Olá, querido doutor e doutora! A embolia gordurosa é uma condição potencialmente grave, associada principalmente a fraturas de ossos longos e procedimentos ortopédicos. Sua forma clínica mais relevante, a síndrome da embolia gordurosa (SEG), pode comprometer pulmões, cérebro e pele, exigindo reconhecimento rápido e suporte intensivo.
A SEG pode evoluir com manifestações tão sutis que passam despercebidas ou, em contrapartida, provocar colapsos fulminantes com risco de morte.
Navegue pelo conteúdo
Conceito
A embolia gordurosa é caracterizada pela presença de microgotículas de gordura na corrente sanguínea, que migram preferencialmente para os capilares pulmonares, podendo, em alguns casos, atravessar a circulação pulmonar e atingir outros órgãos, como cérebro, pele e retina. Essa embolização geralmente ocorre após fraturas de ossos longos ou procedimentos ortopédicos com manipulação do canal medular.
Quando essa condição evolui com manifestações clínicas sistêmicas, como insuficiência respiratória, alterações neurológicas e petéquias, é denominada síndrome da embolia gordurosa (SEG). A SEG representa uma resposta inflamatória generalizada desencadeada pela interação das microgotas lipídicas com o endotélio capilar, sendo considerada uma complicação potencialmente grave do trauma ortopédico.
Fisiopatologia
A gênese da embolia gordurosa envolve dois mecanismos interdependentes: um processo físico inicial e uma sequência de reações bioquímicas subsequentes. Na chamada fase mecânica, a elevação súbita da pressão intraóssea — como ocorre durante fraturas ou manipulações cirúrgicas — leva à liberação de gotículas de gordura da medula óssea para a circulação venosa. Essas partículas se alojam nos capilares pulmonares, onde causam obstruções mecânicas. Em casos mais intensos, a deformação das gotículas ou a presença de comunicações vasculares — como um forame oval patente — permite sua passagem para a circulação arterial, atingindo órgãos como cérebro e retina.
Já na fase bioquímica, essas gotículas de gordura são hidrolisadas pela lipase pulmonar, liberando ácidos graxos livres que apresentam ação tóxica sobre o endotélio capilar. Essa lesão promove a ativação de neutrófilos e a liberação de enzimas lisossômicas, como mieloperoxidase, que amplificam o dano tecidual. O resultado final é um processo inflamatório local com formação de áreas de hemorragia, edema e alteração na troca gasosa, culminando em hipoxemia e disfunção orgânica — especialmente pulmonar e neurológica. A intensidade dessa resposta inflamatória sistêmica é o que determina a evolução para a síndrome da embolia gordurosa.
Epidemiologia e fatores de risco
A embolia gordurosa é um fenômeno relativamente frequente em contextos de trauma ortopédico, especialmente após fraturas de ossos longos, como fêmur e tíbia. Estudos de autópsia revelam que gotículas de gordura estão presentes em até 90% dos casos de morte por trauma, embora a evolução clínica para a síndrome da embolia gordurosa (SEG) ocorra em uma fração muito menor — estimada entre 1% a 11% dos pacientes com fraturas de ossos longos. A SEG é mais comum em adultos jovens politraumatizados, mas também pode acometer idosos submetidos a artroplastias ou, em casos raros, crianças com fraturas extensas.
Diversas condições aumentam o risco de desenvolvimento da SEG. Entre os principais fatores de risco, destacam-se:
- Fraturas fechadas de ossos longos ou de pelve;
- Múltiplas fraturas ou politraumatismo;
- Manipulação do canal medular durante cirurgias ortopédicas (ex: fresagem, inserção de próteses cimentadas);
- Cirurgias com cimento ortopédico, como artroplastia total de quadril ou joelho;
- Atraso na fixação das fraturas;
- Lipoaspiração e outros procedimentos estéticos com manipulação de gordura;
- Traumas de partes moles extensos, como esmagamentos ou espancamentos;
- Pancreatite, crises de anemia falciforme, esteatose hepática, e infusão de emulsões lipídicas.
Avaliação clínica
As manifestações clínicas da síndrome da embolia gordurosa (SEG) costumam surgir entre 12 e 72 horas após o evento desencadeante, como fratura ou procedimento ortopédico. A forma clássica apresenta uma tríade sintomática composta por:
- Insuficiência respiratória: caracterizada por taquipneia progressiva, hipoxemia, cianose e, em casos graves, necessidade de ventilação mecânica.
- Alterações neurológicas: variam de irritabilidade, agitação e confusão mental até convulsões e coma. Esses sinais decorrem da hipóxia cerebral e da embolização de gordura no sistema nervoso central.
- Petéquias: pequenas lesões hemorrágicas na pele, geralmente localizadas nas axilas, conjuntivas e região cervical. Representam um achado clínico sugestivo, mas nem sempre presente.
Outros sinais incluem febre, taquicardia, queda do hematócrito e das plaquetas, além de oligúria ou elevação da creatinina em casos com acometimento renal. A retina pode apresentar hemorragias e alterações visuais transitórias.
Em formas mais leves, chamadas subclínicas, os pacientes podem apresentar apenas discreta hipoxemia ou alterações inespecíficas do estado geral. Já a forma fulminante, embora rara, evolui rapidamente com falência respiratória, colapso hemodinâmico e óbito.
