem corrige a perda de potássio, normaliza os níveis urinários de citrato e aumenta a solubilidade do cálcio, reduzindo a deposição.
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Referências
Vaidya SR, Yarrarapu SNS, Aeddula NR. Nephrocalcinosis. [Updated 2023 Aug 8]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537205/
John Andrew Sayer, MB ChB, FRCP, PhD. Nephrocalcinosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate