E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Hidradenite Supurativa, doença inflamatória crônica da pele que se manifesta com nódulos dolorosos, abscessos recorrentes e formação de fístulas, principalmente em áreas intertriginosas.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Hidradenite Supurativa
A hidradenite supurativa, também conhecida como acne inversa ou doença de Verneuil, é uma condição inflamatória crônica da pele caracterizada por obstrução folicular. Manifesta-se por nódulos profundos, abscessos, túneis drenantes (fístulas ou trajetos sinusais) e cicatrizes fibróticas, acometendo principalmente regiões intertriginosas como axilas, virilha, região perianal, perineal e inframamária.
Além do impacto físico, cursa com dor, secreção, odor desagradável e desfiguração, o que pode gerar repercussões psicossociais significativas. O diagnóstico é clínico, muitas vezes tardio, e o tratamento depende da gravidade, incluindo antibióticos tópicos e sistêmicos, terapias hormonais, imunomoduladores e intervenções cirúrgicas.
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Fisiopatologia da Hidradenite Supurativa
A fisiopatologia da hidradenite supurativa (HS) é multifatorial e ainda não completamente elucidada, mas evidências atuais indicam que o processo tem origem folicular, e não nas glândulas apócrinas, como se acreditava anteriormente.
O evento inicial parece ser a oclusão folicular, desencadeada pela proliferação de queratinócitos no ducto folicular (hiperplasia epitelial), que leva à hiperqueratose e ao tamponamento do folículo. Fatores como hormônios e tabagismo podem contribuir para esse processo. A anóxia local, decorrente da hiperplasia ductal, também pode prejudicar a diferenciação terminal dos queratinócitos, favorecendo a obstrução.
Com a falha da diferenciação celular, o ducto folicular se expande e, associado ao estresse mecânico em áreas intertriginosas (pressão, fricção, cisalhamento), ocorre a liberação de antígenos que ativam o sistema imune inato e adaptativo.
Nessa fase, instala-se a perifoliculite, marcada pela produção de citocinas e mediadores inflamatórios pelos queratinócitos. Se o reparo não acontece de forma adequada, ocorre a ruptura folicular, com extravasamento de queratina, sebo, fragmentos de pelo e bactérias, intensificando a inflamação. A resposta aguda evolui para um processo crônico, caracterizado por inflamação granulomatosa do tipo corpo estranho.
A ruptura folicular também pode induzir a formação de túneis cutâneos. Isso acontece pela liberação de células-tronco da região do “bulge” do folículo piloso, que proliferam e formam cordões epiteliais. Esses túneis se abrem na superfície cutânea e tornam-se cronicamente inflamados.
Além da obstrução folicular e da inflamação local, há indícios de disfunção imunológica sistêmica. A HS compartilha semelhanças histológicas e epidemiológicas com a doença de Crohn, sugerindo desregulação do sistema imune inato e adaptativo. Moléculas como IL-17, IL-1β, IL-18, além dos componentes do complemento C3a e C5a, parecem participar da cascata inflamatória.
Os queratinócitos também produzem peptídeos antimicrobianos (β-defensina 2, psoriasina e calgranulina), enquanto células B e plasmócitos podem contribuir com maior produção de imunoglobulinas e ativação do complemento. Ainda, a formação de trampas extracelulares de neutrófilos (NETs) reforça o papel da neutrofilia na fisiopatologia da doença.
Diversos fatores associados modulam esse processo:
- Genética: cerca de 40% dos pacientes possuem histórico familiar, com herança semelhante ao padrão autossômico dominante em alguns casos. Mutações em genes da γ-secretase (PSEN1, PSENEN, NCSTN), que afetam a sinalização Notch e a diferenciação queratinocitária, já foram descritas, ainda que em pequena parcela dos pacientes.
- Estresse mecânico: fricção em áreas de dobra cutânea (axilas, virilha, linhas de cintura, alças de sutiã) aumenta risco de oclusão e ruptura folicular.
- Obesidade: relacionada a maior gravidade, possivelmente por alterações hormonais, inflamação sistêmica, aumento da superfície intertriginosa e maior retenção de suor.
- Tabagismo: fortemente associado, podendo estimular queratinócitos, neutrófilos, células Th17 e a produção de TNF-α.
- Hormônios: explicam a raridade em pré-púberes, piora em período perimenstrual e melhora em alguns casos durante a gestação.
- Bactérias: embora lesões iniciais sejam geralmente estéreis, lesões crônicas podem conter diferentes espécies bacterianas. Biofilmes têm sido sugeridos como perpetuadores da inflamação.
- Fármacos: anticoncepcionais com progestagênios androgênicos, medroxiprogesterona, dispositivos com levonorgestrel e lítio podem precipitar ou agravar a doença; paradoxalmente, casos de HS induzida por anti-TNF-α já foram relatados.
Manifestações clínicas da Hidradenite Supurativa
A doença costuma afetar axilas, região inguinal, coxas internas, áreas perianais e perineais, regiões mamárias e inframamárias, nádegas, púbis, genitália externa, tronco e, em casos menos frequentes, couro cabeludo e região retroauricular.
A distribuição pode diferir conforme o sexo: em mulheres, as lesões predominam em virilha, coxas internas, axilas, mamas e nádegas; em homens, ocorrem com mais frequência em virilha, períneo, região perianal, axilas e nádegas. Além disso, áreas de atrito mecânico, como linhas de cintura e do sutiã, também são comumente comprometidas.
Lesões primárias
- Nódulos inflamatórios:
- Dolorosos, profundos, de 0,5 a 2 cm.
- Surgem de forma insidiosa, podendo durar dias a meses.
- Recorrem frequentemente na mesma região.
- Muitas vezes confundidos com furúnculos, mas diferem por serem mais profundos, arredondados e sem ponta.
- Abscessos:
- Podem drenar espontaneamente ou após manipulação;
- Liberam secreção purulenta ou serossanguinolenta;
- Dor tende a melhorar após a drenagem.
Lesões secundárias e crônicas
- Túneis cutâneos (fístulas):
- Resultam de nódulos recorrentes intercomunicantes;
- Podem persistir por meses ou anos;
- Associam-se à drenagem intermitente de secreções purulentas, sanguinolentas e malcheirosas.
- Comedões:
- Abertos, muitas vezes múltiplos (“cabeçote de tumba”), indicam destruição folicular;
- Fechados (cistos pequenos) podem ocorrer em casos mais avançados.
- Cicatrizes:
- Variam de atróficas e acneiformes a bandas fibrosas espessas e queloides;
- Em axilas e virilhas, podem causar limitação de mobilidade e linfedema (vulvar, peniano ou escrotal).
Além das alterações cutâneas, a HS impacta fortemente a qualidade de vida. Dor crônica, secreção malcheirosa, necessidade de curativos e estigmas sociais contribuem para isolamento, depressão, dificuldades nas relações pessoais e prejuízo laboral. Fadiga é um sintoma comum, podendo anteceder as crises junto a prurido ou parestesias locais. O risco de ideação suicida também é maior nesses pacientes.
Estágios clínicos da Hidradenite Supurativa (Hurley)
O sistema de Hurley é amplamente utilizado para classificar a gravidade da HS em regiões específicas da pele, servindo como guia para a escolha terapêutica e decisão cirúrgica.
Estágio I
- Caracterizado pela formação de abscessos únicos ou múltiplos;
- Não há presença de túneis cutâneos ou cicatrizes permanentes;
- É a forma mais inicial e comum da doença.
Estágio II
- Presença de abscessos recorrentes;
- Desenvolvimento de túneis cutâneos e cicatrizes;
- As lesões podem ser únicas ou múltiplas, mas tendem a ser separadas por áreas de pele aparentemente saudável.
Fonte: UpToDate
Estágio III
- Envolvimento difuso ou quase difuso de uma região;
- Presença de múltiplos túneis interconectados e abscessos extensos;
- Acometimento grave, com destruição da arquitetura cutânea local.
Diagnóstico da Hidradenite Supurativa
O diagnóstico da hidradenite supurativa (HS) é predominantemente clínico, baseado na história do paciente e no reconhecimento das manifestações características da doença. Três aspectos principais sustentam o diagnóstico: a presença de lesões típicas, como nódulos profundos inflamados, comedões em “cabeçote de tumba”, túneis cutâneos, abscessos e cicatrizes fibróticas; a ocorrência em localizações típicas, especialmente axilas, virilha e regiões inframamárias, frequentemente de forma bilateral; e o padrão de recorrência e cronicidade, evidenciando episódios repetidos ao longo do tempo.
Em pacientes que apresentam essa tríade de características, o diagnóstico é geralmente direto. No entanto, a localização, tipo, número e gravidade das lesões podem variar consideravelmente, exigindo atenção clínica para identificar casos menos evidentes.
O histórico do paciente é um instrumento valioso: o início na adolescência ou início da vida adulta, episódios recorrentes ou persistentes e antecedentes familiares de HS fortalecem a suspeita diagnóstica. Pacientes com características atípicas devem ser investigados quanto a sintomas gastrointestinais, pois pode haver associação com doença de Crohn.
O exame físico completo da pele é essencial para avaliar a extensão e a gravidade da doença, bem como para identificar características que confirmem ou sugiram outra condição.
Exames laboratoriais ou biópsias geralmente não são necessários para o diagnóstico, mas podem ser indicados em casos duvidosos ou para excluir outras doenças, incluindo carcinoma espinocelular em áreas de HS crônica, principalmente perianal.
O uso de culturas bacterianas de rotina não é recomendado, sendo indicado apenas quando há suspeita de infecção primária ou celulite secundária. Também não existem exames sorológicos que confirmem a HS.
A imagem radiológica não é obrigatória para o diagnóstico, mas pode ser útil em situações pré-operatórias ou para avaliar a extensão subclínica da doença. A ultrassonografia pode identificar túneis cutâneos não visíveis, enquanto a ressonância magnética é útil em casos de acometimento anogenital extenso.
Tratamento da Hidradenite Supurativa
O manejo da hidradenite supurativa (HS) tem como objetivos principais aliviar sintomas das lesões, reduzir a frequência de recorrência, prevenir o aparecimento de novas lesões, evitar progressão da doença e de comorbidades associadas, e melhorar a qualidade de vida do paciente. Devido à escassez de estudos comparativos robustos, as estratégias terapêuticas baseiam-se principalmente em consensos de especialistas.
Avaliação da resposta ao tratamento
A resposta ao tratamento deve ser monitorada de forma sistemática, considerando a frequência, gravidade, extensão e morfologia das lesões. Além disso, é importante avaliar mudanças na qualidade de vida do paciente usando instrumentos validados, e acompanhar a progressão para comorbidades associadas.
Diversas escalas podem ser utilizadas para mensurar a gravidade e os resultados do tratamento, incluindo o International Hidradenitis Suppurativa Severity Scoring System, o Sartorius Score, o Hidradenitis Suppurativa Physician Global Assessment e o Hidradenitis Suppurativa Core Outcome Set International Collaboration.
Medidas gerais e modificações de estilo de vida
É fundamental tratar comorbidades que possam agravar a HS, como obesidade e tabagismo, além de adotar medidas para minimizar traumas na pele. Isso inclui evitar roupas apertadas, produtos de higiene agressivos e curativos aderentes.
A utilização de curativos não oclusivos ou com petrolatum sobre lesões drenantes ajuda a reduzir irritação. Pacientes devem receber orientação sobre os cuidados com feridas, manejo da dor e sobre a própria natureza da HS, enfatizando que a doença não é contagiosa nem resultado de má higiene.
Manejo da dor
A dor pode ser tanto inflamatória quanto não inflamatória, resultando de cicatrizes, abscessos, túneis cutâneos, fricção, linfedema, artrite ou fissuras anais. O manejo deve ser individualizado, podendo incluir lidocaína tópica, anti-inflamatórios não esteroidais, paracetamol, anticonvulsivantes atípicos (gabapentina, pregabalina) e inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina, como a duloxetina, especialmente em pacientes com depressão associada.
Aspecto psicossocial
A HS impacta fortemente a qualidade de vida, devido à dor, secreção, odor e acometimento de áreas sensíveis. Os pacientes podem apresentar isolamento social, dificuldades laborais e disfunção sexual. É essencial fornecer aconselhamento psicológico e suporte em grupos de pacientes, ajudando a reduzir o estigma e o impacto emocional da doença.
Tratamento médico
Para lesões iniciais ou estágio I, o tratamento pode incluir antibióticos tópicos como clindamicina, além de tetraciclinas orais, antiandrogênicos (espironolactona) ou metformina. A resposta deve ser avaliada após 2 a 3 meses, com ajustes conforme necessário.
Em estágios II e III, inicia-se geralmente com a mesma abordagem, mas, se a resposta for insatisfatória, devem ser considerados biológicos como adalimumabe (preferencial), infliximabe, secuquinumabe ou acitretina. Se não houver melhora após 3 a 4 meses, recomenda-se a troca de classe biológica.
Tratamentos adjuvantes incluem corticosteroides intralesionais, punch debridement e resorcinol tópico, enquanto a incisão e drenagem não é recomendada devido à recorrência e risco de complicações.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico pode ser indicado em qualquer estágio da HS para remover áreas de doença ativa e limitar complicações. Procedimentos incluem o punch debridement, que consiste na remoção de lesões com cicatrização por segunda intenção; o deroofing, que abre e remove a “tela” de túneis cutâneos; e a excisão ampla, que retira lesões até o tecido subcutâneo, podendo haver reconstrução ou enxertia conforme a localização anatômica.
O manejo pré-operatório deve incluir antibióticos, anti-inflamatórios (biológicos ou ciclosporina) e corticosteroides, enquanto o pós-operatório exige curativos não aderentes com petrolatum para evitar fricção, lembrando que existe risco de sangramento, infecção ou aparecimento de novas lesões.
Outras terapias
Além dos tratamentos convencionais, outras opções podem ser consideradas, como laser Nd:YAG, luz pulsada, fotodinâmica, imunobiológicos alternativos (ustekinumabe, anakinra, bimekizumab, guselkumab, canakinumab), imunossupressores e moduladores (ciclosporina, tacrolimus, apremilast), suplementos (zinco, liraglutide) e procedimentos experimentais (crioinsuflação, toxina botulínica, radiação).
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica de fora das provas de residência, concursos públicos ou até das avaliações da graduação. Veja abaixo:
Revalida Nacional – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) – 2023 – Revalida
Uma adolescente de 17 anos procura atendimento médico, com queixa de lesões vulvares recorrentes dolorosas e com drenagem de secreção. No exame da genitália externa da paciente, evidenciam-se múltiplos abscessos e cicatrizes profundas nos lábios, acompanhadas de secreção de odor fétido à expressão. Ela também refere nódulos persistentes e doloridos que costumam durar semanas ou meses. A paciente relata o aparecimento ocasional de lesões similares na axila.
Para esse caso, o diagnóstico é compatível com
A) sífilis primária.
B) vulvite herpética.
C) hidradenite supurativa.
D) linfogranuloma venéreo.
Comentário da questão:
Essa clínica de abscessos que deixam cicatrizes e evoluem em surtos e remissões localizadas nas axilas e virilhas é típica da hidradenite supurativa. Vamos relembrar essa doença. hidradenite supurativa (chamada por alguns de acne inversa) é uma doença inflamatória crônica que acomete preferencialmente as zonas flexurais. Acomete mais frequentemente mulheres após a puberdade.
A fisiopatologia envolve a oclusão da unidade pilossebácea (folículos e glândulas apócrinas) com posterior inflamação do folículo piloso e acometimento secundário das glândulas apócrinas. Há intensa inflamação com formação de nódulos, abscessos, fístulas e cicatrizes. Como as axilas, região submamária, região inguinal, região genital e glútea são as áreas com maior densidade de glândulas apócrinas, a hidradenite é mais comum nesses locais!
Clinicamente surgem nódulos inflamatórios dolorosos e abscessos nas áreas de axila, virilha, períneo e inframamária. Essas lesões podem romper e drenar material purulento com odor desagradável. Com a evolução, formam-se fístulas e cicatrizes nesses locais. Outras lesões continuam a surgir e o processo evolui com períodos de piora e de melhora.
A) Incorreta. Na sífilis primária (cancro duro) temos uma lesão ulcerada, com bordas elevadas, indolor localizado no local de inoculação do treponema. A lesão involui espontaneamente mesmo sem tratamento.
B) Incorreta. A vulvite herpética é a primo-infecção genital por herpes e se apresenta com diversas vesículas e úlceras raras bastante dolorosas na região genital.
C) Correta. Alternativa perfeita e sem ressalvas.
D) Incorreta. No linfogranuloma venéreo, a manifestação mais comum é a adenopatia dolorosa que fistuliza em múltiplos orifícios (“bico de regador”).
Veja também!
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Referências
Ballard K, Sathe NC, Shuman VL. Hidradenitis Suppurativa. [Updated 2024 May 6]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK534867/
John R Ingram, MD, PhD. Hidradenitis suppurativa: Pathogenesis, clinical features, and diagnosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
John R Ingram, MD, PhD. Hidradenitis suppurativa: Management. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate