E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Apofisite Calcânea, condição inflamatória que acomete a apófise do calcâneo, especialmente comum em crianças e adolescentes fisicamente ativos.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Apofisite Calcânea
A apofisite calcânea, também conhecida como doença de Sever, é um processo inflamatório que acomete a apófise do calcâneo, região onde se localiza o centro de ossificação secundário desse osso em crianças e adolescentes com esqueleto ainda imaturo.
Trata-se de uma condição típica do período de crescimento, especialmente entre 8 e 15 anos, quando há intensa remodelação óssea e grande atividade física. Sua origem está relacionada à sobrecarga mecânica repetitiva exercida pelo tendão de Aquiles sobre a placa de crescimento do calcâneo, o que gera microtraumas decorrentes da tração contínua nessa área.
A doença de Sever é especialmente frequente entre crianças e adolescentes que participam de esportes com corrida e saltos, nos quais a força de impacto e a tração repetida sobre o tendão são intensificadas.
Entretanto, pode também ocorrer em indivíduos menos ativos, especialmente quando utilizam calçados inadequados, como sapatos muito planos que reduzem o amortecimento e aumentam o estresse sobre o calcâneo.
Além disso, períodos de rápido estirão de crescimento tornam a apófise calcânea mais vulnerável a esses estímulos mecânicos, já que a placa de crescimento permanece aberta e sensível a tensões excessivas.

Fisiopatologia da Apofisite Calcânea
A fisiopatologia da apofisite calcânea está diretamente relacionada às características do desenvolvimento do calcâneo e às forças mecânicas aplicadas sobre ele durante o período de crescimento. O calcâneo apresenta um centro de ossificação secundário posterior, responsável pela inserção do tendão de Aquiles.
Durante o estirão do início da adolescência, o crescimento ósseo ocorre mais rapidamente do que a capacidade de alongamento do complexo músculo-tendíneo, o que gera um encurtamento relativo desse conjunto. Como consequência, aumenta a tensão transmitida ao centro de ossificação ainda aberto ou parcialmente ossificado.
A apófise funciona como o ponto estrutural mais vulnerável na interface entre músculo, tendão e osso no indivíduo jovem, ao contrário do que ocorre no adulto, em que o tendão é a região de maior fragilidade.
Essa vulnerabilidade faz com que a apófise seja particularmente suscetível a lesões por sobreuso. A tração repetitiva e excessiva exercida pelo tendão de Aquiles produz microtraumas contínuos, irritação crônica e espessamento da apófise, estabelecendo o processo inflamatório característico da doença.
Além da tração, o impacto mecânico também desempenha papel importante. Estudos demonstram que a pressão plantar de pico em pacientes com apofisite calcânea durante a marcha pode atingir valores muito superiores aos observados em indivíduos saudáveis.
Essa carga excessiva tende a ser ainda maior em atividades como corrida e salto, intensificando o estresse sobre a apófise aberta. Dessa forma, a combinação entre tração repetitiva e impacto elevado explica o surgimento da dor e da inflamação que caracterizam a fisiopatologia da apofisite calcânea.
Manifestações clínicas da Apofisite Cancânea
As manifestações clínicas da apofisite calcânea caracterizam-se, de forma típica, por dor no calcanhar de crianças e adolescentes entre 8 e 15 anos que praticam atividades físicas, especialmente aquelas que envolvem corrida e salto.
O início do quadro costuma ser insidioso, sem um trauma específico, ocorrendo com frequência após um estirão de crescimento, o início de uma nova modalidade esportiva ou o aumento da intensidade de treinos.
A dor tende a piorar durante e após a prática esportiva e melhora com o repouso, sendo incomum pela manhã. Com a progressão, pode tornar-se mais intensa e limitar a participação nas atividades habituais.
No exame físico, não se observam sinais inflamatórios exuberantes, como eritema ou equimose. No entanto, há sensibilidade dolorosa e, por vezes, discreto edema no ponto de inserção do tendão de Aquiles no calcâneo.
A dor pode ser desencadeada pela dorsiflexão passiva do tornozelo e reproduzida pela compressão medial e lateral do calcâneo posterior, manobra conhecida como “squeeze test”. Também pode ser agravada ao ficar na ponta dos pés, o chamado sinal de Sever. Fatores predisponentes como encurtamento do tendão de Aquiles ou fraqueza em dorsiflexão podem estar presentes. Durante a marcha, é comum observar claudicação ou a adoção de um padrão de marcha na ponta dos pés para evitar a carga sobre o calcanhar doloroso.
Diagnóstico de Apofisite Calcânea
O diagnóstico da apofisite calcânea é essencialmente clínico e fundamenta-se na combinação de história característica e achados de exame físico. Em geral, o paciente apresenta dor crônica no calcanhar, de início insidioso, relacionada à atividade física e agravada por calçados com pouco amortecimento ou suporte adequado. O relato costuma envolver aumento recente do nível de atividade, uso de chuteiras ou calçados muito planos, além da piora progressiva da dor ao longo do tempo.