Diagnóstico
O diagnóstico da síndrome da embolia gordurosa (SEG) é eminentemente clínico e requer elevado grau de suspeição, especialmente em pacientes com fraturas de ossos longos, politraumatismos ou que tenham sido submetidos a cirurgias ortopédicas recentes. Nenhum exame isolado é capaz de confirmar o diagnóstico, o que torna essencial a análise integrada da história, sintomas e evolução do quadro.
Entre os critérios mais utilizados está o proposto por Gurd e Wilson, que define SEG na presença de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior associado a quatro menores. Os critérios maiores incluem: insuficiência respiratória, alterações neurológicas sem causa definida e petéquias cutâneas. Já os critérios menores abrangem: febre, taquicardia, icterícia, anemia, plaquetopenia, alterações retinianas, gordura no escarro ou na urina, entre outros.
Exames laboratoriais
Exames laboratoriais frequentemente demonstram hipoxemia, anemia normocítica e queda discreta de plaquetas. A gasometria arterial revela uma queda da PaO₂, muitas vezes associada a aumento do gradiente alvéolo-arterial. Alterações nos exames de coagulação, elevação da VSG e presença de gordura em líquidos biológicos podem apoiar o diagnóstico, embora sejam inespecíficas.
Exames de imagem
Entre os exames de imagem, a ressonância magnética cerebral se destaca por sua capacidade de detectar lesões perivasculares na substância branca, mesmo nas fases iniciais. Já a radiografia de tórax, quando alterada, revela infiltrado bilateral difuso, mas esse achado só está presente em cerca de 30 a 50% dos casos.
Diagnóstico diferencial
A SEG deve ser diferenciada de outras condições comuns no trauma, como contusão pulmonar, tromboembolismo, SARA e trauma cranioencefálico. A cronologia dos sintomas, especialmente o início entre 24 e 48 horas após o trauma, é uma pista importante para o diagnóstico.
Tratamento
O manejo da síndrome da embolia gordurosa (SEG) é baseado em medidas de suporte, uma vez que não há tratamento específico comprovadamente eficaz. O principal objetivo é manter a estabilidade hemodinâmica e a oxigenação adequada, prevenindo a progressão da lesão pulmonar e cerebral.
A oxigenoterapia deve ser iniciada precocemente, com suplementação por cateter nasal nos casos leves e ventilação mecânica nos quadros de insuficiência respiratória grave. A monitorização da saturação de oxigênio e da gasometria arterial é indispensável durante toda a evolução clínica. Em pacientes com instabilidade circulatória, podem ser necessários vasoativos para manter o débito cardíaco.
A reposição volêmica cuidadosa com cristaloides ou albumina é indicada para restaurar a perfusão tecidual. A albumina, além de expandir o volume plasmático, ajuda a se ligar aos ácidos graxos livres, reduzindo sua toxicidade endotelial.
Várias medicações já foram testadas ao longo dos anos, incluindo álcool etílico, heparina, glicose hipertônica, aspirina, aprotenina e corticosteroides, mas nenhuma demonstrou benefício terapêutico consistente. No entanto, corticosteroides em doses elevadas têm mostrado algum efeito profilático, reduzindo a incidência de SEG em pacientes com fraturas de ossos longos, embora seu uso ainda gere debates e não seja padronizado.
Medidas complementares incluem profilaxia de trombose venosa profunda, nutrição adequada e, quando necessário, controle da pressão intracraniana em casos com edema cerebral. A utilização de técnicas cirúrgicas que minimizem a pressão intramedular durante artroplastias ou osteossínteses pode reduzir a carga de êmbolos gordurosos liberados durante os procedimentos.
O suporte ventilatório bem conduzido, associado à correção da hipovolemia e da inflamação sistêmica, costuma ser suficiente para a recuperação na maioria dos casos subagudos.
Complicações
- Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA);
- Hipoxemia refratária;
- Falência respiratória com necessidade de ventilação mecânica;
- Edema cerebral e aumento da pressão intracraniana;
- Infartos cerebrais múltiplos;
- Convulsões e coma;
- Alterações visuais persistentes (escotomas, baixa acuidade visual);
- Insuficiência renal aguda.
Venha fazer parte da maior plataforma de Medicina do Brasil! O Estratégia MED possui os materiais mais atualizados e cursos ministrados por especialistas na área. Não perca a oportunidade de elevar seus estudos, inscreva-se agora e comece a construir um caminho de excelência na medicina!
Veja Também
- Resumo de Embolia Gasosa: definição, quadro clínico e mais!
- Embolia Pulmonar: causas, sintomas e muito mais!
- ResuMED de tromboembolismo pulmonar – parte 3: estratificação de risco, tratamento, profilaxia e embolia gordurosa
- Pneumologia: o que é, doenças, residência médica, salário e mais!
- Resumo de DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica): fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico, tratamento e mais
- Pulmão: anatomia, função e muito mais
- Resumo de pneumonia: manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e mais
Canal do YouTube
Referências Bibliográficas
- FILOMENO, Luiz Tarcisio B. et al. Embolia gordurosa: uma revisão para a prática ortopédica atual. Acta Ortopédica Brasileira, São Paulo, v. 13, n. 4, p. 196-208, 2005.
- ADEYINKA, Adebayo; PIERRE, Louisdon. Fat Embolism. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.