Olá, querido doutor e doutora! A palavra “acalásia” tem origem no grego. Ela deriva dos termos “a-“, que significa “não” ou “ausência”, e “chalasis”, que significa “relaxamento”. Portanto, acalásia literalmente significa “ausência de relaxamento”, referindo-se à incapacidade do esfíncter esofágico inferior de relaxar adequadamente, o que é característico dessa condição.
Vem com o Estratégia MED conhecer a etiologia, patogênese, características clínicas, diagnóstico e opções de tratamento para a acalásia. Ao final, separei uma questão de prova sobre o tema para respondermos juntos!
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Conceito de Acalasia
A acalásia é uma doença neuromuscular causada pela degeneração progressiva das células nervosas no plexo mioentérico da parede do esôfago, resultando na incapacidade do esfíncter esofágico inferior (EEI) de relaxar e na perda de peristaltismo no esôfago distal.
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Patogênese da Acalasia
A acalásia é supostamente causada pela inflamação e degeneração dos neurônios na parede esofágica, possivelmente sendo uma doença autoimune devido à sua associação com variantes HLA-DQ e anticorpos contra neurônios entéricos. Há hipóteses de que infecções virais, como herpes zoster e sarampo, possam desencadear essa resposta inflamatória. A acalásia também pode estar ligada a fatores genéticos, como na síndrome de Allgrove.
Histologicamente, observa-se a diminuição dos neurônios nos plexos mioentéricos, com os neurônios restantes circundados por linfócitos e eosinófilos, afetando principalmente os neurônios inibitórios que produzem óxido nítrico. Isso resulta no aumento da pressão do esfíncter esofágico inferior e na incapacidade de relaxamento adequado, levando à perda de peristaltismo. A dilatação esofágica pode ocorrer devido à obstrução crônica e retenção, piorando a depuração peristáltica. Além disso, há evidências de defeito no relaxamento reflexo do esfíncter esofágico superior em pacientes com acalásia, contribuindo para distensão esofágica e dor torácica.
Epidemiologia da Acalasia
A acalásia é considerada uma doença rara, com uma incidência anual de cerca de 1,6 casos por 100.000 pessoas e uma prevalência de 10 casos por 100.000 pessoas. A doença afeta homens e mulheres igualmente e pode ocorrer em qualquer idade, embora seja rara antes da adolescência e geralmente diagnosticada entre 25 e 60 anos. A acalásia também pode estar associada à insuficiência adrenal e ausência de lacrimejamento em pacientes com síndrome do triplo A ou síndrome de Allgrove, uma rara doença genética autossômica recessiva.
Etiologia da Acalasia
A causa da acalásia primária ou idiopática é desconhecida, já a acalásia secundária resulta de doenças que causam anormalidades motoras esofágicas semelhantes às da acalásia primária. Na doença de Chagas, comum na América Central e do Sul, a infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi pode levar à perda de células nervosas intramurais, resultando em aperistaltismo e relaxamento incompleto do esfíncter esofágico inferior. Outras doenças associadas a anormalidades motoras esofágicas semelhantes incluem amiloidose, sarcoidose, neurofibromatose, esofagite eosinofílica, neoplasia endócrina múltipla tipo 2B, doença de Sjögren juvenil, pseudo-obstrução intestinal idiopática crônica e doença de Fabry.
Manifestações Clínicas da Acalasia
A acalásia começa geralmente de forma lenta e progride gradualmente, com pacientes apresentando sintomas por anos antes de procurar ajuda médica. O diagnóstico é frequentemente atrasado devido à má interpretação dos sintomas, sendo os pacientes tratados para outras condições, como refluxo gastroesofágico (DRGE), antes de receberem o diagnóstico correto.
Os sintomas mais comuns incluem disfagia para sólidos (91%) e líquidos (85%), e regurgitação de alimentos ou saliva não digeridos (76-91%). A regurgitação, especialmente ao deitar, pode levar à aspiração em 8% dos casos. Muitos pacientes induzem vômito para aliviar a sensação de plenitude retroesternal após as refeições e até 85% dos pacientes têm dificuldade para arrotar devido a um defeito no relaxamento do esfíncter esofágico superior. Dor torácica subesternal e azia ocorrem em cerca de 40-60% dos pacientes, com a dor sendo mais comum em pacientes jovens e muitas vezes não respondendo ao tratamento.
Os pacientes relatam desconforto em queimação retroesternal, semelhante à azia típica da DRGE, que pode ser causado pelo refluxo gastroesofágico, irritação do revestimento esofágico por alimentos, comprimidos ou fermentação bacteriana de carboidratos retidos. A atividade motora anormal e a dilatação esofágica também podem causar essa sensação. Soluços podem ocorrer devido à obstrução distal do esôfago e para melhorar o esvaziamento esofágico, os pacientes podem adotar manobras específicas, como levantar o pescoço ou jogar os ombros para trás. A perda de peso é geralmente leve, mas pode ser significativa em alguns casos. A rápida progressão da disfagia e perda de peso acentuada sugerem pseudoacalásia devido à malignidade.
Diagnóstico de Acalasia
A acalásia deve ser suspeita em pacientes que apresentam disfagia para sólidos e líquidos, azia que não melhora com inibidores de bomba de prótons, alimentos retidos no esôfago ou dilatação esofágica visível na endoscopia digestiva alta, ou resistência aumentada na passagem do endoscópio pela junção esofagogástrica.