No exame físico, o achado mais relevante é a dor à palpação direta sobre a apófise do calcâneo ou durante o teste de compressão calcaneana, no qual o examinador comprime o calcanhar no plano transversal. Essa manobra, quando dolorosa, é altamente sugestiva da doença.
Outros fatores associados podem ser observados, como encurtamento do gastrocnêmio-sóleo, pronação do pé e alterações do arco plantar. Em alguns casos, a apofisite calcânea pode coexistir com tendinite de Aquiles ou fasciite plantar.
Exames de imagem não são necessários para confirmar o diagnóstico, mas podem ser indicados quando a apresentação é atípica, há incapacidade de suportar peso, o início é abrupto ou quando não há melhora após quatro a oito semanas de tratamento conservador.
Radiografias simples podem mostrar esclerose ou alargamento da placa de crescimento, embora essas alterações também possam ocorrer em crianças sem patologia, motivo pelo qual a comparação bilateral é útil. A ressonância magnética é recomendada em situações persistentes ou graves, permitindo excluir fraturas por estresse, infecções ou neoplasias.
Os exames laboratoriais geralmente são normais. Elevações de PCR, VHS ou leucocitose sugerem osteomielite e não fazem parte do quadro típico da apofisite calcânea. Dessa forma, o diagnóstico baseia-se predominantemente nos achados clínicos, sendo a investigação complementar reservada para excluir diagnósticos diferenciais em apresentações incomuns.
Tratamento da Apofisite Calcânea
O tratamento da apofisite calcânea é totalmente conservador e baseado no comportamento autolimitado da condição, que tende a desaparecer com o fechamento da placa de crescimento. O objetivo principal é aliviar a dor e reduzir o estresse mecânico sobre a inserção do tendão de Aquiles, não havendo indicação de tratamento cirúrgico.
Redução de atividades dolorosas
A primeira medida consiste em limitar atividades que aumentam a dor, especialmente corrida e salto. O retorno ao esporte deve ser gradual e guiado pela melhora dos sintomas, podendo ser necessário interromper temporariamente a prática esportiva.
Aplicação de gelo
A aplicação de gelo por cerca de 20 minutos diários ajuda a reduzir o processo inflamatório e pode ser associada a períodos de repouso para alívio mais efetivo.
Uso de órteses e dispositivos de suporte
Calcanheiras, talonetes, heel cups e elevações do calcanhar são amplamente utilizados, pois diminuem a tração do tendão de Aquiles e amortecem o impacto no calcanhar. Esses dispositivos são especialmente úteis em calçados com travas ou pouco amortecimento. Em casos com alterações biomecânicas, como hiperpronação, órteses personalizadas podem ser recomendadas.
Medicamentos anti-inflamatórios
Anti-inflamatórios não esteroidais podem ser utilizados na fase inicial para reduzir a dor. No entanto, não devem ser administrados antes da atividade física para evitar que a redução dos sintomas favoreça sobrecarga e prolongação do esforço.
Técnicas complementares
Recursos como kinesio taping podem oferecer alívio imediato, embora com evidências limitadas. Para atletas que treinam descalços, como ginastas e bailarinos, o uso de braces específicos também pode ser benéfico.
Alongamentos e exercícios de fortalecimento
O alongamento do gastrocnêmio-sóleo é fundamental para reduzir a tração sobre o calcâneo. Exercícios de fortalecimento da panturrilha e grupos musculares adjacentes auxiliam na melhora da biomecânica e na diminuição da sobrecarga no tendão de Aquiles. Quando o programa domiciliar é insuficiente, a fisioterapia deve ser introduzida com técnicas de alongamento, fortalecimento, ultrassom e eletroestimulação.
Fisioterapia e manejo dos casos persistentes
A fisioterapia é indicada quando a melhora não ocorre com medidas domiciliares. Em casos refratários após quatro a oito semanas, pode ser necessária imobilização temporária com bota ortopédica (CAM boot) ou gesso curto, principalmente se houver suspeita de estresse ósseo associado. Nesses casos, exames de imagem podem auxiliar na exclusão de diagnósticos diferenciais.
Evolução e prognóstico
A apofisite calcânea costuma resolver-se em semanas a meses e pode apresentar episódios recorrentes em fases de maior atividade física. Contudo, desaparece definitivamente com o fechamento da apófise, sem necessidade de intervenções invasivas.
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Referências
Smith JM, Varacallo MA. Sever Disease (Calcaneal Apophysitis) [Updated 2024 Jan 11]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441928/
Joseph Chorley, MDDaren Molina, MD. Heel pain in the active child or skeletally immature adolescent: Overview of causes. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate


