E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Cromomicose, uma infecção fúngica crônica da pele e do tecido subcutâneo, geralmente causada pela inoculação de fungos dermáceos após pequenos traumas.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Cromomicose
A cromomicose, ou cromoblastomicose, é uma infecção fúngica crônica de caráter granulomatoso que afeta a pele e o tecido subcutâneo. É causada por fungos demáceos, ou seja, fungos que possuem pigmentos escuros em sua parede celular, encontrados com frequência em solos de regiões tropicais e subtropicais.
A infecção geralmente ocorre após a inoculação traumática desses microrganismos na pele, especialmente em indivíduos que mantêm contato direto com o solo, como trabalhadores rurais.
Por seu desenvolvimento lento e caráter persistente, a cromomicose é considerada uma doença negligenciada em áreas endêmicas, podendo causar impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes afetados.
O agente fúngico permanece restrito aos tecidos cutâneos e subcutâneos, provocando uma resposta inflamatória crônica. A evolução tende a ser prolongada e, em muitos casos, o quadro torna-se de difícil manejo.
A cromomicose pode levar a complicações sérias, como fibrose extensa, infecções secundárias e deformidades locais, destacando a importância da prevenção e do reconhecimento precoce da doença.
Etiologia da Cromomicose
A cromomicose é causada por fungos demáceos, ou melanizados, que possuem pigmentos escuros na parede celular e vivem no solo, madeira e vegetação em regiões tropicais e subtropicais.
Os principais agentes etiológicos pertencem aos gêneros Fonsecaea e Cladophialophora, especialmente Fonsecaea pedrosoi e Cladophialophora carrionii. Outros fungos, como os dos gêneros Exophiala, Phialophora e Rhinocladiella, também podem causar a infecção.
Esses fungos saprofíticos penetram na pele por meio de ferimentos causados por materiais contaminados, como espinhos ou fragmentos de plantas. No tecido humano, assumem formas leveduriformes e reproduzem-se assexuadamente, originando uma infecção crônica de evolução lenta.
Epidemiologia da Cromomicose
A cromomicose ocorre principalmente em regiões tropicais e subtropicais, com clima úmido ou semiárido, sendo considerada uma doença tropical negligenciada. Afeta com maior frequência homens adultos, especialmente trabalhadores rurais, devido ao contato direto com o solo e materiais vegetais contaminados, embora também possa ocorrer em mulheres e crianças.
As lesões costumam surgir nos membros inferiores e evoluem lentamente ao longo de anos. A doença é mais prevalente na América do Sul, África e Ásia, com maior número de casos registrados em países como Costa Rica, República Dominicana, Venezuela, Guiana Francesa, Madagascar e Gabão. Por não ser de notificação obrigatória em muitos países, sua real incidência é subestimada, dificultando o conhecimento preciso sobre sua distribuição global.
Fisiopatologia da Cromomicose
A fisiopatologia da cromomicose tem início com a inoculação traumática de fungos demáceos na pele, geralmente após contato com solo ou material vegetal contaminado. Esses microrganismos penetram o tecido cutâneo e provocam uma reação inflamatória crônica de padrão granulomatoso e fibrótico.
Dias após a infecção, os fungos diferenciam-se em células muriformes (ou corpos escleróticos), estruturas arredondadas e septadas que permanecem dentro de células fagocíticas e contribuem para a persistência da infecção. Essas células são expelidas pela epiderme, formando os característicos pontos negros visíveis nas lesões.
Entre os principais fatores de virulência, destaca-se a melanina, que protege os fungos contra espécies reativas de oxigênio produzidas por macrófagos e neutrófilos, dificultando sua eliminação. Além disso, enzimas como fosfolipases e proteases favorecem a adesão, invasão e disseminação do fungo nos tecidos. A espessa parede das células muriformes também contribui para a evasão da resposta imune e para a formação de fibrose, característica da infecção crônica.
A resposta imune do hospedeiro envolve ativação de proteínas do complemento e citocinas inflamatórias, mas com eficácia limitada. Alterações em receptores do tipo toll (TLR) e mutações genéticas, como as do gene CARD9, podem comprometer a eliminação fúngica, facilitando a persistência da doença. Em conjunto, esses mecanismos explicam a evolução lenta, a resistência à resposta imune e a tendência à cronicidade que caracterizam a cromomicose.
Manifestações clínicas da Cromomicose
As manifestações clínicas da cromomicose surgem, em geral, após trauma cutâneo em ambientes externos, com exposição ao solo ou a materiais vegetais contaminados. As manifestações clínicas da cromomicose costumam surgir semanas ou meses após o contato do fungo com a pele lesionada, geralmente em áreas expostas e mais suscetíveis a traumas, como pernas e braços.
A infecção pode, ocasionalmente, afetar outras regiões, como ombros, tronco, nádegas, orelhas, pálpebras e nariz. O paciente, na maioria das vezes, não recorda o momento exato da inoculação.
A doença tem início com uma pequena mácula eritematosa no local do trauma, que evolui para uma pápula rosada e lisa. Com o tempo, podem surgir características verrucosas e hiperqueratóticas. Na ausência de diagnóstico e tratamento precoces, as lesões tendem a aumentar de tamanho, apresentar disseminação local e formar lesões satélites.
A cromomicose apresenta diferentes formas clínicas, que podem coexistir no mesmo paciente, especialmente nos casos avançados. As principais morfologias incluem:
- Nodular: lesões elevadas, de coloração rosada ou violácea, com superfície lisa, escamosa ou verrucosa.
- Verrucosa: lesões secas, espessas e com aspecto de verrugas, frequentemente localizadas nas bordas dos pés.
- Tumoral: massas exuberantes com aparência semelhante a couve-flor, recobertas por crostas e detritos epidérmicos.
- Cicatricial: placas planas que se expandem perifericamente, deixando áreas centrais atróficas, com formato anular ou serpiginoso.
- Em placa: lesões infiltradas, eritematosas a violáceas, levemente elevadas e escamosas, mais comuns em ombros, nádegas e porções proximais dos membros.
Fonte: UpToDate
Um sinal característico é a presença de pequenos pontos escuros na superfície das lesões, descritos como de aparência “pimenta-do-reino”, que correspondem a estruturas fúngicas pigmentadas e crostas hemáticas. Nos estágios iniciais, os sintomas são discretos, mas com a progressão da doença surgem prurido intenso e, em alguns casos, dor local.
A infecção tende a permanecer restrita à pele e ao tecido subcutâneo. Novas lesões geralmente resultam da disseminação contígua ou, menos frequentemente, da propagação linfática. O ato de coçar, devido ao prurido, também pode favorecer a disseminação cutânea do fungo.
Diagnóstico de Cromomicose
O diagnóstico da cromomicose deve ser considerado em pacientes com lesões verrucosas, nodulares ou em placas de evolução lenta, especialmente quando há histórico de residência ou viagem para regiões tropicais e subtropicais. Apesar de mais comum nessas áreas, casos também podem ocorrer em regiões não endêmicas.
O exame clínico pode revelar pontos negros sobre as lesões, correspondentes à eliminação transepidérmica dos corpos escleróticos, achado que pode ser visualizado à dermatoscopia, onde se assemelham a pequenas manchas escuras conhecidas como “grãos de pimenta”.
Para confirmação diagnóstica, é realizado o exame direto do material obtido por raspado da lesão, tratado com hidróxido de potássio (KOH), no qual se observam as típicas células arredondadas e pigmentadas, conhecidas como corpos de Medlar ou “moedas de cobre”. No entanto, o padrão-ouro para o diagnóstico é a biópsia de pele, que permite identificar a reação granulomatosa no tecido dérmico associada à presença dos corpos escleróticos.
A amostra deve ser enviada tanto para exame histopatológico quanto para cultura fúngica, o que possibilita a identificação do gênero e, em alguns casos, da espécie envolvida.
Quando há dificuldade em visualizar os fungos, pode-se empregar a coloração com calcofluor white, que se liga à parede celular fúngica e facilita a detecção sob luz ultravioleta. Embora testes sorológicos, como o ELISA, tenham sido avaliados em pesquisas, ainda não estão disponíveis comercialmente.
Tratamento da Cromomicose
O tratamento da cromomicose depende da gravidade, extensão das lesões, presença de complicações e resposta prévia a terapias. A doença é classificada como leve, moderada ou grave, considerando o tamanho, número e localização das lesões.
Para formas leves, com lesões pequenas (até 5 cm), o tratamento mais indicado é cirúrgico, geralmente por excisão com margem de tecido saudável. Técnicas como cirurgia de Mohs, enxertos de pele, crioterapia, fototerapia, lasers específicos e terapia térmica também podem ser utilizadas, isoladamente ou em combinação com antifúngicos.
Em casos moderados a graves, caracterizados por múltiplas lesões ou áreas extensas, a terapia antifúngica sistêmica é o tratamento de escolha. Os fármacos mais utilizados incluem:
- Itraconazol: azólico que inibe a 14-α demetilase fúngica; pode ser usado isoladamente ou em combinação com outros antifúngicos por 12 a 30 meses, dependendo da resposta clínica.
- Terbinafine: inibidor da esqualeno epoxidase, usado em monoterapia ou de forma combinada com azóis para efeito sinérgico.
- Amphotericina B, posaconazol e voriconazol: reservados para casos refratários ou quando outras terapias não são viáveis.
Além dos antifúngicos, outros adjuvantes terapêuticos têm sido estudados, incluindo: imiquimod, glucanas, retinoides sintéticos e inibidores de melanina, que podem melhorar a eficácia do tratamento e reduzir a defesa do fungo.
O manejo da cromomicose exige monitoramento prolongado, mesmo após a resolução clínica, para prevenir recidivas. Isso inclui acompanhamento dermatológico, biópsias periódicas e avaliação laboratorial, considerando possíveis efeitos adversos dos medicamentos, como hepatotoxicidade, e a presença de fibrose que pode dificultar a penetração dos antifúngicos.
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Referências
Flávio Queiroz-Telles, MD, PhD, FECMM. Chromoblastomycosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Majmundar VD, Nagalli S. Erythema Marginatum. [Updated 2023 Jul 3]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557835/