E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Erdheim-Chester, uma histiocitose rara de causa clonal, caracterizada pelo acúmulo de histiócitos xantomatosos em diferentes tecidos.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Doença de Erdheim-Chester
A doença de Erdheim-Chester (ECD) é um distúrbio histiocitário raro, caracterizado por manifestações clínicas variadas que podem se apresentar de forma localizada e indolente ou como doença multissistêmica grave e potencialmente fatal.
Inicialmente considerada uma condição inflamatória não neoplásica, passou a ser reconhecida como neoplasia pela classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2016 dos tumores hematopoéticos e foi incluída no grupo “L” (Langerhans) da classificação revisada da Histiocyte Society.
Avanços recentes identificaram mutações somáticas recorrentes na via do MAP-quinase, incluindo o BRAF-V600E, o que permitiu o desenvolvimento de terapias-alvo, como o vemurafenibe, aprovado nos Estados Unidos para pacientes com a mutação BRAF-V600. Esses progressos transformaram o diagnóstico e o manejo da doença, tornando-os mais complexos e específicos.
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Epidemiologia da Doença de Erdheim-Chester
A doença de Erdheim-Chester (ECD) é rara e sua incidência ainda não está bem definida, com menos de mil casos descritos até o momento. Acomete principalmente homens adultos, com idade média entre 40 e 60 anos, e apresenta predominância masculina de cerca de 3:1.
Embora seja mais comum em adultos, há relatos em pacientes com menos de 18 anos, indicando sobreposição com o xantogranuloma juvenil (JXG). A maioria dos casos ocorre em indivíduos brancos, mas também já foram documentados em populações asiáticas e hispânicas.
Fisiopatologia da Doença de Erdheim-Chester
A doença de Erdheim-Chester (ECD) é uma neoplasia mieloide causada por mutações somáticas na via MAPK, principalmente a BRAF V600E, presente em cerca de metade dos casos. Outras mutações envolvem NRAS, KRAS, ARAF, PIK3CA, MAP2K1 e CSF1R. Não há evidência de herança genética, causas infecciosas ou ambientais.
As mutações ativam o eixo RAS/RAF/MEK/MAPK, promovendo proliferação celular e sobrevivência. Os histiócitos apresentam perfil inflamatório Th1, com aumento de IL-6, IFN-α e MCP-1 e redução de IL-4 e IL-7, além de infiltração por linfócitos Th1 produtores de IFN-γ.
A origem mieloide é confirmada pela presença da mutação BRAF V600E em monócitos, progenitores mieloides, células dendríticas e CD34+. Modelos experimentais mostraram que células hematopoéticas mutadas reproduzem o fenótipo da ECD. Lesões com fusões do gene ALK são classificadas separadamente como histiocitose ALK-positiva, segundo a OMS e o Consenso Internacional.
Manifestações clínicas da Doença de Erdheim-Chester
A doença de Erdheim-Chester (ECD) apresenta manifestações clínicas variadas, que dependem da extensão e distribuição do acometimento. A maioria dos pacientes tem envolvimento ósseo ao diagnóstico, geralmente acompanhado de pelo menos um sítio extraósseo. Alguns casos podem ser assintomáticos e identificados apenas em exames de imagem, enquanto pacientes com doença multissistêmica podem evoluir de forma rapidamente progressiva.
Achados frequentes incluem:
- Dor óssea: ocorre em cerca da metade dos pacientes, apesar do acometimento ósseo ser quase universal. É tipicamente uma dor persistente e leve nos membros inferiores. O padrão clássico é a osteosclerose simétrica das diáfises e metáfises dos ossos longos, detectada por PET/CT, RM ou cintilografia óssea.
- Sistema cardiovascular: presente em 50–60% dos casos, inclui fibrose periaórtica (“aorta encapada”), infiltração cardíaca com pseudotumores atriais, espessamento pericárdico, arritmias, defeitos valvares e comprometimento coronariano, podendo levar a infarto do miocárdio.
- Sistema nervoso central (SNC): visto em 40–50% dos pacientes, com infiltração de cerebelo, tronco encefálico, órbitas e hipófise. Manifestações incluem ataxia, déficit visual, paralisia de nervos cranianos, convulsões, distúrbios cognitivos e deficiência de vasopressina (diabetes insipidus central), além de outras endocrinopatias. O envolvimento do SNC é marcador de pior prognóstico.
- Endocrinopatias: até 40% apresentam disfunções hipofisárias (ex.: hipogonadismo, hipotireoidismo, insuficiência adrenal), muitas vezes persistentes mesmo após resposta radiológica ao tratamento.
- Rins: infiltração perinefrética com aspecto de “rim cabeludo”, podendo causar hidronefrose, obstrução ureteral e insuficiência renal progressiva.
- Pulmões: em até 50% dos casos, com infiltração pleural e parenquimatosa, podendo ser assintomática ou causar tosse e dispneia.
- Pele: cerca de 25% apresentam lesões, como xantelasmas palpebrais ou placas papulonodulares avermelhadas.
- Outros órgãos: fígado, mamas, testículos, tireoide e baço podem ser acometidos, embora de forma menos comum.
A doença também pode se associar a histiocitoses mistas, especialmente com Langerhans cell histiocytosis (LCH) ou doença de Rosai-Dorfman (RDD), e a neoplasias mieloides (como mielodisplasia e neoplasias mieloproliferativas), aumentando o risco de sobreposição de síndromes e impactando a sobrevida.
Diagnóstico da Doença de Erdheim-Chester
O diagnóstico de ECD é desafiador devido à sua variabilidade clínica e radiológica, sendo baseado na combinação de achados histopatológicos característicos, contexto clínico e imagens compatíveis, como a osteosclerose simétrica dos ossos longos, especialmente ao redor dos joelhos, que pode ser patognomônica quando associada a outros sinais da doença.
Avaliação clínica
Inclui histórico detalhado e exame físico, com atenção a sintomas constitucionais (febre, perda de peso, sudorese noturna), dor óssea, lesões cutâneas (xantelasmas, erupções), sinais de comprometimento cardíaco, pulmonar, endócrino ou neurológico, como polidipsia/poliúria, dispneia, arritmias, alterações cognitivas ou déficits motores. O status funcional é avaliado por ECOG ou Karnofsky.
Exames laboratoriais
hemograma completo, eletrólitos, função renal e hepática, vitamina B12, marcadores inflamatórios (PCR), e avaliação endócrina detalhada da hipófise anterior e posterior, incluindo teste de privação de água se houver suspeita de deficiência de vasopressina. Biópsia de medula óssea é indicada em casos de alterações hematológicas.
Imagens
A investigação inicial envolve PET/CT de corpo inteiro, cintilografia óssea, TC de tórax, abdome e pelve (incluindo aorta), RM cerebral com contraste, e RM cardíaca, sendo esta última mais sensível que ecocardiograma para detectar infiltração cardíaca.
Patologia
O diagnóstico definitivo depende de biópsia de tecido afetado, que pode ser cutâneo, ósseo ou de outro órgão. Lesões típicas apresentam histiócitos lipidizados (“foamy”), células gigantes de Touton e infiltrado inflamatório e fibrose. O perfil imunohistoquímico caracteriza-se por CD14, CD68, CD163, Factor XIIIa e fascin, sem expressão de marcadores de células de Langerhans (CD1a, langerina) e rara positividade para S100.
Amostras devem passar por sequenciamento de nova geração para identificar mutações alvo, como BRAF V600E, NRAS, KRAS, ARAF, PIK3CA, MAP2K1 e ALK. Se nenhuma mutação for detectada, recomenda-se repetir a análise em outro sítio ou com técnica diferente.
Tratamento da Doença de Erdheim-Chester
O tratamento da Doença de Erdheim-Chester (ECD) é complexo e deve ser individualizado, considerando a extensão da doença, o envolvimento de órgãos vitais e o perfil genético do paciente.
Abordagem geral
O manejo da ECD requer uma abordagem multidisciplinar, dada a complexidade da doença e o envolvimento de múltiplos órgãos. Pacientes sintomáticos, com acometimento do sistema nervoso central (SNC) ou de outros órgãos, geralmente necessitam de tratamento imediato. Pacientes assintomáticos, sem evidência de comprometimento de órgãos vitais, podem ser submetidos a observação cuidadosa, evitando a toxicidade associada às terapias direcionadas.
Terapia baseada em mutação
Para pacientes com mutação BRAF V600E, o tratamento de primeira escolha é o vemurafenibe, administrado inicialmente em 480 mg duas vezes ao dia, com ajustes conforme a toxicidade. Alternativas incluem outros inibidores de BRAF, como o dabrafenibe, ou inibidores de MEK, como o cobimetinibe. O uso de interferon alfa peguilado, quimioterapia sistêmica (ex.: cladribina) ou agentes biológicos (ex.: anakinra) pode ser considerado quando agentes direcionados não estão disponíveis ou são mal tolerados.
Para mutações que ativam a via MAPK/ERK (ex.: NRAS, KRAS, ARAF, PIK3CA, MAP2K1) ou fusões do gene BRAF, recomenda-se tratamento com inibidor de MEK, geralmente cobimetinibe, com monitoramento e ajuste de dose conforme toxicidade. Pacientes que não respondem ou são intolerantes podem receber trametinibe ou interferon alfa.
Pacientes sem mutação detectável
Quando nenhuma mutação é identificada, recomenda-se repetir a biópsia ou utilizar outra modalidade de genotipagem. Caso não seja detectada mutação mesmo após nova análise, o tratamento inicial sugerido é com inibidor de MEK, interferon alfa peguilado, cladribina ou anakinra, considerando a resposta relatada em alguns casos.
Pacientes assintomáticos
Pacientes assintomáticos, sem envolvimento do SNC ou de órgãos críticos, podem ser acompanhados por um período de observação, realizando avaliação clínica periódica. A decisão de iniciar tratamento deve levar em conta os riscos e benefícios, discutidos com o paciente. Em casos de comprometimento mínimo de ossos ou órgãos não vitais, pode-se optar por terapias menos tóxicas, como anakinra, em vez de agentes direcionados mais agressivos.
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Referências
Eric Jacobsen, MDGaurav Goyal, MD. Erdheim-Chester disease. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Goyal G, Heaney ML, Collin M, Cohen-Aubart F, Vaglio A, Durham BH, Hershkovitz-Rokah O, Girschikofsky M, Jacobsen ED, Toyama K, Goodman AM, Hendrie P, Cao XX, Estrada-Veras JI, Shpilberg O, Abdo A, Kurokawa M, Dagna L, McClain KL, Mazor RD, Picarsic J, Janku F, Go RS, Haroche J, Diamond EL. Erdheim-Chester disease: consensus recommendations for evaluation, diagnosis, and treatment in the molecular era. Blood. 2020 May 28;135(22):1929-1945. doi: 10.1182/blood.2019003507. PMID: 32187362.