Resumo sobre Febre Q: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Febre Q: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos mergulhar em mais um tema relevante? Hoje o assunto é a Febre Q, uma zoonose causada pela Coxiella burnetii, que pode se manifestar de forma aguda com febre, cefaleia e pneumonia, ou evoluir para quadros crônicos, como endocardite.

O Estratégia MED está aqui para facilitar sua compreensão sobre essa doença infecciosa pouco comum, mas importante, reforçando uma atuação médica cada vez mais precisa e segura.

Vamos nessa?

Definição de Febre Q

A Febre Q é uma doença zoonótica causada pela bactéria Coxiella burnetii, que infecta humanos e diversos animais, sendo especialmente relevante em ruminantes domésticos como ovinos e caprinos. 

Nesses animais, pode causar abortos, natimortos e surtos reprodutivos que afetam grande parte do rebanho, embora muitos casos sejam assintomáticos e difíceis de identificar. A soropositividade nem sempre indica excreção da bactéria, dificultando o controle.

Em humanos, a infecção pode ser assintomática, causar sintomas gripais leves ou evoluir para pneumonia e problemas reprodutivos. Pessoas com doenças cardíacas ou vasculares têm risco de desenvolver formas graves e crônicas

A transmissão ocorre principalmente por inalação de aerossóis contaminados durante o parto de ruminantes infectados, e os microrganismos podem ser dispersos pelo vento, provocando surtos em populações sem contato direto com animais. 

Um surto importante ocorreu na Holanda (2007–2010), com mais de 4.000 casos e medidas drásticas de controle, incluindo abate sanitário de ruminantes. Ainda há aspectos da doença que permanecem pouco compreendidos.

Transmissão da Febre Q

A febre Q é transmitida principalmente por inalação de aerossóis contaminados com produtos de origem animal, como restos placentários, lã e fezes de animais infectados, sendo gado, cabras e ovelhas os principais reservatórios. 

A ingestão de leite cru e seus derivados também representa risco de infecção. Outras formas menos comuns de transmissão incluem contato direto com animais, transfusão de sangue, transplantes, transmissão vertical, sexual e possivelmente nosocomial.

Apesar de rara, a transmissão por via digestiva não é desprezível. Casos isolados apontam para outras rotas, como a exposição em ambientes hospitalares e obstétricos. Há uma vacina eficaz contra a febre Q, a Q-Vax, usada na Austrália desde 1989, recomendada especialmente para profissionais com exposição ocupacional, como veterinários. A vacinação de rebanhos também é eficaz para reduzir a propagação da doença e a contaminação ambiental.

Manifestações clínicas da Febre Q

As manifestações clínicas da febre Q são bastante variáveis e podem se apresentar de forma assintomática, aguda ou crônica. A infecção assintomática é comum, ocorrendo em 50% a 60% dos casos, mas quando os sintomas se manifestam, podem abranger desde um quadro gripal leve até formas mais graves como pneumonia severa ou endocardite.

Doença aguda

Na forma aguda, os sintomas mais frequentes incluem febre, sudorese, tosse (às vezes produtiva), mialgia e artralgia. Pneumonia e hepatite são achados comuns, sendo a pneumonia geralmente leve, embora possa evoluir para síndrome do desconforto respiratório agudo. 

Hepatite leve, com aumento discreto das transaminases, e hepatomegalia ou esplenomegalia também são possíveis. Casos raros de colecistite acalculosa foram descritos. O conjunto de febre, hepatite e pneumonia atípica deve levantar suspeita clínica de febre Q.

Doença crônica

A forma crônica afeta principalmente pessoas com fatores de risco como gravidez, imunossupressão, lesões valvulares cardíacas ou anormalidades vasculares. A principal manifestação é a endocardite, que representa 60% a 70% dos casos crônicos e cerca de 3% a 5% de todos os casos de endocardite. 

A apresentação clínica é atípica, muitas vezes com culturas sanguíneas negativas, ausência de febre em até 18% dos pacientes e vegetações pequenas e subendoteliais. A valvulopatia é um fator de risco significativo, mesmo alterações menores aumentam o risco de progressão da doença.

Além da endocardite, infecções vasculares (como aneurismas e próteses vasculares infectadas) são a segunda forma crônica mais comum, com alta mortalidade (25%). Outras formas menos frequentes incluem osteomielite, hepatite granulomatosa, infecções pulmonares crônicas e, em alguns casos, síndrome da fadiga crônica pós-febre Q, especialmente descrita na Europa e Austrália.

Influência de fatores do hospedeiro

Fatores como idade, sexo e condições médicas influenciam a apresentação da doença. Indivíduos com mais de 15 anos e do sexo masculino são mais propensos a apresentar sintomas. Homens representaram 77% dos casos nos EUA. 

Em gestantes, a febre Q pode levar a complicações como aborto espontâneo, parto prematuro e baixo peso ao nascer. Pacientes imunossuprimidos estão mais suscetíveis às formas graves ou crônicas.

Diagnóstico de Febre Q

O diagnóstico da febre Q é realizado principalmente por exames sorológicos, com destaque para a imunofluorescência indireta, considerada o método mais utilizado por sua alta sensibilidade e especificidade. Embora técnicas como a reação em cadeia da polimerase (PCR) sejam promissoras por detectarem precocemente o Coxiella burnetii, seu uso ainda é restrito a laboratórios especializados e estudos de pesquisa.

O exame histopatológico pode mostrar granulomas em anel (“doughnut granulomas”), achado clássico mas não específico da doença. A visualização direta ou cultivo do microrganismo é dificultada pelo risco biológico, pois o C. burnetii é altamente infeccioso e exige contenção de nível 3 de biossegurança. Por isso, a maioria dos laboratórios clínicos não realiza o cultivo da bactéria.

A detecção de anticorpos das fases I e II da bactéria é o teste sorológico padrão. Os anticorpos da fase II são indicativos de infecção aguda, enquanto os da fase I, em títulos elevados, sugerem infecção crônica. Títulos de IgG ≥200 e IgM ≥50 contra a fase II indicam infecção recente, enquanto um título de IgG ≥800 contra a fase I aponta para doença crônica, como a endocardite por febre Q. Esses valores podem variar entre os laboratórios.

Os anticorpos da fase II geralmente aparecem até a segunda semana da infecção e, em 90% dos casos, estão presentes até a terceira semana. A ausência de anticorpos após quatro semanas sugere outra etiologia. Já os títulos de IgG podem permanecer elevados por tempo prolongado, sendo indicativo de evolução para cronicidade caso a elevação persista.

Para o diagnóstico de endocardite por febre Q, além de critérios clínicos, é necessária a confirmação sorológica ou por PCR. Um título de IgG da fase I ≥800 é considerado um dos critérios maiores modificados de Duke. A PCR pode ser útil na fase inicial, especialmente quando os títulos de anticorpos ainda estão baixos.

O seguimento sorológico após o diagnóstico de febre Q aguda deve ser feito conforme protocolos clínicos, embora a maioria dos dados disponíveis seja baseada em estudos com populações específicas, principalmente mais idosas. Acompanhamentos alternativos devem ser realizados com orientação de um infectologista.

Tratamento da Febre Q

Na forma aguda, a infecção por Coxiella burnetii pode se manifestar de forma assintomática em até 60% dos casos, mas o tratamento é recomendado mesmo quando reconhecida tardiamente. O tratamento de escolha é a doxiciclina (100 mg, via oral, a cada 12 horas por 14 dias). A eficácia é maior quando iniciado até o terceiro dia de sintomas, mas ainda pode ser benéfico até uma semana após o início do quadro. Outras opções como macrolídeos (ex.: claritromicina, roxitromicina) e fluoroquinolonas mostraram eficácia in vitro, mas os dados clínicos são limitados. Em casos de contraindicação à doxiciclina (como gravidez ou idade inferior a 8 anos), recomenda-se cotrimoxazol.

Na forma crônica, o quadro mais comum é a endocardite. O tratamento exige uma abordagem prolongada e combina doxiciclina (100 mg duas vezes ao dia) com hidroxicloroquina (200 mg três vezes ao dia), por pelo menos 18 meses. Essa combinação demonstrou maior eficácia e menor taxa de recaídas em comparação com outras alternativas. Para pacientes que não toleram hidroxicloroquina, recomenda-se doxiciclina associada a fluoroquinolona por 3 a 4 anos. A associação com rifampicina é possível, mas limitada por interações medicamentosas.

Acompanhamento sorológico é necessário, com dosagens trimestrais de anticorpos IgA e IgG até titulação inferior a 1:200. Após o fim da terapia, deve-se continuar monitorando a sorologia para detectar recaídas. Pacientes em uso prolongado de hidroxicloroquina devem realizar avaliações oftalmológicas anuais.

Casos especiais incluem:

  • Gestantes: devido à contraindicação de várias drogas, o tratamento indicado é o cotrimoxazol (320 mg de trimetoprim e 1600 mg de sulfametoxazol por dia, por pelo menos 5 semanas). Apesar de não ser curativo em todos os casos, reduz complicações obstétricas. A infecção materna pode ser tratada definitivamente após o parto.
  • Pacientes com valvulopatias: têm alto risco de evolução para endocardite e devem realizar ecocardiograma na fase aguda. Se houver valvulopatia, recomenda-se tratamento por 12 meses com doxiciclina e hidroxicloroquina, mesmo sem sinais de doença crônica.
  • Complicações endovasculares e osteoarticulares: requerem abordagem cirúrgica aliada a antibioticoterapia prolongada com as mesmas drogas utilizadas na endocardite.

De olho na prova!

Não pense que esse assunto fica de fora das provas de residência, concursos públicos ou das avaliações da graduação. Veja um exemplo abaixo:

RJ – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO (Hospital Universitário Gaffrée e Guinle – HUGG) – 2021 – Residência (Acesso Direto)

A febre Q é causada por qual agente etiológico?

A) Borrelia burgdorferi.

B) Rickettsia ricketsii.

C) Rhizopus arrhizus.

D) Coxiella burnetti.

E) Torulaspora delbrbrueckii.

Comentário da questão:

A) A alternativa A está incorreta, pois a Borrelia burgdorferi causa a doença de Lyme, também transmitida por carrapatos.

B) A alternativa B está incorreta, pois a Rickettsia ricketsii é o agente causador da febre maculosa.

C) A alternativa C está incorreta, pois o Rhizopus arrhizus, um fungo, pode causar a mucormicose.

D) A alternativa D está correta, pois a febre Q é uma doença altamente contagiosa causada pela Coxiella burnetii.

E) A alternativa E está incorreta, pois a Torulaspora delbrueckii é uma levedura usada na produção de vinhos.

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Referências 

MEURER, Igor Rosa; SILVA, Marcio Roberto; VANELLI, Chislene Pereira; CORRÊA, José Otávio do Amaral. Febre Q: uma zoonose de distribuição mundial. In: MEURER, Igor Rosa et al. (Org.). Tópicos em ciências da saúde: contribuições, desafios e possibilidades. Volume I. Capítulo XXXII. [S.l.]: Amplla, 2024. DOI: 10.51859/amplla.tcs2421-32.

DAMASCENO, Iangla Araujo de Melo; GUERRA, Ricardo Consigliero. Coxiella burnetii e a febre Q no Brasil: uma questão de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 12, p. 4261-4270, 2018. DOI: 10.1590/1413-812320182312.27772016.

SPICKLER, Anna Rovid. Febre Q. Traduzido e adaptado à situação do Brasil por MENDES, Ricardo Evandro; GRIS, Aline. Ames (IA): Center for Food Security and Public Health, Iowa State University, 2019. Disponível em: https://www.cfsph.iastate.edu/diseaseinfo/factsheets-pt/. Acesso em: 09 maio 2025

SANTOS, Ana Sofia; BACELLAR, Fátima; FRANÇA, Ana. Febre Q: revisão de conceitos / Q fever: a revision of concepts. Revista Portuguesa de Clínica Geral, Lisboa, v. 14, n. 2, p. 90–99, abr./jun. 2007.

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