E aí, doc! Vamos falar sobre mais um assunto? Agora vamos comentar sobre a Colestase, uma condição de redução ou parada do fluxo biliar.
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Definição de Colestase
Colestase é definida como a redução ou interrupção do fluxo biliar para o duodeno, que pode ocorrer devido a obstruções na árvore biliar ou a alterações funcionais nos hepatócitos. Essa condição é classificada em colestase extra-hepática (CEH) e colestase intra-hepática (CIH).
A colestase extra-hepática resulta da obstrução dos ductos biliares principais, localizados fora do fígado ou ao nível do hilo hepático. Essa obstrução pode ser causada por fatores intrínsecos, como cálculos biliares, ou extrínsecos, como compressão por tumores.
Por outro lado, a colestase intra-hepática pode ser decorrente de defeitos funcionais dos hepatócitos, conhecida como CIH hepatocelular, ou de obstrução do fluxo de bile nos ramos da árvore biliar intra-hepática. Essa última pode envolver desde os ramos de maior calibre até os pequenos ductos biliares, representados pelos colangíolos, sendo chamada de CIH colangiocelular ou biliar.
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Fisiologia da bile
A bile é composta por sais biliares, bilirrubina, lipídios (como colesterol e fosfolipídios) e outros solutos, que trabalham juntos para formar micelas e emulsificar ácidos graxos, facilitando a digestão e absorção de gorduras. Além disso, a bile desempenha várias funções homeostáticas essenciais para o corpo.
A produção de bile e a secreção de substâncias endógenas e exógenas dependem do transporte hepatobiliar. Problemas nos mecanismos de transporte de sais biliares podem causar colestase ou ser uma consequência da colestase, levando à retenção de sais biliares nas células hepáticas.
A retenção de sais biliares hidrofóbicos pode danificar a membrana das células hepáticas, comprometer sua função, induzir a produção de citocinas que ativam fibroblastos e resultar em deposição de colágeno, fibrose progressiva e cirrose.
Fluxo biliar
O fluxo biliar é regulado por dois mecanismos: um dependente do transporte de sais biliares e outro independente desse transporte. O principal fator para o fluxo biliar é o transporte ativo (dependente de ATP) de sais biliares na membrana apical do hepatócito para o canalículo biliar.
O fluxo biliar independente de sais biliares ocorre devido à secreção de ânions orgânicos, glutationa e secreção ductular pelos colangiócitos. Os principais transportadores envolvidos nesse processo estão descritos em anexos específicos.
Defeitos na expressão ou função desses transportadores podem ser adquiridos, como na colestase induzida por drogas, ou geneticamente determinados. Os principais genes associados à colestase e as funções das proteínas que eles codificam também estão detalhados em anexos.
Etiologias da Colestase
Causas de CIH Hepatocelular
Causa | Descrição |
Esteato-hepatite alcoólica e não alcoólica | Inflamação do fígado devido ao acúmulo de gordura, seja por consumo de álcool ou por outras causas. |
Hepatite viral colestática | Inflamação do fígado causada por vírus que também provoca colestase. |
Doenças infiltrativas benignas | Inclui amiloidose, sarcoidose e doenças de depósito que infiltram o fígado. |
Colestase induzida por drogas | Colestase causada pelo uso de certos medicamentos. |
Colestases hereditárias (CH) | Colestase de origem genética. |
Colestase intra-hepática da gravidez (CIHG) | Colestase que ocorre durante a gravidez. |
Lesões malignas infiltrativas hematopoiéticas e metastáticas | Inclui infiltrações malignas no fígado, como leucemias e metástases. |
Síndromes paraneoplásicas | Doenças associadas a tumores como a doença de Hodgkin e carcinoma renal. |
Malformações da placa ductal | Defeitos congênitos na formação dos ductos biliares. |
Sepse | Infecção generalizada que pode afetar o fígado. |
Nutrição parenteral total | Alimentação intravenosa completa que pode levar a problemas hepáticos. |
Congestão passiva crônica do fígado | Acúmulo de sangue no fígado devido à insuficiência cardíaca. |
Causas de CIH Colangiocelular/Biliar
Causa | Descrição |
Colangite biliar primária (CBP) | Doença autoimune que destrói os ductos biliares intra-hepáticos. |
Colangite esclerosante primária (CEP) | Inflamação crônica que causa cicatrizes nos ductos biliares. |
Colangite esclerosante secundária | Inflamação dos ductos biliares devido a outras condições. |
Colangite associada à IgG4 | Doença inflamatória associada a níveis elevados de IgG4. |
Colangite por Cryptosporidium, CMV, HIV, HTLV | Infecções por esses patógenos que afetam os ductos biliares. |
Mucoviscidose | Doença genética que afeta as glândulas mucosas e pode causar colangite. |
Colangite induzida por drogas | Inflamação dos ductos biliares causada por medicamentos. |
Malformações da placa ductal: complexos de Von Meyenburg | Anomalias congênitas nos ductos biliares. |
Síndrome de Caroli e fibrose hepática congênita | Doenças genéticas que causam dilatação dos ductos biliares e fibrose hepática. |
Doença do enxerto versus hospedeiro | Complicação pós-transplante que pode afetar o fígado. |
Histiocitose de células de Langerhans | Doença rara que pode causar inflamação dos ductos biliares. |
Ductopenia idiopática | Redução inexplicada do número de ductos biliares. |
Causas de CEH
Intrínsecas
Causa | Descrição |
Cálculos de colédoco | Presença de pedras no ducto biliar comum. |
Litíase intra-hepática (LPAC) | Presença de pedras dentro do fígado. |
Estenoses | Estreitamento dos ductos biliares. |
Congênitas | Ex: atresia biliar extra-hepática. |
Pós-operatória | Ex: ligadura iatrogênica do colédoco. |
CEP | Colangite esclerosante primária. |
Colangite esclerosante secundária | Inflamação crônica dos ductos biliares. |
Colangite associada à IgG4 | Doença inflamatória relacionada à IgG4. |
Disfunção do esfíncter de Oddi | Problemas no esfíncter de Oddi que regulam o fluxo biliar e pancreático. |
Tumores benignos e malignos da árvore biliar extra-hepática | Neoplasias que afetam os ductos biliares fora do fígado. |
Cistos de colédoco | Cistos no ducto biliar comum, com ou sem alterações na junção biliopancreática. |
Parasitas | Ex: áscaris, cisto hidático, fascíola hepática. |
Infecções | Ex: Cryptosporidium, CMV, HIV. |
Colangite por Cryptosporidium, CMV, HIV, HTLV | Infecções por esses patógenos que afetam os ductos biliares. |
Mucoviscidose | Doença genética que afeta as glândulas mucosas e pode causar colangite. |
Colangite induzida por drogas | Inflamação dos ductos biliares causada por medicamentos. |
Malformações da placa ductal: complexos de Von Meyenburg | Anomalias congênitas nos ductos biliares. |
Síndrome de Caroli e fibrose hepática congênita | Doenças genéticas que causam dilatação dos ductos biliares e fibrose hepática. |
Doença do enxerto versus hospedeiro | Complicação pós-transplante que pode afetar o fígado. |
Histiocitose de células de Langerhans | Doença rara que pode causar inflamação dos ductos biliares. |
Ductopenia idiopática | Redução inexplicada do número de ductos biliares. |
Extrínsecas
Causa | Descrição |
Tumores benignos e malignos | Neoplasias de pâncreas, vesícula biliar, estômago e duodeno; tumores da ampola de Vater. |
Pancreatite aguda ou crônica | Inflamação do pâncreas que pode afetar os ductos biliares. |
Adenopatias metastáticas ou inflamatórias | Linfonodos aumentados devido a metástases ou inflamação. |
Linfoma | Câncer do sistema linfático que pode comprimir os ductos biliares. |
Sarcoidose | Doença inflamatória que pode afetar vários órgãos, incluindo os ductos biliares. |
Metástases | Ex: metástases de câncer de mama que comprimem os ductos biliares. |
Cavernoma de veia porta (biliopatia portal) | Anomalia vascular que pode comprimir os ductos biliares. |
Divertículos duodenais | Saliências na parede do duodeno que podem comprimir os ductos biliares. |
Úlcera péptica penetrante | Úlceras no estômago ou duodeno que podem afetar os ductos biliares. |
Quadro clínico de Colestase
Clinicamente, a colestase é caracterizada por três sinais principais: icterícia, colúria e hipocolia ou acolia fecal. No entanto, a icterícia nem sempre está presente.
O diagnóstico pode ser realizado com base na elevação das enzimas hepáticas canaliculares, como fosfatase alcalina (FA), que deve estar acima de 1,5 vezes o limite superior da normalidade (LSN), e gama-glutamil transferase (GGT), que deve estar acima de 3 vezes o LSN, além de um aumento nos níveis séricos de sais biliares.
A colestase é considerada crônica quando persiste por mais de seis meses.
Diagnóstico de Colestase
Diante de um quadro colestático, é crucial determinar se a causa é extra-hepática ou intra-hepática. Uma anamnese detalhada deve incluir a investigação de cirurgias anteriores, doenças extra-hepáticas associadas, histórico familiar de doenças colestáticas e uso de medicações nas seis semanas anteriores ao início dos sintomas.
O primeiro passo na investigação diagnóstica é a ultrassonografia abdominal, que ajuda a identificar ou excluir a dilatação das vias biliares intra e/ou extra-hepáticas. A colangiorressonância por ressonância magnética (CRM) é uma opção segura e sensível para avaliar a árvore biliar.
Alternativamente, a ecoendoscopia pode ser utilizada para avaliar obstruções distais das vias biliares. Nos casos em que há dúvidas ou necessidade de desobstrução da via biliar, a colangiografia retrógrada endoscópica (CRE) pode ser necessária.
Se os métodos de imagem não indicarem dilatação das vias biliares, sugerindo uma causa extra-hepática, deve-se investigar causas intra-hepáticas. Em pacientes adultos com colestase crônica, o próximo passo é testar para anticorpo antimitocôndria (AMA) e padrões específicos de anticorpo antinúcleo (ANA) para colangite biliar primária (CBP), que é a causa mais comum de colestase intra-hepática crônica em adultos.
Se esses testes forem negativos, deve-se realizar CRM para avaliar a possibilidade de colangite esclerosante primária (CEP). Se a CRM for normal, uma biópsia hepática deve ser realizada para investigar CBP AMA negativa, CEP de pequenos ductos, doenças infiltrativas benignas ou malignas, ou outras causas.
Caso a biópsia hepática não forneça um diagnóstico conclusivo, testes genéticos podem ser solicitados para investigar colestases hereditárias (CH).
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Referências
Raoul Poupon, MD. Clinical manifestations, diagnosis, and prognosis of primary biliary cholangitis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate
CARVALHO, E. M. O.; FERRAZ, M. L. C. G. Introdução e abordagem inicial da colestase. In: BITTENCOURT, P. L.; COUTO, C. A. Manual de Condutas de Doenças Colestáticas e Autoimune do Fígado. Setembro de 2019.