E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Refsum, uma doença metabólica hereditária rara causada pela deficiência na oxidação do ácido fitânico, um ácido graxo de cadeia longa.
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Vamos nessa!
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Definição de Doença de Refsum
A doença de Refsum é um distúrbio genético raro, de herança autossômica recessiva, classificado como uma doença de disfunção peroxissomal. Ela ocorre devido à deficiência da enzima fitanoil-CoA hidroxilase, essencial para o metabolismo do ácido fitânico.
A falha nessa via metabólica leva ao acúmulo de ácido fitânico no organismo, especialmente nos tecidos nervosos, resultando em alterações metabólicas específicas associadas à disfunção dos peroxissomos.
Essa condição é considerada uma das doenças peroxissomais relacionadas à deficiência de uma única enzima, distinguindo-se das desordens de biogênese peroxissomal, como aquelas pertencentes ao espectro de Zellweger.
Fisiopatologia da Doença de Refsum
A fisiopatologia da doença de Refsum está diretamente relacionada a um defeito isolado no metabolismo do ácido fitânico, um ácido graxo de cadeia ramificada de origem exclusivamente exógena, obtido por meio do consumo de produtos lácteos, carnes e gorduras de ruminantes. O ácido fitânico é derivado da degradação da clorofila, na qual está ligado ao fitol, um precursor que precisa ser clivado para permitir a digestão humana.
Devido à presença de um grupo metil na posição 3 da molécula, o ácido fitânico não pode ser degradado pela via comum da beta-oxidação. Em vez disso, ele é metabolizado nos peroxissomos por meio da alfa-oxidação, processo que remove um átomo de carbono e gera ácido pristânico e ácido fórmico. A enzima peroxissomal fitanoil-CoA hidroxilase é responsável pela etapa inicial dessa via.
Na doença de Refsum, mutações no gene que codifica essa enzima reduzem ou impedem sua atividade, bloqueando a alfa-oxidação e levando ao acúmulo sistêmico de ácido fitânico nos tecidos. Esse acúmulo é tóxico e interfere no funcionamento de múltiplos sistemas orgânicos, especialmente o nervoso, ocular, auditivo, cutâneo e cardíaco.
Embora o mecanismo exato dos danos celulares ainda não seja totalmente compreendido, sabe-se que a deposição do ácido fitânico nas membranas celulares e nas bainhas de mielina está associada à disfunção neuronal e a alterações metabólicas que explicam o amplo espectro de manifestações clínicas observadas na doença.
Manifestações clínicas da Doença de Refsum
As manifestações clínicas da doença de Refsum são numerosas e se desenvolvem de forma lenta e progressiva, o que torna importante considerar a sequência temporal dos sintomas para diferenciá-la de outras condições semelhantes. O início geralmente ocorre no final da infância ou na adolescência, embora possa variar em alguns casos.
Manifestações iniciais
As primeiras manifestações costumam ser oftalmológicas, olfatórias e esqueléticas:
- Oftalmológicas: a retinite pigmentosa é o achado mais característico e está presente em todos os pacientes. Ela provoca deterioração progressiva da visão noturna, seguida de estreitamento dos campos visuais, miose e formação de catarata.
- Olfatórias: a anosmia (perda do olfato) é um dos sintomas mais precoces e consistentes, geralmente associada à retinite pigmentosa.
- Esqueléticas: cerca de 30% dos pacientes apresentam malformações congênitas, principalmente encurtamento dos metatarsos e metacarpos.
Manifestações neurológicas
Ao longo de 10 a 15 anos após o início dos sintomas, podem surgir alterações neurológicas mais amplas:
- Polineuropatia sensório-motora simétrica, com fraqueza e dormência predominantes em regiões distais e diminuição progressiva dos reflexos tendinosos.
- Perda auditiva neurossensorial bilateral, decorrente do comprometimento do nervo coclear.
- Ataxia cerebelar, que tende a se manifestar nas fases mais tardias da doença.
Manifestações cutâneas e cardíacas
Outros sistemas também podem ser afetados:
- Cutâneas: presença de ictiose, caracterizada por ressecamento e descamação da pele.
- Cardíacas: ocorrência de arritmias e cardiomiopatia, que podem se agravar em situações de estresse ou infecção devido à liberação hepática de ácido fitânico. Há relatos de casos de arritmias fatais associadas a esses episódios.
Considerações terminológicas
O termo neuropatia motora e sensorial hereditária tipo 4 (HMSN4) foi originalmente utilizado para descrever a polineuropatia periférica associada à doença de Refsum. Atualmente, entretanto, essa denominação é mais comumente associada à doença de Charcot-Marie-Tooth tipo 4 (CMT4), grupo que inclui as neuropatias sensório-motoras autossômicas recessivas, entre elas a da própria doença de Refsum.
Diagnóstico de Doença de Refsum
A investigação começa com o exame físico detalhado e a análise dos sintomas característicos da doença. Como a progressão é lenta e afeta diversos órgãos, o diagnóstico requer a colaboração entre especialistas, principalmente das áreas de oftalmologia, neurologia, genética, cardiologia e otorrinolaringologia.
Oftalmologia
O exame oftalmológico é essencial, pois a retinite pigmentosa está presente em todos os casos. A fundoscopia pode revelar pigmentação em espículas ósseas, redução dos calibres vasculares da retina e palidez do nervo óptico.
A nictalopia (cegueira noturna) é um dos primeiros sinais. Testes complementares, como campimetria visual, tomografia de coerência óptica (OCT) e eletrorretinografia, ajudam na detecção precoce e no acompanhamento da degeneração retiniana, sendo esta última capaz de identificar alterações antes do surgimento dos sintomas.
Olfato
A anosmia pode ser confirmada por testes de identificação de odores, como o teste da Universidade da Pensilvânia, que avalia de forma objetiva a função olfatória.
Neurologia
A avaliação neurológica envolve o exame da força muscular, sensibilidade e reflexos tendinosos, com o objetivo de identificar sinais de polineuropatia periférica.
Quando necessário, são indicados estudos de condução nervosa e eletromiografia, que auxiliam na caracterização do tipo e da gravidade do comprometimento neurológico. A coordenação motora deve ser observada, embora a função cognitiva se mantenha normal.
Audiologia
Pacientes com queixa de perda auditiva devem ser submetidos à avaliação audiométrica completa, incluindo audiometria tonal, timpanometria e potenciais evocados auditivos, o que permite identificar a perda auditiva neurossensorial bilateral típica da doença.
Sistema musculoesquelético
O exame físico pode revelar alterações ósseas congênitas, principalmente encurtamento dos metacarpos e metatarsos, que devem ser confirmadas por radiografias das mãos e dos pés.
Cardiologia
A investigação cardíaca é fundamental devido ao risco de arritmias e cardiomiopatia. Devem ser realizados eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma para avaliar a função cardíaca e prevenir complicações potencialmente fatais.
Confirmação bioquímica e genética
O achado laboratorial característico da doença de Refsum é a elevação do nível plasmático de ácido fitânico, geralmente acima de 200 µmol/L (valores acima de 30 µmol/L já são considerados anormais).
Essa dosagem é decisiva para o diagnóstico e pode ser complementada por um teste enzimático, realizado a partir de biópsia de pele, para confirmar a deficiência na metabolização do ácido fitânico.
Além disso, a análise genética é importante para confirmar mutações nos genes PHYH e PEX7, que codificam proteínas envolvidas na alfa-oxidação peroxissomal.
O teste pode ser realizado como parte de um painel genético ampliado, e o aconselhamento genético é recomendado para familiares e portadores identificados.
Tratamento da doença de Refsum
O tratamento da doença de Refsum tem como principal objetivo reduzir os níveis de ácido fitânico no organismo, sendo baseado principalmente em intervenções dietéticas e, em casos selecionados, em plasmaférese. Essas medidas visam controlar a progressão da doença e aliviar as manifestações clínicas.
Controle dietético
A restrição alimentar é o pilar do tratamento. O paciente deve evitar alimentos ricos em ácido fitânico, como carnes e gorduras de ruminantes (carne de boi, cordeiro e alguns tipos de peixe), produtos lácteos (manteiga, queijos, leite) e alimentos industrializados que contenham gordura animal, como certos produtos de panificação. O objetivo terapêutico é reduzir a ingestão diária de ácido fitânico para menos de 10 mg por dia.
É fundamental também evitar jejum prolongado e perda rápida de peso, pois esses estados promovem a lipólise, liberando ácido fitânico armazenado no fígado e no tecido adiposo, o que pode elevar abruptamente suas concentrações plasmáticas.
Pacientes que seguem corretamente a dieta e mantêm controle adequado dos níveis de ácido fitânico podem apresentar melhora significativa de sintomas neurológicos e cutâneos, como neuropatia, ataxia e ictiose. No entanto, alterações já estabelecidas como retinite pigmentosa, anosmia e perda auditiva neurossensorial tendem a ser irreversíveis.
Plasmaférese
A plasmaférese ou aférese lipídica pode ser utilizada como medida terapêutica para reduzir rapidamente os níveis de ácido fitânico circulante, especialmente em situações agudas, quando as concentrações plasmáticas ultrapassam 1500 µmol/L.
Esse procedimento é indicado em casos de descompensação clínica ou agravamento súbito dos sintomas.
Entretanto, não há evidências de que a plasmaférese utilizada de forma rotineira ou de manutenção traga benefícios adicionais quando o controle dietético é eficaz.
Dessa forma, o tratamento contínuo baseia-se predominantemente na adesão à dieta restritiva e no monitoramento periódico dos níveis plasmáticos de ácido fitânico.
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Referências
Kumar R, Hodis B, De Jesus O. Refsum Disease. [Updated 2024 Apr 20]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www-ncbi-nlm-nih-gov.translate.goog/books/NBK560618/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc



