E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Miosite por estatinas, uma condição associada ao uso desses fármacos amplamente prescritos, caracterizada por inflamação e lesão muscular que pode variar desde mialgia leve até quadros mais graves, com elevação importante de creatinoquinase e comprometimento funcional.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Miosite por Estatinas
A miosite induzida por estatinas é uma forma de doença muscular inflamatória associada ao uso de estatinas, caracterizada por fraqueza muscular proximal progressiva e elevação persistente dos níveis de creatinoquinase, que não melhora de forma significativa apenas com a suspensão do medicamento.
Diferentemente da mialgia ou da miopatia tóxica autolimitada relacionadas às estatinas, a miosite representa um processo imunomediado, no qual ocorre necrose de fibras musculares com mínima inflamação visível na biópsia, configurando o quadro conhecido como miopatia necrosante imunomediada.
Esse subtipo está fortemente associado à presença de autoanticorpos contra a enzima 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA redutase, alvo farmacológico das estatinas, sugerindo que o fármaco atua como gatilho para uma resposta autoimune sustentada, que pode persistir mesmo após a retirada da droga e frequentemente requer tratamento imunossupressor para controle clínico.
Definição dos fenótipos clínicos
Rabdomiólise
É o fenótipo mais grave, raro, com creatinoquinase muito elevada, tipicamente acima de
100 vezes o limite superior da normalidade, e o que define o quadro é a presença de mioglobinúria e comprometimento renal por necrose tubular aguda. É potencialmente fatal e exige a suspensão imediata da estatina, com recomendação de evitar o uso futuro.
Mialgia leve
Forma frequente na prática clínica, marcada por dor muscular, com ou sem elevação discreta da creatinoquinase, geralmente abaixo de 1000 IU/L, o que corresponde a menos de 5 vezes o limite superior da normalidade. A dor costuma acometer coxas e panturrilhas, podendo ser difusa. Não é um quadro com risco de vida e a evolução pode variar, com melhora ou persistência mesmo após suspender a estatina.
Miopatia tóxica autolimitada por estatina
Quadro de miopatia não imunomediada, com fraqueza proximal que pode limitar atividades diárias e elevação importante da creatinoquinase, em geral entre 10 e 100 vezes o limite superior da normalidade.
A biópsia pode mostrar necrose e regeneração de fibras, sem achados típicos de mecanismo imune. A tendência é melhora progressiva após retirar a estatina, e esse fenótipo costuma ser anti HMGCR negativo.
Miopatia necrosante imunomediada associada a anti HMGCR
É o fenótipo autoimune descrito no texto como miopatia necrosante imunomediada, com fraqueza proximal progressiva, creatinoquinase elevada em faixa semelhante à da miopatia tóxica, e achados miopáticos em eletroneuromiografia.
A biópsia geralmente mostra necrose com regeneração e pouca inflamação, além de sinais imunomediados como deposição de complexo de ataque à membrana e expressão de MHC classe I. Um ponto-chave é que a suspensão da estatina geralmente não melhora o quadro, sendo necessário tratamento imunossupressor.
Fisiopatologia da Miosite por Estatinas
A fisiopatologia da miosite induzida por estatinas envolve a interação entre toxicidade muscular e mecanismos autoimunes. As estatinas inibem a enzima 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA redutase, interferindo na via do mevalonato, o que pode levar à disfunção mitocondrial, aumento do estresse oxidativo e prejuízo do metabolismo energético da fibra muscular.
Em indivíduos geneticamente suscetíveis, especialmente aqueles portadores de alelos específicos do sistema HLA, essa inibição resulta na superexpressão da HMGCR no músculo, favorecendo a apresentação antigênica e o desencadeamento de uma resposta autoimune.
Como consequência, ocorre a produção de autoanticorpos anti-HMGCR, fortemente associados à miopatia necrosante imunomediada. Mesmo após a suspensão da estatina, o processo inflamatório tende a persistir, pois as fibras musculares em regeneração continuam expressando altos níveis de HMGCR, mantendo o estímulo imunológico.
Além disso, há evidências de que os autoanticorpos anti-HMGCR participam ativamente da lesão muscular, prejudicando a regeneração das fibras e contribuindo para atrofia muscular, o que explica a fraqueza progressiva e a elevação sustentada da creatinoquinase observadas nesses pacientes
Manifestações clínicas da Miosite por Estatinas
- Fraqueza muscular proximal: manifestação central da miosite por estatinas, com acometimento progressivo dos músculos das cinturas escapular e pélvica, levando a dificuldade para subir escadas, levantar-se de posições sentadas e elevar os braços, geralmente persistente mesmo após a suspensão da estatina;
- Elevação significativa da creatinoquinase: aumento sustentado da CK, habitualmente entre 10 e 100 vezes o limite superior da normalidade, refletindo necrose muscular ativa e auxiliando na diferenciação em relação às formas leves de toxicidade associadas às estatinas;
- Mialgia: dor muscular que pode estar presente, porém geralmente menos proeminente do que a fraqueza, podendo ser discreta ou até ausente em alguns pacientes, diferentemente da mialgia isolada induzida por estatinas;
- Persistência dos sintomas após suspensão da estatina: característica marcante da miosite imunomediada, indicando manutenção do processo inflamatório autoimune independentemente da continuidade do fármaco;
- Disfagia: pode ocorrer em casos mais graves devido ao comprometimento da musculatura orofaríngea, impactando a deglutição e, em situações extremas, exigindo suporte nutricional;
- Comprometimento respiratório: manifestação rara, relacionada ao envolvimento da musculatura respiratória, podendo evoluir com dispneia e insuficiência respiratória em quadros graves.
Diagnóstico de Miosite por Estatinas
O diagnóstico da miosite induzida por estatinas baseia-se na integração de achados clínicos, laboratoriais, imunológicos e histopatológicos. Deve ser suspeitado em pacientes com fraqueza muscular proximal progressiva associada a elevação importante e persistente da creatinoquinase, sobretudo quando não há melhora após a suspensão da estatina, o que sugere mecanismo imunomediado.
Laboratorialmente, a creatinoquinase costuma estar elevada entre 10 e 100 vezes o limite superior da normalidade. A pesquisa de autoanticorpos anti-HMGCR é fundamental, pois sua positividade confirma o caráter autoimune da doença e diferencia a miosite imunomediada da miopatia tóxica autolimitada. A eletroneuromiografia geralmente evidencia padrão miopático e atua como exame complementar.
A biópsia muscular, quando indicada, demonstra necrose e regeneração de fibras musculares com inflamação escassa, além de achados imunológicos como expressão de MHC classe I e deposição do complexo de ataque à membrana, característicos da miopatia necrosante imunomediada. O diagnóstico final deve sempre considerar a exclusão de outras causas de miopatia e a correlação entre clínica, exames laboratoriais e sorologia específica
Tratamento de Miosite por Estatinas
A primeira medida é a suspensão imediata da estatina, embora, diferentemente das formas não imunológicas, essa conduta isolada geralmente não seja suficiente para promover melhora clínica significativa.
Na maioria dos pacientes, a doença persiste ou progride mesmo após a retirada do fármaco, o que torna necessário o uso de terapia imunossupressora. Os glicocorticoides sistêmicos costumam ser utilizados como tratamento inicial, visando reduzir a inflamação e a atividade imunológica.
No entanto, devido à frequência de resposta parcial ou recaídas, frequentemente é necessária a associação de imunossupressores poupadores de corticoide, como azatioprina ou metotrexato. Outras opções incluem micofenolato de mofetila ou inibidores da calcineurina, a depender da gravidade e da resposta clínica.
A imunoglobulina intravenosa tem papel de destaque no tratamento da miosite imunomediada associada à estatina, sendo considerada uma das terapias mais eficazes descritas para esse subtipo. Em alguns pacientes, especialmente nos casos graves ou refratários, a imunoglobulina pode ser utilizada precocemente ou em associação com outros imunossupressores, com melhora significativa da força muscular e redução da creatinoquinase.
Em situações de doença grave, progressiva ou resistente às terapias convencionais, podem ser necessários tratamentos de segunda linha, como rituximabe ou, em casos selecionados, plasmaférese. Esses quadros podem cursar com complicações importantes, como disfagia grave ou insuficiência respiratória, exigindo abordagem multidisciplinar.
Após o diagnóstico de miosite imunomediada, o reuso de estatinas não é recomendado. Para pacientes com alto risco cardiovascular, o controle lipídico deve ser realizado com terapias alternativas, como os inibidores de PCSK9, cujo mecanismo de ação é distinto e que representam uma opção segura nesses casos.
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Referências
SELVA-O’CALLAGHAN, Albert et al. Statin-induced myalgia and myositis: an update on pathogenesis and clinical recommendations. Expert Review of Clinical Immunology, Londres, v. 14, n. 3, p. 215-224, 2018. DOI: 10.1080/1744666X.2018.1440206.
HEALTHCENTRAL. Statin-induced myopathy and muscle pain. HealthCentral, [s.l.], [s.d.]. Disponível em: https://www.healthcentral.com/condition/high-cholesterol/statin-induced-myopathy-muscle-pain. Acesso em: 12 dez. 2025.



