E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Intoxicação por Metanol, uma condição grave resultante da ingestão ou exposição a esse álcool tóxico, presente em solventes, combustíveis e alguns produtos domésticos. O metanol, após metabolizado, gera compostos altamente prejudiciais, como formaldeído e ácido fórmico, que podem levar a acidose metabólica severa, distúrbios visuais e até risco de morte se não houver intervenção rápida.
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Vamos nessa!
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Definição de Intoxicação por Metanol
O metanol (CH₃OH) é um álcool tóxico pertencente ao grupo dos chamados “álcoois tóxicos”, que inclui também etilenoglicol, dietilenoglicol e isopropanol. Amplamente utilizado em produtos domésticos e industriais, pode ser encontrado em líquidos para limpeza de para-brisas, solventes, certos tipos de anticongelante, limpadores de carburador, fluidos de copiadoras, perfumes e combustíveis, incluindo aqueles destinados ao aquecimento de alimentos.
A intoxicação por metanol geralmente ocorre por ingestão acidental ou intencional, mas também pode surgir em situações de contaminação de bebidas ou falhas em processos de destilação e fermentação, resultando em episódios de intoxicação coletiva. Sua toxicidade está associada a graves efeitos metabólicos e sistêmicos, capazes de provocar elevada morbidade e mortalidade quando não há tratamento adequado.
Devido ao risco potencialmente letal, a identificação precoce e o manejo adequado da exposição ao metanol são essenciais, podendo variar desde monitorização laboratorial até o uso de terapias específicas, como fomepizol ou etanol, além da indicação frequente de diálise.
Fisiopatologia da Intoxicação por Metanol
A fisiopatologia da intoxicação por metanol está diretamente relacionada ao seu metabolismo e aos efeitos tóxicos de seus produtos de oxidação. Após a ingestão, o metanol é rapidamente absorvido pelo trato gastrointestinal e distribuído pelo compartimento de água corporal total, com volume de distribuição aproximado de 0,7 L/kg. Embora parte seja excretada inalterada pelo trato respiratório, esse processo é ineficiente, tornando o metabolismo hepático o principal determinante de sua toxicidade.
O metanol sofre oxidação sequencial, inicialmente pela ação da álcool desidrogenase na mucosa gástrica e no fígado, convertendo-o em formaldeído. Em seguida, a aldeído desidrogenase transforma o formaldeído em ácido fórmico. Esse processo consome NAD, produzindo NADH, e ocorre em velocidade de eliminação próxima à de ordem zero, semelhante ao etanol, especialmente em concentrações séricas elevadas.
O ácido fórmico é o principal responsável pelos efeitos tóxicos, já que sua eliminação é limitada. Uma pequena fração pode ser metabolizada em dióxido de carbono e água com auxílio do folato, mas a maior parte acumula-se no organismo. Essa acumulação provoca acidose metabólica com aumento do anion gap, característica da intoxicação tardia por metanol.
O sistema nervoso central é particularmente vulnerável. O ácido fórmico causa lesão direta à retina, resultando em distúrbios visuais que podem evoluir para cegueira, e aos núcleos da base, onde pode ocorrer necrose bilateral, com ou sem hemorragia, achado clássico da intoxicação grave. Além disso, outras complicações relatadas incluem lesão renal aguda e pancreatite, reforçando o caráter multissistêmico da toxicidade.
Manifestações clínicas da Intoxicação por Metanol
As manifestações clínicas da intoxicação por metanol podem variar de inespecíficas a graves, dependendo do tempo após a ingestão e da quantidade absorvida. A obtenção da história clínica é, muitas vezes, dificultada por situações de tentativa de autoextermínio, intoxicação criminosa ou abuso de substâncias, já que o paciente pode omitir informações ou subestimar a gravidade da exposição. Nos casos acidentais, a ingestão costuma ser relatada ou testemunhada, facilitando a suspeita diagnóstica.
Nos estágios iniciais, o exame físico pode ser pouco revelador. Nas primeiras 12 a 24 horas, conhecidas como período de latência, o indivíduo pode apresentar-se assintomático ou apenas levemente embriagado. Em seguida, surgem sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos e dor abdominal, evoluindo para depressão do sistema nervoso central e hiperventilação em resposta ao desenvolvimento da acidose metabólica.
O comprometimento ocular é uma das características marcantes da intoxicação. A toxicidade retiniana provoca visão borrada, redução da acuidade visual, fotofobia e visão em “halos”, podendo ser observados, ao exame de fundo de olho, papiledema, hiperemia do disco óptico e defeitos pupilares.
A toxicidade dos gânglios da base pode inicialmente estar mascarada por alterações do nível de consciência e pelo quadro clínico geral, mas constitui um achado importante em casos graves. Sem intervenção, a evolução pode incluir coma, falência respiratória ou circulatória e até o óbito.
Avaliação da Intoxicação por Metanol
A avaliação da intoxicação por metanol deve integrar história clínica, exames laboratoriais e achados objetivos, já que os pacientes podem variar de assintomáticos com gap osmolar elevado até quadros graves de acidose metabólica com anion gap aumentado e lesão de órgãos-alvo.
Exames básicos incluem eletrocardiograma, painel metabólico, dosagem de paracetamol, salicilato e etanol, além de hemograma, transaminases, lipase, cetonas, lactato e, quando indicado, teste de gravidez. A dosagem de etanol é fundamental, pois compete com o metanol pela álcool desidrogenase, atrasando sua metabolização.
O diagnóstico definitivo é feito por cromatografia gasosa, mas como muitas vezes não está disponível, utilizam-se parâmetros indiretos: o gap osmolar, elevado nas fases iniciais, e a acidose metabólica com anion gap aumentado, predominante em fases tardias devido ao acúmulo de ácido fórmico. Valores de gap osmolar acima de 25 a 50 mOsm/kg H₂O reforçam a suspeita.
A monitorização deve incluir painel metabólico seriado a cada 2 a 4 horas, avaliação oftalmológica e observação por pelo menos 16 a 24 horas, já que alterações metabólicas podem surgir tardiamente. Além disso, é necessário diferenciar de outras condições, como cetoacidose alcoólica ou jejum prolongado.
Tratamento de Intoxicação por Metanol
O tratamento da intoxicação por metanol envolve medidas de suporte, uso de antídotos (fomepizol ou etanol), diálise e, de forma complementar, o folato. A escolha depende da gravidade do quadro clínico, da disponibilidade dos recursos e do tempo decorrido desde a ingestão.
O fomepizol é considerado o antídoto de escolha. Ele inibe a ação da álcool desidrogenase, bloqueando a metabolização do metanol em seus metabólitos tóxicos, como o ácido fórmico. É administrado por via intravenosa, com dose inicial de 15 mg/kg, seguida de 10 mg/kg a cada 12 horas, até que a concentração sérica de metanol seja inferior a 25 mg/dL e o equilíbrio ácido-base esteja restabelecido. Após quatro doses, o intervalo passa a ser de 15 mg/kg a cada 12 horas, devido à autoindução enzimática. Durante a hemodiálise, o esquema deve ser ajustado, com aplicações mais frequentes.
O etanol pode ser utilizado quando o fomepizol não está disponível. Ele compete com o metanol pela álcool desidrogenase, reduzindo a formação de metabólitos tóxicos. Contudo, apresenta maior complexidade de monitorização, risco de intoxicação alcoólica e necessidade de acompanhamento em UTI. Pode ser administrado por via intravenosa ou oral, devendo manter concentração sérica entre 80 e 120 mg/dL.
A hemodiálise é frequentemente necessária, mesmo com uso do antídoto, pois o metanol e seus metabólitos são rapidamente removidos devido ao seu baixo peso molecular, pequeno volume de distribuição e ausência de ligação proteica. É indicada em situações de acidose grave, coma, convulsões, déficits visuais novos ou aumento importante do anion gap, podendo ser necessária em mais de uma sessão.
Como terapia complementar, a administração de folato pode ser considerada, já que facilita a conversão do formiato em dióxido de carbono e água, embora seu benefício clínico ainda seja considerado teórico.
Em casos graves, com alterações metabólicas importantes ou quando se utiliza etanol como antídoto, a internação em unidade de terapia intensiva é indicada para garantir monitorização contínua e suporte adequado.
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Referências
Ashurst JV, Schaffer DH, Nappe TM. Methanol Toxicity. [Updated 2025 Feb 6]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482121/
Marco L A Sivilotti, MD, MSc, FRCPC, FACMT, FAACT. Methanol and ethylene glycol poisoning: Pharmacology, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate