E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Cranioestenose, uma condição caracterizada pelo fechamento prematuro de uma ou mais suturas cranianas, podendo comprometer o desenvolvimento adequado do crânio e do cérebro.
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Vamos nessa!
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Definição de Cranioestenose
Cranioestenose é uma condição caracterizada pela fusão prematura de uma ou mais suturas cranianas durante o desenvolvimento intrauterino. As suturas do crânio desempenham um papel fundamental ao permitir a passagem da cabeça pelo canal de parto e, posteriormente, possibilitar a expansão do crânio em consonância com o crescimento do cérebro.
Quando uma ou mais dessas suturas se fecham precocemente, ocorre uma alteração na forma do crânio, que varia conforme a sutura acometida, podendo também comprometer o desenvolvimento neurológico.
A maioria dos casos é classificada como não sindrômica, envolvendo apenas uma sutura e sem associação com outras anomalias. Entretanto, a cranioestenose também pode estar inserida em contextos sindrômicos, como nas síndromes de Crouzon, Pfeiffer e Apert, que costumam envolver a fusão de múltiplas suturas e estão associadas a mutações genéticas específicas.
Epidemiologia da Cranioestenose
A cranioestenose apresenta prevalência de 1 a cada 2.000 a 2.500 nascidos vivos. Fatores de risco incluem tabagismo materno, exposição a teratógenos, restrição intrauterina, diabetes, uso excessivo de cafeína e doenças da tireoide. A presença de derivação ventrículo-peritoneal também é um fator importante, especialmente com acometimento da sutura sagital.
A forma não sindrômica corresponde a cerca de 75% dos casos, enquanto a sindrômica representa aproximadamente 25%. A classificação depende da sutura envolvida: a sagital é a mais comum (55% a 60%), seguida pela coronal unilateral (20% a 25%), metópica (15%) e lambdoide (3% a 5%). O diagnóstico geralmente ocorre no primeiro ano de vida.
Etiologia da Cranioestenose
A etiologia da cranioestenose envolve fatores genéticos e ambientais. Cerca de 20% dos casos têm origem genética, principalmente por herança autossômica dominante. A maioria decorre de mutações em um único gene, com destaque para os genes da via FGFR: FGFR-1 (síndrome de Pfeiffer), FGFR-2 (síndromes de Apert, Crouzon e Pfeiffer tipo 1) e FGFR-3 (síndrome de Muenke). Mutação em TWIST1 está associada à síndrome de Saethre-Chotzen. Além disso, genes como SMAD6, TCF12, ERF e MSX2 estão ligados a formas não sindrômicas da condição.
Fisiopatologia da Cranioestenose
A fisiopatologia da cranioestenose envolve múltiplos fatores que contribuem para a fusão prematura das suturas cranianas. Entre os fatores ambientais, destacam-se a idade parental avançada, o tabagismo materno (principalmente ≥15 cigarros/dia), a fertilização in vitro e o uso de medicamentos como ácido valproico, nitrofurantoína e sertralina.
Aspectos nutricionais também influenciam. Vitaminas B6, E e C reduzem o risco de sinostose, enquanto colina e vitamina B12 podem aumentar a chance de cranioestenose metópica. A disfunção tireoidiana materna é um fator de risco importante e modificável, principalmente para sinostose da sutura sagital.
Doenças metabólicas ósseas, como raquitismo, hipofosfatasia, osteopetrose e mucopolissacaridose, podem causar cranioestenose secundária, com envolvimento variado das suturas. Forças mecânicas, como crescimento cerebral anormal, restrição intrauterina (gestação múltipla, útero bicorno) e encefalopatia hipóxico-isquêmica, também favorecem a sinostose.
Geneticamente, cerca de 15% dos casos de cranioestenose de sutura simples (SSC) envolvem variantes causais em 29 genes, com herança autossômica dominante em aproximadamente 8% dos casos.
Existem variações de acordo com gênero e etnia: meninos são mais afetados pelas formas sagital e metópica, enquanto meninas apresentam maior incidência de sinostose coronal unilateral; a cranioestenose metópica é mais prevalente entre caucasianos.
Características clínicas da Cranioestenose
A anamnese detalhada e o exame físico minucioso são fundamentais para o diagnóstico da cranioestenose, já que cada tipo apresenta um formato específico de crânio. Na anamnese, é importante investigar histórico familiar de cranioestenose, exposição intrauterina a drogas teratogênicas, restrições uterinas, posição fetal anormal, complicações na gestação e atrasos no desenvolvimento.
O exame físico permite identificar a presença de cranioestenose e sinais que sugiram síndromes associadas. A avaliação do formato da cabeça é o principal método diagnóstico, pois cada tipo de cranioestenose apresenta uma configuração clássica. Segundo a lei de Virchow, o crânio cresce paralelamente à sutura fusionada, com restrição no crescimento perpendicular, o que explica os formatos característicos:
- Escafocefalia ou dolicocefalia (fusão precoce da sutura sagital): cabeça longa e estreita, com proeminência frontal e occipital. Pode haver uma crista palpável na sutura sagital e fontanela em formato triangular.
- Clinocefalia: forma tardia da fusão sagital, com concavidade retrocoronal no meio do crânio.
- Plagiocefalia anterior (fusão de uma sutura coronal): achatamento da testa no lado afetado, deformidade em “olho de Arlequim” com elevação da asa do esfenóide e do teto orbitário, além de desvio da raiz nasal e compensação com proeminência frontal e desvio do queixo para o lado não afetado. O olho e a sobrancelha do lado afetado ficam elevados, e a orelha deslocada para frente.
- Plagiocefalia posterior (fusão da sutura lambdoide): achatamento do osso parietal e occipital no lado afetado, proeminência do processo mastoide e orelha deslocada para trás e para baixo, podendo causar assimetria facial e associação com malformações de Chiari.
- Pachicefalia (fusão bilateral das suturas lambdoides): achatamento completo da parte posterior do crânio.
- Trigonocefalia (fusão da sutura metópica): testa estreita e pontiaguda, com formato triangular, frequentemente acompanhada de hipotelorismo, sobrancelhas arqueadas e hipoplasia orbital lateral.
- Braquicefalia (fusão bilateral das coronais): encurtamento ântero-posterior e alargamento transversal do crânio.
- Oxi ou turricefalia: ocorre com fusão de múltiplas suturas, resultando em aspecto alongado e elevado do crânio.
- Cranioestenose em trevo (Kleeblattschädel): fusão de múltiplas suturas, formando crânio trilobado com bossas frontais, proeminência temporal e achatamento posterior. Geralmente associada a deformidades faciais, displasia da base do crânio, aumento da pressão intracraniana, hidrocefalia e disfunções neurológicas.
Complicações comuns incluem hidrocefalia, especialmente nos casos sindrômicos ou com múltiplas suturas, como na síndrome de Crouzon, e malformações de Chiari tipo I, mais frequentes na sinostose lambdoide, mas também observadas na sinostose sagital.
As principais síndromes associadas à cranioestenose são:
- Síndrome de Apert: fusão bicoronal com turribraquicefalia, hipoplasia da face média, hipertelorismo, fendas palpebrais inclinadas para baixo, palato fendido e sindactilia de mãos e pés. Pode haver deficiência intelectual leve a moderada.
- Síndrome de Crouzon: afeta suturas coronais, sagitais ou lambdoides, com hipoplasia facial média, nariz em formato de bico, exoftalmia, hipertelorismo e fusão de vértebras cervicais. Pode apresentar fenda palatina, mas geralmente com inteligência preservada.
- Síndrome de Pfeiffer: turribraquicefalia no tipo I e crânio em trevo nos tipos II e III. Outras características incluem hipertelorismo, hipoplasia maxilar, polegares e hálux largos, sindactilia e braquidactilia.
- Síndrome de Muenke: acomete principalmente a sutura coronal (unilateral ou bilateral), associando-se a deficiência intelectual e perda auditiva.
- Deformidade em trevo: fusão das suturas coronais e lambdoides, com cabeça trilobada, nariz em bico, hipoplasia maxilar, proptose e orelhas deslocadas para baixo. Frequentemente associada à hidrocefalia, sendo mais comum na síndrome de Pfeiffer.
Diagnóstico de Cranioestenose
O diagnóstico das deformidades craniofaciais baseia-se principalmente no exame físico, complementado por exames de imagem. A tomografia computadorizada (TC) é o método mais preciso, permitindo identificar suturas envolvidas, avaliar deformidades e planejar cirurgias.
A reconstrução tridimensional da TC auxilia na classificação e no planejamento terapêutico. A ultrassonografia pode ser uma alternativa de menor custo, mas possui limitações, como dependência do operador e menor abrangência diagnóstica.
A cefalometria permite medições padronizadas do crânio, úteis para acompanhar o crescimento ao longo do tempo. Além disso, a investigação genética é indicada nos casos sindrômicos, com foco em mutações nos genes FGFR e TWIST, especialmente em casos de fusão das suturas coronais.
Tratamento da Cranioestenose
O tratamento da cranioestenose é predominantemente cirúrgico e tem como principais objetivos prevenir a hipertensão intracraniana e melhorar a aparência craniofacial, favorecendo a socialização da criança. A escolha do tipo de intervenção depende da sutura craniana envolvida, da gravidade do quadro e da idade do paciente.
Planejamento cirúrgico
A cirurgia é cuidadosamente planejada com o auxílio de tomografia computadorizada (TC) tridimensional, que permite simular osteotomias e movimentos ósseos, proporcionando precisão na reconstrução craniana.
Técnicas cirúrgicas
As duas principais abordagens cirúrgicas são:
- Técnica aberta: envolve uma incisão extensa no couro cabeludo para acesso ao crânio. É indicada para todos os tipos de cranioestenose, especialmente para casos que exigem avanço fronto-orbital, como nas sinostoses unicoronal e bicoronal. Geralmente, é realizada entre 9 a 12 meses de idade, quando os ossos estão mais resistentes, reduzindo o risco de regressão pós-operatória.
- Técnica endoscópica: envolve incisões menores e é preferencialmente realizada em bebês com até 3 meses de idade, aproveitando o rápido crescimento craniano nesse período. Consiste em uma craniectomia ampla da sutura acometida e posterior uso de órteses cranianas (capacete) para moldar o crânio durante a recuperação. É mais indicada para as cranioestenoses sagital e metópica.
Tratamento conforme o tipo de cranioestenose
- Escafocefalia (sinostose sagital): pode ser tratada por técnica endoscópica entre 2 a 3 meses de idade, com hospitalização breve e uso de capacete por 3 a 6 meses. A abordagem aberta é indicada entre 6 a 9 meses, com remodelação craniana mais extensa, geralmente necessitando de transfusão sanguínea.
- Plagiocefalia (sinostose coronal ou lambdoide unilateral): o tratamento cirúrgico depende da idade e da sutura envolvida. Na plagiocefalia anterior (unicoronal), a correção ocorre entre 9 a 12 meses, utilizando a técnica aberta. Na plagiocefalia posterior (lambdoide), se diagnosticada precocemente, pode ser tratada endoscopicamente aos 2-3 meses; casos diagnosticados mais tardiamente são tratados pela técnica aberta entre 6 a 9 meses.
- Trigonocefalia (sinostose metópica): pode ser corrigida por técnica aberta aos 9-12 meses, com reconstrução da testa e órbitas, ou por técnica endoscópica aos 2-3 meses, seguida de uso de capacete por 3 a 6 meses.
- Kleeblattschädel (deformidade em trevo): geralmente associada à fusão de múltiplas suturas e hidrocefalia. O manejo inclui derivação ventrículo-peritoneal antes da remodelação craniana definitiva, realizada de forma gradual para reduzir complicações.
Complicações cirúrgicas
Os riscos incluem sangramento, infecção, lesão de estruturas neurovasculares, necessidade de novas cirurgias, além de complicações anestésicas. A maioria dos pacientes submetidos à abordagem aberta necessita de transfusão sanguínea. As complicações mais graves podem incluir lesões neurológicas, como cegueira, convulsões e, raramente, óbito.
Cuidados pós-operatórios
Após cirurgia aberta, os pacientes geralmente permanecem um dia na unidade de terapia intensiva (UTI), com alta hospitalar em 3 a 4 dias. Pacientes submetidos à técnica endoscópica costumam ter alta no dia seguinte. O uso de capacetes moldadores é essencial nos casos tratados endoscopicamente, para direcionar o crescimento craniano adequado.
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Referências
Betances EM, Mendez MD, Karsonovich T, et al. Craniosynostosis. [Updated 2025 Jan 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK544366/
Edward P Buchanan, MD. Overview of craniosynostosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate