E aí, doc! Preparado para continuar falando sobre um tema raro, mas essencial? Seguimos comentando sobre a Neuroacantocitose, um grupo de síndromes que combina distúrbios neurológicos com alterações hematológicas marcadas por acantócitos.
O Estratégia MED segue firme ao seu lado para aprofundar esse conhecimento, conectando teoria e prática clínica de forma clara e objetiva.
Vamos juntos nessa jornada?
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Síndrome de McLeod
A síndrome de McLeod é uma condição rara ligada ao cromossomo X, causada por mutações no gene XK. Ela se caracteriza por uma série de manifestações clínicas, incluindo distúrbios de movimento, comprometimento cognitivo, sintomas psiquiátricos e acantocitose. A síndrome está associada à progressão da deterioração neurológica, cardiomiopatia e outros problemas sistêmicos. Embora seja incomum, é fundamental reconhecer os primeiros sinais para diagnóstico e manejo adequados.
Base genética e fisiopatologia
A síndrome de McLeod resulta de mutações no gene XK, que codifica a proteína XK. A função da proteína XK não é totalmente compreendida, mas ela compartilha homologia com a proteína ced-8 do C. elegans, que está envolvida na morte celular mediada por caspase. Nos glóbulos vermelhos, a proteína XK está ligada à glicoproteína Kell por meio de uma ligação dissulfeto, sugerindo que ambas formam um complexo funcional. Quando a proteína XK não é expressa, como na síndrome de McLeod, a glicoproteína Kell está ausente ou significativamente reduzida.
Características clínicas
A síndrome de McLeod geralmente se manifesta na idade jovem adulta, com movimentos coreiformes, comprometimento cognitivo, sintomas psiquiátricos (muitas vezes subclínicos), sinais neuromusculares e acantocitose. A cardiomiopatia é uma manifestação sistêmica importante da doença. O início dos sintomas ocorre, geralmente, por volta dos 40 anos, mas pode variar entre 18 e 61 anos, com os sintomas progredindo ao longo das décadas.
- Movimentos Coreiformes: aproximadamente um terço dos pacientes apresenta coreia. Movimentos involuntários, como inquietação e pequenos movimentos involuntários dos tornozelos e dedos, podem ser vistos nas fases iniciais da doença. Com o tempo, movimentos coreiformes mais evidentes nos membros aparecem em até 95% dos pacientes.
- Sintomas Psiquiátricos: até 80% dos pacientes desenvolvem psicopatologia com o tempo. Ansiedade, depressão e “labilidade emocional” são comuns, além do desenvolvimento de transtorno obsessivo-compulsivo ou psicose em alguns casos. Testes psicométricos indicam problemas de memória e função executiva.
- Sinais Neurológicos e Musculares: quase todos os pacientes apresentam reflexos tendinosos ausentes, sendo comum a areflexia generalizada. A fraqueza muscular progressiva e atrofia são frequentes, embora apenas cerca de metade dos pacientes desenvolvam fraqueza clínica significativa. A atrofia progressiva do núcleo caudado é a alteração mais comum observada na ressonância magnética (RM).
- Cardiomiopatia e Arritmias: dois terços dos pacientes apresentam sinais de doença cardíaca, como dilatação do ventrículo esquerdo e arritmias cardíacas (fibrilação atrial, flutter atrial e taquicardia ventricular crítica). A morte prematura ocorre, frequentemente, devido a arritmias cardíacas relacionadas à cardiomiopatia.
Diagnóstico
O diagnóstico da síndrome de McLeod é baseado na combinação dos achados clínicos, acantocitose e fenótipo sanguíneo McLeod. A presença de uma reação fraca ao antisoro Kell e a ausência de reação ao antisoro XK confirmam o fenótipo sanguíneo McLeod. A realização de testes genéticos moleculares para identificar variantes patogênicas no gene XK confirma o diagnóstico.
Achados laboratoriais e exames
- Fenótipo Sanguíneo McLeod: em alguns pacientes assintomáticos ou portadores, o fenótipo sanguíneo McLeod pode ser identificado antes do desenvolvimento dos sintomas neurológicos.
- Acantócitos: Acantócitos representam de 3% a 40% da população de glóbulos vermelhos, com hemólise compensada.
- Creatina Quinase (CK): níveis elevados de CK (até 4000 unidades/L) são comuns, e os pacientes são suscetíveis à rabdomiólise, especialmente em situações de risco adicional, como uso de medicamentos neurolépticos.
- Ressonância Magnética (RM): atrofia progressiva do núcleo caudado é o achado mais comum, além de aumento do sinal T2 no putâmen lateral.
- Eletromiografia e Biópsia Muscular: podem mostrar características neurogênicas e miopáticas, como aumento de núcleos centrais e atrofia de fibras tipo 2.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da síndrome de McLeod inclui outras condições com apresentações clínicas semelhantes, como a coreia-acantocitose, doença de Huntington, Huntington-like 2 (HDL2), neurodegeneração associada à quinase pantotenato (PKAN) e doença de Wilson. O fenótipo sanguíneo McLeod ajuda a distinguir essa síndrome de outras condições.
Tratamento e manejo
Não há tratamento curativo ou terapias modificadoras da doença para a síndrome de McLeod. O tratamento atual visa o manejo dos sintomas:
- Monitoramento Cardíaco: Eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma devem ser realizados no início do acompanhamento. Pacientes com risco de embolia cardiogênica devem ser anticoagulados.
- Tratamento para Coreia: medicamentos usados no tratamento da coreia em outras síndromes, como tiapride e sulpirida, podem ser tentados, com resposta positiva em alguns casos.
- Controle de Convulsões: as convulsões podem ser bem controladas com medicamentos antiepilépticos, como carbamazepina, fenitoína e lamotrigina.
- Tratamento Psiquiátrico: sintomas psiquiátricos podem ser resistentes aos tratamentos padrão, sendo necessário o uso de psicotrópicos adequados. Em alguns casos, a terapia eletroconvulsiva tem mostrado eficácia.
- Aconselhamento Genético: o aconselhamento genético é fundamental, pois os homens afetados transmitem a mutação para todas as suas filhas, e os filhos dessas filhas terão 50% de chance de desenvolver a síndrome.
Prognóstico
A idade média de morte na síndrome de McLeod é de 53 anos, com um intervalo de 31 a 69 anos. A causa comum de morte precoce está associada às arritmias cardíacas decorrentes da cardiomiopatia.
Neurodegeneração Associada à Quinase Pantotenato (PKAN)
A neurodegeneração associada à quinase pantotenato (PKAN), anteriormente conhecida como doença de Hallervorden-Spatz, é uma condição neurodegenerativa rara e autossômica recessiva.
A maioria dos casos é causada por mutações no gene PANK2, que codifica a enzima pantotenato quinase 2 (PANK2). Essa enzima é responsável pela catalisação da etapa limitante na síntese de coenzima A a partir da vitamina B5.
A deficiência dessa enzima resulta em acúmulo anômalo de ferro no cérebro, especialmente nos gânglios da base, caracterizando a doença como parte de um grupo de distúrbios conhecidos como “neurodegeneração com acúmulo de ferro no cérebro”.
Manifestações clínicas
PKAN geralmente se manifesta na primeira década de vida, com sinais extrapiramidais predominantes, como distonia orofacial e nos membros, disartria (dificuldade na fala), rigidez e coreoatetose (movimentos involuntários e irregulares). Além disso, os pacientes frequentemente apresentam retinopatia (dano na retina), espasticidade e declínio cognitivo progressivo. A acantocitose, que é a presença de glóbulos vermelhos anormais com forma de espinho, ocorre em apenas 8 a 10% dos casos.
Em casos mais raros, a doença pode se manifestar tardiamente, na segunda década de vida, com rigidez mais pronunciada e progressão mais lenta. Nesses casos, o quadro clínico pode se sobrepor a outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Huntington de início juvenil, a variante Huntington-like 2 (HDL2) e a coreia-acantocitose.
Diagnóstico
A principal característica diagnóstica de PKAN é a presença de depósitos de ferro no globo pálido, que podem ser visualizados em exames de ressonância magnética (RM). Esse achado cria o sinal clássico do “olho de tigre”, que é altamente sugestivo e muitas vezes diagnóstico da doença. No entanto, a confirmação do diagnóstico é feita através de testes genéticos, que identificam variantes patogênicas no gene PANK2.
Tratamento e manejo
Atualmente, não há cura para PKAN, e o tratamento é voltado principalmente para o controle dos sintomas. Isso inclui:
- Manejo de sintomas motores: O tratamento pode envolver o uso de medicamentos para controlar a rigidez, distonia e coreoatetose, como os antipsicóticos (tiapride) ou medicamentos usados no tratamento da doença de Huntington, como a tetrabenazina.
- Aconselhamento genético: Como PKAN é uma doença autossômica recessiva, o aconselhamento genético é essencial para as famílias afetadas, especialmente em casos de planejamento familiar.
Prognóstico
A progressão da doença pode variar entre os pacientes, com alguns apresentando um curso mais lento e outros desenvolvendo uma deterioração neurológica rápida. O prognóstico depende da idade de início dos sintomas, com formas iniciais sendo associadas a um prognóstico mais desfavorável.
Doença de Huntington-like 2 (HDL2)
A Doença de Huntington-like 2 (HDL2) é uma doença rara de herança autossômica dominante, causada por mutações no gene junctofilina-3 (JPH3) que resultam em repetições trinucleotídicas de citosina-timina-guanina (CTG).
Indivíduos aparentemente não afetados, mas com essas repetições no gene JPH3, podem desenvolver a doença mais tarde. HDL2 foi principalmente relatada em pacientes de ascendência africana, embora também tenha sido observada em indivíduos de ascendência europeia. Este é um transtorno raro, com 69 novos casos reportados entre 2001 e 2016.
Características clínicas
A doença costuma se manifestar na meia-idade (entre 29 e 41 anos) e é caracterizada por um distúrbio motor progressivo, junto com demência e distúrbios psiquiátricos, como depressão, apatia e irritabilidade.
O distúrbio motor pode se apresentar de duas formas predominantes: parkinsonismo com rigidez ou coreia acompanhada de movimentos oculares anormais. Não foram relatados casos de convulsões ou problemas nos nervos periféricos ou nos músculos em pacientes com HDL2.
Diagnóstico e exames
Acanthocitose foi observada em alguns pacientes afetados, mas não é universal. Os achados de imagem cerebral por ressonância magnética (RM) são semelhantes aos da Doença de Huntington, com atrofia proeminente do caudado e do córtex cerebral.
Diagnóstico diferencial
A apresentação clínica de HDL2 é semelhante à da Doença de Huntington de início juvenil e também se sobrepõe com a coreia-acantocitose. O diagnóstico é realizado por meio de testes genéticos moleculares.
Tratamento e prognóstico
O tratamento é sintomático e semelhante ao tratamento da Doença de Huntington. O prognóstico geralmente envolve um período de 10 a 20 anos após o início dos sintomas até o falecimento.
Aconselhamento genético
O aconselhamento genético é indicado, pois os irmãos dos pacientes afetados têm 50% de risco de desenvolver a doença.
Veja também!
- Resumo sobre Neuroacantocitose: definição, tipos e mais! – Parte 1
- Resumo sobre Distrofia Miotônica: definição, manifestações clínicas e mais!
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Referências
Jeffrey Ralph, MD. Neuroacanthocytosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Feriante J, Gupta V. Neuroacantocitose. [Atualizado em 10 de julho de 2023]. Em: StatPearls [Internet]. Ilha do Tesouro (FL): StatPearls Publishing; jan. de 2025. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560767/
TROIANO, André R.; TREVISOL-BITTENCOURT, Paulo C. Neuroacantocitose: relato de caso. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 57, n. 2B, p. 456-459, jun. 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0004-282X1999000300023. Acesso em: 12 maio 2025.