Olá, querido doutor e doutora! A enxaqueca em crianças e adolescentes é uma condição neurológica frequente, capaz de comprometer de forma significativa a qualidade de vida e o desempenho escolar. Sua expressão clínica muitas vezes difere do padrão adulto, exigindo atenção especial para não ser subdiagnosticada.
A prevalência varia de 1% a 3% em idade pré-escolar e pode ultrapassar 20% na adolescência.
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Conceito
A enxaqueca na pediatria é uma cefaleia primária caracterizada por episódios recorrentes de dor moderada a intensa, geralmente de caráter pulsátil e associados a sintomas como náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia. Diferente do padrão clássico do adulto, em crianças a dor pode ser bilateral (frontal ou temporal), com crises de duração mais curta, variando entre 1 e 72 horas.
Fisiopatologia
A enxaqueca em crianças é resultado de uma interação entre predisposição genética, fatores ambientais e alterações neuroquímicas. Diferente do que se acreditava no passado, não é apenas um distúrbio vascular, mas sim um processo complexo envolvendo o cérebro.
- Predisposição genética: crianças com pais enxaquecosos apresentam maior risco e início mais precoce dos sintomas. Alguns subtipos raros, como a enxaqueca hemiplégica, estão associados a mutações em genes de canais iônicos (CACNA1A, ATP1A2, SCN1A).
- Ativação trigeminovascular: estímulos desencadeantes ativam o sistema trigeminal, levando à liberação de neuropeptídeos, principalmente o CGRP (peptídeo relacionado ao gene da calcitonina). Esse mediador provoca vasodilatação, inflamação neurogênica e sensibilização da via nociceptiva.
- Disfunção cortical: episódios de depressão cortical propagada podem explicar a ocorrência de aura, caracterizada por sintomas visuais, sensitivos ou de linguagem.
- Modulação central da dor: estruturas como hipotálamo, tálamo e tronco cerebral participam do processo, justificando sintomas associados como alterações de humor, fadiga e distúrbios gastrointestinais.
Epidemiologia
A enxaqueca é uma das principais causas de cefaleia recorrente em pediatria, com prevalência variável conforme a idade e o sexo. Estudos mostram que:
- Em crianças entre 3 e 7 anos, a prevalência é de aproximadamente 1% a 3%.
- Na faixa dos 7 a 11 anos, aumenta para 4% a 11%.
- Entre 11 e 15 anos, chega a 8% a 23%, tornando-se mais frequente nas adolescentes do sexo feminino após a puberdade, em razão de fatores hormonais.
- Estima-se que cerca de 3% a 14% dos casos em pediatria evoluam para enxaqueca crônica.
A presença de história familiar positiva é um dos fatores mais consistentes associados ao risco. Além disso, condições como sobrepeso, obesidade e cólica infantil têm sido relacionadas a maior probabilidade de desenvolver enxaqueca ao longo da infância e adolescência.
Avaliação clínica
Características da dor
A cefaleia na infância apresenta algumas diferenças em relação ao adulto. A dor costuma ser frontal ou bitemporal nas crianças menores, migrando para um padrão unilateral em adolescentes. A intensidade varia de moderada a forte, com caráter pulsátil e agravamento durante atividades físicas ou esforço.
Sintomas associados
Além da dor, os pacientes frequentemente apresentam náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia, que podem ser percebidas pelos pais como irritabilidade diante de luz e ruídos. Em alguns casos, a manifestação predominante é dor abdominal recorrente, caracterizando a chamada enxaqueca abdominal. Episódios de tontura ou vertigem também podem ocorrer em variantes menos comuns, como a enxaqueca vestibular.
Aura
A aura está presente em até um terço das crianças e adolescentes, com sintomas totalmente reversíveis que precedem ou acompanham a dor. As manifestações mais comuns são visuais (escotomas cintilantes, visão borrada), seguidas pelas sensitivas (formigamento em face ou membros) e pelas de linguagem (dificuldade em articular palavras). Em geral, esses sintomas duram de 5 a 60 minutos.
Sinais de alerta
Apesar de ser uma condição primária, a enxaqueca deve ser diferenciada de causas secundárias de cefaleia. Chamam a atenção os chamados red flags, que incluem início abrupto e explosivo, presença de papiledema, déficits neurológicos persistentes, alteração do nível de consciência ou dor sempre do mesmo lado da cabeça. Nessas situações, é obrigatória a investigação complementar.
Aspecto | Características em Crianças e Adolescentes |
Localização da dor | Frontal ou bitemporal em crianças; tende a unilateral em adolescentes |
Qualidade | Pulsátil, moderada a intensa |
Duração | 1 a 72 horas (mais curta que no adulto) |
Sintomas associados | Náuseas, vômitos, fotofobia, fonofobia, dor abdominal, tontura |
Aura | Presente em até 1/3; visual (escotomas, linhas), sensitiva (formigamento), linguagem (dificuldade para falar); duração de 5 a 60 min |
Impacto funcional | Limitação em atividades escolares, sociais e familiares |
Red flags | Início abrupto, papiledema, déficit neurológico persistente, alteração de consciência, cefaleia sempre no mesmo lado |
Diagnóstico
Critérios clínicos
O diagnóstico da enxaqueca em crianças é essencialmente clínico. Os critérios da International Classification of Headache Disorders (ICHD-3) adaptados para pediatria exigem pelo menos cinco episódios de cefaleia com duração de 1 a 72 horas. A dor deve apresentar pelo menos duas características entre intensidade moderada a forte, pulsatividade, localização unilateral (mais comum em adolescentes, mas frequentemente bilateral em crianças) e limitação das atividades físicas. Além disso, pelo menos um sintoma associado — náusea, vômito, fotofobia ou fonofobia — deve estar presente.
Ferramentas auxiliares
O diário de cefaleia é recomendado para acompanhamento, permitindo registrar frequência, duração, intensidade, gatilhos e resposta ao tratamento. Outra ferramenta útil é a escala PedMIDAS, que avalia o impacto funcional da cefaleia no cotidiano escolar, social e familiar, classificando o grau de incapacidade em leve, moderado ou grave.
Exames complementares
Os exames de imagem e laboratoriais não são indicados rotineiramente. A solicitação de neuroimagem deve ser reservada para situações com sinais de alarme, como início súbito e intenso da dor, alteração neurológica focal, papiledema ou mudança no padrão das crises. Já o EEG e a punção lombar são indicados apenas quando há suspeita de epilepsia ou infecção do sistema nervoso central, respectivamente.
Critério | Descrição |
Número de crises | ≥ 5 episódios ao longo de um ano |
Duração da crise | 1 a 72 horas (menor que em adultos, onde pode durar 4 a 72h) |
Características da dor (≥ 2) | • Intensidade moderada a forte • Pulsátil • Localização unilateral (mais comum em adolescentes; bilateral em crianças) • Piora com atividade física ou limitação das atividades |
Sintomas associados (≥ 1) | • Náusea e/ou vômito • Fotofobia e/ou fonofobia |
Exame neurológico entre as crises | Normal na maioria dos casos |
Ferramentas auxiliares | Diário de cefaleia e escala PedMIDAS para avaliar impacto funcional |
Tratamento
Medidas não farmacológicas
O primeiro passo no manejo da enxaqueca em crianças envolve mudanças de estilo de vida. É fundamental manter rotina regular de sono, alimentação equilibrada, hidratação adequada e prática de atividade física. O controle de gatilhos, como jejum prolongado, estresse, privação de sono e exposição a estímulos visuais ou sonoros intensos, deve ser orientado aos pacientes e familiares. Técnicas de relaxamento, biofeedback e terapia cognitivo-comportamental podem auxiliar na prevenção de crises.
Tratamento das crises agudas
Quando as crises ocorrem, o objetivo é aliviar a dor rapidamente e restaurar a funcionalidade da criança. Os medicamentos mais utilizados são os analgésicos simples, como paracetamol (10–15 mg/kg) e ibuprofeno (10 mg/kg), preferencialmente administrados no início do episódio. Nos casos de cefaleias moderadas a graves, podem ser utilizados triptanos (como sumatriptano e zolmitriptano), aprovados para adolescentes, inclusive em formulações nasais que oferecem absorção rápida e boa tolerabilidade.
Tratamento preventivo
A profilaxia está indicada para pacientes com alta frequência de crises, grande impacto funcional ou falha do tratamento agudo. Entre as opções disponíveis estão topiramato, propranolol, flunarizina e amitriptilina, escolhidos conforme a idade, comorbidades e perfil de efeitos adversos. Além disso, há crescente interesse em nutracêuticos como riboflavina, magnésio e coenzima Q10, que apresentam boa segurança e podem reduzir a frequência das crises, embora a evidência ainda seja limitada.
Abordagem multiprofissional
O manejo ideal envolve uma visão integrada entre médico, paciente e família. Orientações educativas reduzem a ansiedade e aumentam a adesão ao tratamento. Em alguns casos, pode ser útil o suporte de psicólogos, nutricionistas e educadores para melhorar a qualidade de vida, reduzir o absenteísmo escolar e otimizar os resultados terapêuticos.
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Referências Bibliográficas
- HERRING, R. M.; VALENTINE, S.; LANG, E. Migraine in Children and Adolescents. DynaMed. Ipswich (MA): EBSCO Information Services, 2025.
- AL KHALILI, Y.; ASUNCION, R. M. D.; CHOPRA, P. Migraine Headache in Childhood. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2023.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE DOR. Consenso de Cefaleia e Enxaqueca. São Paulo: SBDor, 2023