Resumo sobre Hiperamonemia: definição, etiologias e mais!
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Resumo sobre Hiperamonemia: definição, etiologias e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Hiperamonemia, uma condição caracterizada pelo aumento anormal dos níveis de amônia no sangue, geralmente causada por distúrbios do ciclo da ureia, doenças hepáticas ou uso de certos medicamentos. Esse acúmulo de amônia pode levar a alterações neurológicas graves, exigindo diagnóstico e intervenção rápidos.

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Vamos nessa!

Definição de Hiperamonemia

A hiperamonemia é uma condição metabólica caracterizada pela elevação anormal dos níveis de amônia no sangue, um composto nitrogenado altamente tóxico para o organismo. Em condições fisiológicas, a amônia é produzida principalmente no intestino a partir da degradação de proteínas e outros compostos nitrogenados. Em seguida, é transportada para o fígado, onde é convertida em ureia por meio do ciclo da ureia, processo essencial para a eliminação segura do nitrogênio do corpo.

Quando esse mecanismo é comprometido, ocorre acúmulo de amônia na circulação. Isso pode acontecer por defeitos enzimáticos congênitos que afetam o ciclo da ureia, por lesões hepatocelulares que reduzem a capacidade metabólica do fígado ou ainda por alterações anatômicas ou funcionais que desviam o sangue portal, impedindo a depuração hepática adequada. Além disso, infecções por micro-organismos produtores de urease ou condições que aumentam a produção de amônia também podem contribuir para o quadro.

Assim, a hiperamonemia representa um importante distúrbio do metabolismo do nitrogênio, cujo reconhecimento é fundamental, pois o acúmulo de amônia interfere em diversos processos bioquímicos e pode comprometer de forma significativa o funcionamento celular, especialmente no sistema nervoso central.

Etiologias da Hiperamonemia

A hiperamonemia possui uma etiologia ampla e pode ser classificada em causas congênitas e adquiridas. As formas congênitas estão relacionadas a defeitos enzimáticos que comprometem o metabolismo do nitrogênio, especialmente o ciclo da ureia, processo responsável pela conversão da amônia em ureia para excreção renal. 

Entre esses distúrbios, destacam-se as deficiências das enzimas do ciclo da ureia, como a carbamoil-fosfato sintetase, ornitina transcarbamilase, argininosuccinato sintetase, argininosuccinato liase e arginase. Todos esses defeitos são autossômicos recessivos, exceto a deficiência de ornitina transcarbamilase, que é recessiva ligada ao X e representa o tipo mais comum de distúrbio do ciclo da ureia.

Outros erros inatos do metabolismo também podem causar hiperamonemia, como as acidúrias orgânicas (por exemplo, acidemia isovalérica), a acidose láctica congênita, os defeitos na oxidação de ácidos graxos e as deficiências de aminoácidos dibásicos

Além disso, pode ocorrer a hiperamonemia transitória do recém-nascido, observada principalmente em prematuros, possivelmente devido à imaturidade funcional do ciclo da ureia. Infecções neonatais graves, como a causadas pelo vírus Herpes simplex, e situações de asfixia perinatal severa também podem elevar os níveis de amônia.

As formas adquiridas de hiperamonemia podem ser divididas em hepáticas e não hepáticas. Entre as hepáticas, destaca-se a encefalopatia hepática, que pode ser classificada em três tipos:

  • Tipo A, associada à falência hepática aguda causada por hepatites virais, hepatite isquêmica ou intoxicação por hepatotóxicos;
  • Tipo B, relacionada à presença de shunts portossistêmicos em pacientes sem doença hepática, congênitos ou cirurgicamente criados;
  • Tipo C, decorrente de cirrose e hipertensão portal em doenças crônicas como hepatite B ou C, deficiência de alfa-1 antitripsina, doença de Wilson e atresia biliar.

Entre as causas não hepáticas, incluem-se distúrbios hematológicos como mieloma múltiplo e leucemias agudas, infecções por bactérias produtoras de urease (como Proteus mirabilis, E. coli e Klebsiella), que hidrolisam a ureia e aumentam a absorção de amônia no trato urinário, e o desencadeamento tardio de defeitos do ciclo da ureia em adultos, precipitado por situações de estresse metabólico, infecções, jejum prolongado ou nutrição parenteral rica em proteínas.

Alguns fármacos também podem induzir hiperamonemia, como o ácido valpróico, que interfere na captação de glutamato pelos astrócitos, e outros como topiramato, carbamazepina, salicilatos e sulfadiazina. Assim, a hiperamonemia pode ter múltiplas origens, envolvendo tanto disfunções genéticas quanto condições adquiridas que interferem no metabolismo ou na depuração da amônia.

Fisiopatologia da Hiperamonemia

A fisiopatologia da hiperamonemia envolve o acúmulo anormal de amônia, um composto nitrogenado produzido em diversos tecidos do corpo. No cólon, ela resulta da degradação bacteriana de proteínas e ureia; no intestino delgado, da degradação de glutamato; e no músculo esquelético, da transaminação de aminoácidos e do ciclo dos nucleotídeos de purina. 

Normalmente, a amônia é transportada ao fígado para ser convertida em ureia e excretada pelos rins. Quando há defeitos no ciclo da ureia ou doença hepática, a metabolização é prejudicada, levando à elevação dos níveis de amônia circulante.

O excesso de amônia é particularmente tóxico para o sistema nervoso central. Em situações agudas, ocorre aumento da liberação de glutamato e ativação excessiva dos receptores NMDA, o que leva à depleção de ATP e pode causar crises convulsivas e lesão neuronal.

 Além disso, há edema cerebral devido ao inchaço dos astrócitos, responsáveis pela detoxificação da amônia no cérebro por meio da conversão em glutamina. O acúmulo dessa substância altera o equilíbrio osmótico e aumenta a pressão intracraniana, podendo levar à hernição cerebral.

Na hiperamonemia crônica, há alterações persistentes na neurotransmissão. Ocorre aumento da inibição GABAérgica por estimulação excessiva dos receptores de benzodiazepínicos endógenos e redução da neurotransmissão glutamatérgica por dessensibilização dos receptores NMDA, o que contribui para disfunção cognitiva. O excesso de amônia favorece o transporte de triptofano para o cérebro, elevando os níveis de serotonina, associados à anorexia frequentemente observada nesses pacientes.

Manifestações clínicas da Hiperamonemia

As manifestações clínicas da hiperamonemia decorrem principalmente dos efeitos neurotóxicos da amônia sobre o sistema nervoso central, podendo variar conforme a idade de início, a intensidade da elevação da amônia e a causa subjacente.

Hiperamonemia de início precoce

Ocorre em neonatos entre 24 e 72 horas de vida, quando os níveis de amônia ultrapassam 100 a 150 µmol/L.
Os sintomas iniciais são inespecíficos, incluindo:

  • Letargia;
  • Irritabilidade;
  • Vômitos.

Com a progressão do quadro, surgem hiperventilação e gemência, causadas pela estimulação do centro respiratório bulbar pelos íons amônio.

Hiperamonemia de início tardio

Manifesta-se em crianças, adolescentes ou adultos, associada a defeitos parciais do ciclo da ureia ou a causas adquiridas.

Formas leves:

  • Irritabilidade;
  • Cefaleia;
  • Vômitos;
  • Ataxia e alterações da marcha.

Formas graves (amônia > 200 µmol/L):

  • Convulsões;
  • Encefalopatia;
  • Coma;
  • Possível evolução para óbito.

Em portadores de defeitos enzimáticos parciais, os sintomas costumam ser desencadeados por situações de estresse metabólico, como:

  • Jejum prolongado;
  • Infecções;
  • Cirurgias;
  • Gestação;
  • Aumento da ingestão proteica;
  • Uso de diuréticos, opioides ou nutrição parenteral rica em proteínas.

Hiperamonemia crônica

Ocorre pelo acúmulo persistente de amônia e glutamina no cérebro. Pode levar a:

  • Déficit intelectual;
  • Alterações comportamentais;
  • Sintomas psiquiátricos.

Achados no exame físico

Sinais inespecíficos:

  • Taquipneia;
  • Desidratação devido a vômitos.

Alterações neurológicas:

  • Dificuldade de concentração e coordenação;
  • Fala arrastada;
  • Desorientação;
  • Tremor de mãos (asterixis).

Achados específicos conforme a etiologia:

  • Odor de “chulé” na acidemia isovalérica;
  • Cabelos frágeis na deficiência de argininosuccinato liase.

Encefalopatia hepática

A hiperamonemia é um dos principais mecanismos envolvidos na encefalopatia hepática, que pode ser classificada em cinco graus de gravidade:

GrauDescrição
0Alterações sutis de concentração, memória e função intelectual (subclínico)
1Alterações do sono, desatenção e leve confusão
2Letargia, apatia, mudança de personalidade, fala arrastada e asterixis
3Sonolência, confusão acentuada e desorientação no tempo e espaço
4Coma, com ou sem resposta a estímulos dolorosos

Nos casos de encefalopatia hepática associada à cirrose, podem estar presentes sinais de disfunção hepática e hipertensão portal, como icterícia, ascite, hepatomegalia, edema periférico, telangiectasias, ginecomastia e circulação colateral abdominal (cabeça de medusa).

Diagnóstico da Hiperamonemia

O diagnóstico da hiperamonemia baseia-se na dosagem sérica de amônia e na investigação da causa subjacente, que pode ser congênita ou adquirida.

Os valores normais variam conforme a idade:

  • Recém-nascidos a termo: 45 ± 9 µmol/L (limite superior: 80–90 µmol/L);
  • Prematuros: 71 ± 26 µmol/L, reduzindo-se após a primeira semana de vida;
  • Crianças >1 mês: < 50 µmol/L;
  • Adultos: < 30 µmol/L.

Em neonatos, como os sintomas são inespecíficos, é fundamental excluir condições como sepse, meningite, hemorragia intracraniana e hemorragia gastrointestinal. Diante da suspeita de hiperamonemia, devem ser solicitados exames complementares, incluindo gasometria arterial, glicemia, lactato, níveis de citrulina, aminoácidos plasmáticos e urinários e corpos cetônicos urinários.

Nos casos suspeitos de defeitos do ciclo da ureia, podem ser realizados ensaios enzimáticos específicos em biópsia hepática ou hemácias, além de testes genéticos para detecção de mutações.

Em pacientes com encefalopatia hepática, a avaliação inclui testes de função hepática (enzimas, bilirrubina e tempo de protrombina) para estimar a função metabólica do fígado. Caso haja suspeita de hiperamonemia não cirrótica, devem ser investigadas causas infecciosas, hematológicas ou farmacológicas.

A neuroimagem, especialmente a ressonância magnética, auxilia na identificação das lesões cerebrais associadas. Na encefalopatia hiperamonêmica, pode haver restrição de difusão nas regiões insular e do giro do cíngulo, com possível atrofia cerebral. Em doenças hepáticas crônicas, observam-se atrofia e hiperintensidades simétricas do globo pálido, além de alterações nos tálamos e córtices cerebrais.

Em neonatos com defeitos congênitos, as áreas mais afetadas são os sulcos insulares e os núcleos lentiformes, devido à sua alta atividade metabólica. A gravidade e a duração da hiperamonemia influenciam diretamente a extensão das alterações neurológicas, reforçando a importância do diagnóstico precoce.

Tratamento da Hiperamonemia

O tratamento da hiperamonemia tem como principal objetivo reduzir rapidamente os níveis de amônia e controlar as complicações associadas, como edema cerebral e hipertensão intracraniana. A abordagem terapêutica varia conforme a causa subjacente, sendo diferente nos erros inatos do metabolismo e na encefalopatia hepática.

Redução dos níveis de amônia

Nos neonatos com erros inatos do metabolismo, especialmente em casos de coma hiperamonêmico, o tratamento deve ser imediato:

  • Suspender toda ingestão proteica;
  • Fornecer calorias por via intravenosa com soluções de glicose, evitando o catabolismo proteico;
  • Hemodiálise é o método de escolha para remoção rápida da amônia; a hemofiltração contínua (arteriovenosa ou venovenosa) é uma alternativa eficaz;
  • Após a redução dos níveis de amônia, utilizam-se agentes que desviam o nitrogênio para vias não ureicas, como benzoato de sódio e fenilacetato intravenosos, além da suplementação com arginina.

Pacientes com defeitos parciais do ciclo da ureia devem iniciar tratamento quando os níveis de amônia ultrapassam três vezes o limite superior da normalidade. Nessas situações, a conduta é semelhante: interrupção do aporte proteico, reposição calórica com glicose e uso de benzoato e fenilacetato. A diálise é indicada se não houver melhora após 8 horas de tratamento contínuo.

Tratamento da encefalopatia hepática

Nos casos de hiperamonemia associada à doença hepática, o tratamento visa reduzir a produção e absorção intestinal de amônia.

  • O tratamento de primeira linha inclui os dissacarídeos não absorvíveis (lactulose e lactitol), que diminuem a produção e a absorção intestinal de amônia;
  • A rifaximina, antibiótico não absorvível, é frequentemente associada aos dissacarídeos para potencializar o efeito;
  • Essas terapias melhoram os sintomas, embora não reduzam a mortalidade.

Controle das complicações

O edema cerebral e a hipertensão intracraniana são complicações graves que requerem tratamento imediato.

  • O soro hipertônico é preferido ao manitol para controle da pressão intracraniana;
  • Pode-se utilizar sedação com propofol e agentes hiperosmolares em casos de insuficiência hepática fulminante;
  • Corticosteroides devem ser evitados, pois induzem balanço nitrogenado negativo;
  • O ácido valpróico está contraindicado para o controle de convulsões, já que pode agravar a hiperamonemia.

Manejo dietético

O manejo nutricional deve ser individualizado.

  • A restrição proteica rigorosa não é recomendada, principalmente em doença hepática crônica, pois esses pacientes frequentemente apresentam desnutrição; a ingestão proteica deve ser mantida em níveis normais.
  • Alguns suplementos podem ajudar na redução da amônia:
    • L-carnitina, útil na prevenção de crises em distúrbios do ciclo da ureia;
    • L-ornitina-L-aspartato, que aumenta o metabolismo muscular da amônia e pode auxiliar na encefalopatia hepática;
    • Arginina, que deve ser suplementada em pacientes com deficiências enzimáticas do ciclo da ureia, tornando-se um aminoácido essencial nesses casos.

Veja também!

Referências

Ali R, Nagalli S. Hyperammonemia. [Updated 2023 Apr 7]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557504/

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