A manometria esofágica é essencial para confirmar o diagnóstico, mostrando relaxamento incompleto do esfíncter esofágico inferior (EIE) e aperistaltismo nos dois terços distais do esôfago. Em casos de resultados inconclusivos ou impossibilidade de realizar a manometria, o esofagograma opaco e a sonda de imagem do lúmen funcional (FLIP) podem ser utilizados para avaliar o esvaziamento esofágico e a distensibilidade da junção esofagogástrica.
A endoscopia digestiva alta é importante para excluir neoplasias na junção esofagogástrica que possam imitar a acalásia. Achados sugestivos incluem um esôfago dilatado com material residual e um EIE que não se abre espontaneamente.
A ultrassonografia endoscópica pode detectar espessamento muscular no EIE e ajudar a diferenciar entre acalásia e pseudoacalásia, especialmente em casos suspeitos de malignidade subjacente.
A sonda de Imagem do Lúmen Funcional (FLIP) mede o diâmetro e a distensibilidade dos segmentos esofágicos, revelando um segmento estreitado na junção esofagogástrica com baixa distensibilidade, útil para confirmar o diagnóstico em casos duvidosos.
Classificação da Acalasia
A Classificação de Chicago divide a acalásia em três subtipos com base nos padrões de pressurização esofágica observados na manometria de alta resolução (HRM):
- Tipo I (acalásia clássica): a deglutição não altera significativamente a pressão no esôfago. Este tipo é caracterizado por 100% de falha no peristaltismo, com um índice contrátil distal (DCI) inferior a 100 mmHg·s·cm.
- Tipo II: a deglutição causa pressurização simultânea em todo o esôfago. Este tipo também apresenta 100% de falha no peristaltismo e pressurização pan-esofágica em pelo menos 20% das deglutições.
- Tipo III (acalásia espástica): a deglutição resulta em contrações prematuras e espasmos do esôfago. Este tipo não apresenta peristaltismo normal e tem contrações espásticas com latência distal menor que 4,5 segundos, e DCI superior a 450 mmHg·s cm em pelo menos 20% das deglutições.
Tratamento da Acalasia
O tratamento da acalásia pode envolver a ruptura mecânica das fibras musculares do esfíncter esofágico inferior (EIE) através de dilatação pneumática, miotomia laparoscópica de Heller ou miotomia endoscópica peroral (POEM), ou a redução bioquímica da pressão do EIE com injeção de toxina botulínica ou uso de nitratos orais.
Para a acalásia tipo I e II, a dilatação pneumática, POEM e miotomia cirúrgica têm taxas de sucesso semelhantes. O POEM é geralmente preferido para a acalásia tipo III. No entanto, a eficácia de todos os tratamentos diminui com o tempo, e muitos pacientes precisam de retratamento dentro de 10 anos. A injeção de toxina botulínica tem um alto sucesso inicial, mas é associada a recidivas frequentes e é indicada para pacientes que não podem se submeter a tratamentos mais duradouros. A terapia com nitratos é geralmente ineficaz e tem muitos efeitos colaterais.
Para pacientes que são bons candidatos à cirurgia, o tratamento com dilatação pneumática, miotomia cirúrgica ou POEM é recomendado em vez de injeção de toxina botulínica. A miotomia cirúrgica pode ser preferida para pacientes com menos de 40 anos devido à maior necessidade de redilatação nessa faixa etária. Caso não haja expertise local, os pacientes devem ser encaminhados a centros especializados.
A miotomia endoscópica peroral (POEM) é uma técnica endoscópica submucosa eficaz, especialmente para acalásia tipo III e casos avançados. Pacientes submetidos ao POEM devem ser informados sobre o risco aumentado de refluxo pós-procedimento.
Para pacientes com alto risco de complicações de procedimentos invasivos, como idosos com comorbidades, a injeção de toxina botulínica no EIE é preferida à terapia medicamentosa. Nitratos podem ser considerados para pacientes que não toleram endoscopia ou não respondem à toxina botulínica.
Cai na Prova
Acompanhe comigo uma questão sobre o tema (disponível no banco de questões do Estratégia MED):
SP – CENTRO MÉDICO DE CAMPINAS – CMC 2024 Mulher, 52 anos, queixa-se de disfagia progressiva, de início há aproximadamente 3 anos, inicialmente para sólidos, atualmente apresentando engasgos até para alimentos pastosos, associada à perda ponderal importante e regurgitação. Exame físico normal. Realizou endoscopia digestiva alta que evidenciou presença de estase esofágica em moderada quantidade, esôfago dilatado com mucosa edemaciada e apagamento da vasculatura. Cárdia hipertônica, de difícil transposição. Para complementar a investigação, realizou o exame contrastado abaixo. Assinale a principal hipótese diagnóstica.
A. Doença do refluxo gastroesofágico.
B. Carcinoma espinocelular de esôfago.
C. Adenocarcinoma de esôfago.
D. Acalásia
Comentário da Equipe EMED: O exame de raios X contrastado do paciente revela características clássicas da acalásia: retardo do esvaziamento esofágico, dilatação do órgão, sinal do bico de pássaro e ausência de bolha gástrica. Portanto, alternativa D.
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Referências Bibliográficas
- John E. & Stuart J. Achalasia: Pathogenesis, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate. Last updated: Jul 03, 2024.
- Stuart J. Overview of the treatment of achalasia. UpToDate. Last updated: Set 05, 2023.