O relato sobre o uso abusivo de substâncias psicoativas está presente em toda a história da humanidade. Seu uso tem várias intenções, desde alívio para dor até realização de rituais de uma determinada cultura. Atualmente, a dependência química é considerada um problema de saúde pública, compromete a funcionalidade do indivíduo e guarda íntima relação com mortes violentas na população jovem.
Confira os principais aspectos referentes à dependência química, que aparecem nos atendimentos e como são cobrados nas provas de residência médica!
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Definição da doença
O conceito utilizado pelo DSM-V, traz a dependência química o uso de substâncias que leva a prejuízo ou sofrimento clínico significativo, que em geral leva a tolerância, abstinência e abandono ou redução de importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas em razão do uso da substância. O histórico evolutivo tem que ter, no mínimo, um período de 12 meses.
O DSM-5 traz 10 classes de substâncias relacionados a estados de dependências:
- Álcool,
- cafeína,
- Cannabis,
- alucinógenos,
- inalantes,
- opióides,
- sedativos e hipnóticos
- Ansiolíiticos,
- estimulantes (substâncias tipo anfetamina, cocaína e outros estimulantes);
- Tabaco.
Epidemiologia da dependência química
A dependência de substâncias psicoativas é algo comum, principalmente na população mais jovem. Segundo dados apresentados no Relatório do United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), no ano de 2017, cerca de 217 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos, cerca de 5% de toda população mundial nessa faixa etária, usaram substância psicoativa pelo menos uma vez no ano de 2016. No mesmo relatório, cerca de 35 milhões de pessoas sofriam de transtornos relacionados ao uso de substâncias.
Segundo relatório de da UNODC em 2019, a mortalidade relacionada a uso abusivo de drogas era de aproximadamente 585 mil pessoas naquele ano, sendo a maior parte destas mortes associadas à infecção pelo vírus da hepatite C, HIV/AIDS e a problemas decorrentes da intoxicação por opióides.
#Ponto importante: A pandemia da COVID-19 trouxe mudanças de hábitos, sociais, comportamentais e emocionais em toda população mundial. Durante o isolamento social observou-se um expressivo aumento no número de intoxicações. De acordo com dados do Ministério da Saúde, houve um aumento de 54% em 2020 no atendimento de dependentes químicos se compararmos a 2019.
Fisiopatologia da dependência química
Como na maioria dos distúrbios comportamentais e psiquiátricos, os fatores de risco incluem risco genético, traços temperamentais e o ambiente influenciam na dependência química.
Uma vez exposto ao uso dessas drogas há ativação direta do sistema de recompensa do cérebro, o qual está envolvido nas sensações de prazer, no reforço de comportamentos e na produção de memórias. Essa via é ativada através de comportamentos adaptativos.
De maneira fisiológica, há alteração dos processos normais de acumulação, liberação e eliminação de neurotransmissores endógenos. Entre alguns neurotransmissores envolvidos temos a dopamina, a serotonina, a noradrenalina, o ácido gama-aminobutírico (Gaba), o glutamato e os opioides endógenos.Há também perda dos mecanismos cerebrais de inibição.
#Ponto importante: a ativação do sistema de recompensa é intensa a ponto de fazer atividades normais serem negligenciadas.
Manifestações clínicas e diagnóstico da dependência química
A presença de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, relacionados à tolerância ou abstinência da substância.
Critérios diagnósticos segunda DSM-V
Os critérios são baseados em grupos de sinais e sintomas.
1° grupo: baixo controle sobre o uso da substância.
- O indivíduo pode consumir a substância em quantidades maiores ou ao longo de um período maior de tempo do que pretendido originalmente
- O indivíduo pode expressar um desejo persistente de reduzir ou regular o uso da substância e pode relatar vários esforços malsucedidos para diminuir ou descontinuar o uso
- O indivíduo pode gastar muito tempo (ou todo seu tempo) para obter a substância, usá-la ou recuperar-se de seus efeitos.
- A fissura se manifesta por meio de um desejo ou necessidade intensos de usar a droga que podem ocorrer a qualquer momento, mas com maior probabilidade quando em um ambiente onde a droga foi obtida ou usada anteriormente.
2° grupo: prejuízo social.
- O uso recorrente de substâncias pode resultar no fracasso em cumprir as principais obrigações no trabalho, na escola ou no lar.
- O indivíduo pode continuar o uso da substância apesar de apresentar problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos.
- Atividades importantes de natureza social, profissional ou recreativa podem ser abandonadas ou reduzidas devido ao uso da substância. O indivíduo pode afastar-se de atividades em família ou passatempos a fim de usar a substância.
3° grupo: O uso arriscado da substância.
- Pode tomar a forma de uso recorrente da substância em situações que envolvem risco à integridade física.
- O indivíduo pode continuar o uso apesar de estar ciente de apresentar um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que provavelmente foi causado ou exacerbado pela substância.
4° grupo: Critérios farmacológicos.
- A tolerância é sinalizada quando uma dose acentuadamente maior da substância é necessária para obter o efeito desejado ou quando um efeito acentuadamente reduzido é obtido após o consumo da dose habitual.
- Abstinência é uma síndrome que ocorre quando as concentrações de uma substância no sangue ou nos tecidos diminuem em um indivíduo que manteve uso intenso prolongado. Após desenvolver sintomas de abstinência, o indivíduo tende a consumir a substância para aliviá-los.
Critérios diagnósticos CID-10
De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a dependência química caracteriza-se pela presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela.
Tratamento da dependência química
No Brasil, atualmente, seguindo o modelo construído durante a Reforma Psiquiátrica, o tratamento deve estar apoiado em elementos biológicos, psicológicos e sociais, já que o tratamento visa a reinserção social do usuário. O planejamento das ações inclui a elaboração de planos que visam essencialmente à reconstrução de horizontes vitais, sedutores do ponto de vista do paciente, que possam substituir o prazer fácil das drogas.
Dificilmente é possível sustentar a melhora de um paciente sem que atuemos em seu meio familiar. Pacientes que não têm suporte social e familiar e apresentam problemas psíquicos graves, a internação pode ser necessária, porém, apenas em caso de surto ou para desintoxicação, por períodos curtos e sempre tentando uma abordagem voluntária, com o objetivo de estimular (motivar) o trabalho para uma mudança do comportamento.
A motivação é um fator importante no desempenho do tratamento. Segundo Rollnick e Miller (1995), o paciente se encaixa dentro das fases motivacionais em pré-contemplação, contemplação, determinação e ação. Devemos sempre visar que o paciente,a partir de um processo de auto reflexão, alcance o estado de ação.
A estratégia de redução de danos é uma ferramenta importante, estimulada pelas políticas do SUS, a serem aplicadas em indivíduos que não conseguem manter-se abstinentes em tratamento ambulatorial e apresentam comportamentos de risco à sociedade e à sua integridade física e/ou mental.
Veja também:
- Resumo de psicofarmacologia
- Resumo de delirium: manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e mais
- Demência: o que é, sintomas e muito mais
- Resumo de transtornos psicóticos
- Resumo de transtorno de ansiedade generalizada
Referências bibliográficas:
- ALARCON, S., and JORGE, MAS., comps. Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012, pp. 131-150. ISBN: 978-85-7541-539-9
- AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
- CRAUSS, Renata Maria Gardin; ABAID, Josiane Lieberknecht Wathier. A dependência química e o tratamento de desintoxicação hospitalar na fala dos usuários. Contextos Clínic, São Leopoldo , v. 5, n. 1, p. 62-72, jul. 2012 . Disponível em
- Schimith, Polyana Barbosa, Murta, Geraldo Alberto Viana e Queiroz, Sávio Silveira de. A abordagem dos termos dependência química, toxicomania e drogadição no campo da Psicologia brasileira. Psicologia USP [online]. 2019, v. 30, e180085.
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