E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Adrenoleucodistrofia ligada ao X (ALD-X), uma doença genética rara que afeta principalmente meninos, caracterizada pelo acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa, levando à desmielinização do sistema nervoso central e insuficiência adrenal progressiva.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X
A adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X (ALD) é um distúrbio peroxissomal da beta-oxidação que leva ao acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFAs) em diversos tecidos do organismo.
Trata-se de uma condição genética causada por variantes patogênicas no gene ABCD1, localizado na região Xq28, que codifica um transportador da família das proteínas ABC, responsável pelo transporte dos VLCFAs para o interior dos peroxissomos.
A ALD afeta indivíduos do sexo masculino, geralmente assintomáticos ao nascimento, mas que ao longo da vida podem desenvolver insuficiência adrenal, leucodistrofia e mieloneuropatia.
As manifestações clínicas e a gravidade da doença são bastante variáveis, mesmo entre indivíduos da mesma família, e não há correlação direta entre o tipo de mutação no gene ABCD1 e o fenótipo apresentado.
Fisiopatologia da Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X
A fisiopatologia da adrenoleucodistrofia ligada ao X (ALD) envolve a disfunção no transporte de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFAs) para os peroxissomos, devido a variantes patogênicas no gene ABCD1. Essa deficiência impede a beta-oxidação dos VLCFAs, levando ao seu acúmulo em diversos tecidos, como sistema nervoso central, córtex adrenal e células de Leydig nos testículos.
Embora o acúmulo de VLCFAs esteja associado aos danos, sua concentração plasmática não prediz o fenótipo, e funções celulares específicas do ABCD1 podem contribuir para a patogênese de maneira independente.
No sistema nervoso central, a ALD com leucodistrofia se caracteriza por uma desmielinização inflamatória, simétrica e conflituante, que afeta preferencialmente as regiões occipitoparietais e o esplênio do corpo caloso.
A sequência patológica inclui vacuolização da mielina, infiltração linfocitária perivascular, perda de mielina e oligodendrócitos, e mineralização distrófica. A resposta inflamatória envolve linfócitos T citotóxicos CD8, microglia ativada e possível apresentação de antígenos lipídicos mediados por moléculas CD1.
Além disso, há evidências de estresse oxidativo, disfunção mitocondrial e aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica. Traumas cranianos podem agir como gatilhos inflamatórios em alguns casos.
Na adrenal, os VLCFAs podem interferir diretamente na ação do ACTH sobre as células adrenocorticais ou induzir uma resposta autoimune, resultando em insuficiência adrenal, que pode anteceder, acompanhar ou seguir os sintomas neurológicos.
Na mieloneuropatia, observam-se lesões tanto inflamatórias quanto degenerativas. Há comprometimento dos tratos espinais ascendentes e descendentes, especialmente no fascículo grácil e nos tratos corticoespinais laterais, com padrão de degeneração Walleriana. As inclusões lipídicas em células de Schwann e macrófagos endoneurais também são características.
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Epidemiologia da Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X
Embora rara, a adrenoleucodistrofia ligada ao X (ALD) é o distúrbio peroxissomal mais comum. Dados de triagem neonatal nos Estados Unidos indicam uma incidência de nascimento de aproximadamente 1 em 14.700 meninos. Relatórios baseados nos principais laboratórios que realizam os testes diagnósticos estimam uma frequência mínima de 1 em 21.000 entre os hemizigotos do sexo masculino e de 1 em 16.800 quando se incluem hemizigotos e heterozigotas. Esses números reforçam a importância da triagem neonatal e da vigilância clínica para detecção precoce da doença.
Manifestações clínicas Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X
As manifestações clínicas da adrenoleucodistrofia ligada ao X (ALD) são diversas e acometem principalmente os sistemas neurológico e endócrino. A apresentação e a gravidade variam conforme o sexo, a idade e a forma clínica da doença. A seguir, são destacadas as principais manifestações:
Leucodistrofia cerebral
- Ocorre predominantemente em meninos entre 3 e 10 anos, com pico aos 7 anos;
- Aproximadamente 40% dos meninos desenvolvem leucodistrofia antes dos 18 anos, e a prevalência ao longo da vida chega a 60%;
- Sinais iniciais incluem dificuldades escolares e alterações comportamentais, muitas vezes confundidas com TDAH;
- Com a progressão, surgem déficits cognitivos, perda visual, convulsões e quadriparesia;
- A ressonância magnética revela lesões desmielinizantes cerebrais bilaterais, com predomínio occipitoparietal;
- Em cerca de 10 a 15% dos casos, ocorre a forma “arrested” (estabilizada), sem progressão clínica ou radiológica, embora a vigilância deva continuar, pois pode haver conversão para a forma progressiva.
Mieloneuropatia
- Afeta quase todos os homens adultos com ALD, com início entre os 20 e 40 anos, e é também a principal manifestação em mulheres portadoras;
- Caracteriza-se por espasticidade, fraqueza progressiva nos membros inferiores, disfunção sensorial (ataxia, dor, formigamentos), alterações esfincterianas (bexiga neurogênica), disfunção sexual e polineuropatia;
- A progressão é lenta, mas contínua. Ressonância de medula pode mostrar atrofia cervical, sem alterações de sinal.
Insuficiência adrenal
- Está presente em cerca de 30 a 40% dos pacientes como manifestação inicial, podendo preceder ou acompanhar os sintomas neurológicos;
- Os sintomas incluem fadiga, vômitos, hipoglicemia, cefaleia matinal, hiperpigmentação da pele e sintomas gastrointestinais inespecíficos;
- Ao contrário da insuficiência adrenal autoimune, geralmente afeta apenas a função glicocorticoide, preservando a mineralocorticoide;
- A maioria dos pacientes com insuficiência adrenal isolada evolui com mieloneuropatia na idade adulta.
Manifestações em mulheres
- Mulheres com mutação no gene ABCD1 geralmente apresentam sintomas a partir da meia-idade, especialmente mielopatia e neuropatia;
- Até 80% das mulheres desenvolvem sinais neurológicos ao longo da vida, incluindo dificuldade de marcha e disfunção urinária ou intestinal;
- Leucodistrofia e insuficiência adrenal são raras nesse grupo.
Essas manifestações reforçam a necessidade de triagem precoce e monitoramento longitudinal dos pacientes com ALD, especialmente em meninos com insuficiência adrenal inexplicada e em familiares de casos diagnosticados.
Diagnóstico de Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X
O diagnóstico da adrenoleucodistrofia ligada ao X (ALD) envolve múltiplas etapas, incluindo avaliação clínica, exames laboratoriais, testes genéticos e de imagem. A triagem neonatal é uma importante ferramenta de detecção precoce e já está implementada em diversos países, como Estados Unidos, Holanda e Taiwan.
O teste é feito por espectrometria de massas para identificar o marcador C26:0-lysophosphatidylcholine (C26:0-LPC), o qual tem alta sensibilidade para ALD. Também é possível realizar diagnóstico pré-natal ou testes genéticos pré-implantacionais em famílias com histórico positivo.
Clinicamente, a suspeita de ALD deve ser levantada em casos de história familiar da doença, triagem neonatal positiva, ou diante de manifestações específicas. Entre elas estão: leucodistrofia com alterações características na ressonância magnética cerebral, mieloneuropatia em adultos com imagem cerebral normal, e insuficiência adrenal sem presença de autoanticorpos.
Nos homens sintomáticos, o primeiro passo no diagnóstico é a dosagem de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFAs), como C26:0 e as razões C26:0/C22:0 e C26:0/C24:0. O teste de C26:0-LPC é considerado superior por ter menor taxa de falso-positivos, sendo útil inclusive em recém-nascidos. Quando há elevação dos níveis de VLCFA, deve-se realizar o teste genético para confirmação da mutação no gene ABCD1.
Já em meninos assintomáticos identificados pela triagem neonatal, o teste genético pode ser realizado diretamente. Após a confirmação diagnóstica, todos os homens devem ser avaliados quanto à função adrenal e submetidos à ressonância magnética cerebral para detectar envolvimento neurológico.
Nas mulheres, o diagnóstico deve ser feito prioritariamente por análise genética, visto que cerca de 15% das portadoras têm níveis normais de VLCFA. Embora o teste de C26:0-LPC tenha maior sensibilidade nesse grupo, o exame genético permanece essencial, especialmente em mulheres sintomáticas com suspeita de mieloneuropatia ou com histórico familiar. A avaliação de imagem cerebral e da função adrenal não é recomendada rotineiramente em mulheres, exceto quando há sintomas clínicos sugestivos.
A avaliação laboratorial inclui, preferencialmente, a dosagem de C26:0-LPC, tanto em plasma quanto em sangue seco. Quando esse teste não está disponível, utiliza-se a dosagem tradicional de VLCFAs em plasma ou leucócitos. A análise combinada de plasma e leucócitos aumenta a sensibilidade diagnóstica, principalmente em mulheres. A confirmação definitiva do diagnóstico, no entanto, deve ser feita com teste genético para identificar variantes patogênicas no gene ABCD1.
A função adrenal deve ser avaliada por meio da dosagem de ACTH e teste de estímulo com ACTH para análise da resposta do cortisol. Mesmo que os exames iniciais estejam normais, os homens diagnosticados com ALD devem ser reavaliados a cada 6 a 12 meses. As mulheres, em geral, mantêm a função adrenal preservada.
Além disso, a eletromiografia e os estudos de condução nervosa são úteis para documentar a presença de polineuropatia em pacientes com mieloneuropatia. A ressonância magnética do encéfalo é indicada para todos os meninos assintomáticos com ALD confirmada, a partir dos dois anos de idade. Essa imagem permite detectar alterações de substância branca cerebral antes do surgimento dos sintomas clínicos, o que pode favorecer intervenções precoces.
Tratamento da Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X
O tratamento da adrenoleucodistrofia ligada ao X (ALD) depende da forma clínica apresentada e do estágio da doença.
Pacientes assintomáticos
- Conduta principal: acompanhamento regular com avaliação neurológica, exames de imagem (RM cerebral) e função adrenal;
- Objetivo: detectar precocemente o início da leucodistrofia cerebral ou insuficiência adrenal;
- Transplante precoce não é indicado, pois cerca de 50% dos meninos permanecem livres de lesões cerebrais ao longo da vida.
Leucodistrofia cerebral em fase inicial
- Definição: escore de Loes ≤9 e escore neurológico ≤1;
- Tratamento de escolha: transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas (TCTH), preferencialmente com doador compatível;
- Objetivo: interromper a progressão da desmielinização cerebral;
- Alternativa: terapia gênica com elivaldogene autotemcel (transplante autólogo com modificação genética), indicada na ausência de doador, mas associada a risco de neoplasias hematológicas.
Leucodistrofia cerebral em fase avançada
- Definição: escore de Loes >9 e/ou escore neurológico >1;
- Conduta: não realizar TCTH, pois os riscos superam os benefícios;
- Foco: cuidados paliativos e suporte multidisciplinar, incluindo reabilitação, controle de sintomas e suporte familiar.
Mieloneuropatia (forma espinhal/periférica)
- Tratamento: sintomático, com foco em qualidade de vida;
- Abordagens:
- Fisioterapia e reabilitação.
- Controle da espasticidade.
- Manejo de disfunções esfincterianas e sexuais.
- Importante: TCTH e terapia gênica não são eficazes nessa forma da doença.
Insuficiência adrenal
- Tratamento: reposição hormonal com glicocorticoides, e, se necessário, mineralocorticoides.
- Monitoramento: avaliação periódica da função adrenal em todos os pacientes com ALD, inclusive os assintomáticos.
Outras abordagens terapêuticas
- Óleo de Lorenzo, estatinas e dietas restritivas: não mostraram eficácia clínica comprovada;
- Leriglitazona: medicação experimental com potencial para estabilizar lesões cerebrais iniciais, ainda em investigação.
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Referências
Ronald JA Wanders, PhDMarc Engelen, MD, PhD. Clinical features, evaluation, and diagnosis of X-linked adrenoleukodystrophy. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Raymond GV, Moser AB, Fatemi A. X-Linked Adrenoleukodystrophy. 1999 Mar 26 [Updated 2023 Apr 6]. In: Adam MP, Feldman J, Mirzaa GM, et al., editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2025. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1315/
Marc Engelen, MD, PhD. Management and prognosis of X-linked adrenoleukodystrophy. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate