E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Nefropatia por IgM, uma condição glomerular rara caracterizada pela deposição de imunoglobulina M nos glomérulos, geralmente associada à síndrome nefrótica.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Nefropatia por IgM
A nefropatia por IgM (IgMN) é uma condição renal caracterizada pela presença predominante ou exclusiva de imunoglobulina M (IgM) nos glomérulos, especificamente nas regiões mesangiais, em padrão difuso (afetando todos os glomérulos) e global (afetando todo o glomérulo).
Trata-se de uma entidade clinicopatológica ainda controversa e sem uma definição universalmente aceita, o que dificulta sua padronização diagnóstica. A ausência de consenso sobre a intensidade mínima de positividade de IgM necessária para o diagnóstico contribui para a variabilidade dos critérios utilizados nos estudos.
A padronização dos achados de imunofluorescência é considerada essencial para uma definição clara e reprodutível da doença.
Epidemiologia da Nefropatia por IgM
A epidemiologia da nefropatia por IgM (IgMN) é marcada por controvérsias e ausência de dados populacionais precisos sobre incidência ou prevalência. A maioria dos estudos baseia-se na frequência da doença entre biópsias renais realizadas por diversas indicações, principalmente a síndrome nefrótica idiopática.
Etiologia da Nefropatia por IgM
A etiologia da nefropatia por IgM (IgMN) primária ainda é desconhecida. No entanto, depósitos de IgM nos glomérulos podem estar presentes em diversas doenças sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, diabetes mellitus, paraproteinemias e síndrome de Alport. Por isso, é essencial excluir essas condições por meio de avaliação clínica e exames laboratoriais antes de se estabelecer o diagnóstico de IgMN primária.
Patogênse da Nefropatia por IgM
A patogênese da nefropatia por IgM (IgMN) permanece amplamente desconhecida, principalmente devido à falta de uma etiologia definida e à escassez de estudos específicos sobre o mecanismo da doença.
Alguns trabalhos sugerem que a deposição de IgM nos glomérulos pode desencadear uma ativação da cascata do complemento por meio da via clássica, levando à lesão mesangial. Isso é sustentado pela presença frequente de C1q e C4 junto aos depósitos de IgM, embora outros estudos tenham identificado C3 com maior frequência e apenas raramente C1q.
Ainda não se conhecem os antígenos responsáveis pela formação dos complexos imunes, mas acredita-se que fatores ambientais ou alimentares que estimulem a resposta por IgM possam estar envolvidos.
Hipóteses adicionais incluem disfunções nos linfócitos T reguladores ou falhas na depuração de complexos imunes pelas células mesangiais. A ausência de modelos animais limita ainda mais o entendimento dos mecanismos da doença em ambiente experimental.
A patologia da Nefropatia por IgM (IgMN) é fundamental para o diagnóstico da doença, sendo baseada na análise da biópsia renal com microscopia óptica (MO), imunofluorescência (IF) e, opcionalmente, microscopia eletrônica (ME). A seguir, os achados patológicos são descritos em três grandes tópicos:
Microscopia Óptica (MO)
- Achados glomerulares: as alterações são heterogêneas, variando desde alterações discretas até proliferação mesangial leve a moderada, que é o achado mais frequente. Também pode haver padrão de glomeruloesclerose segmentar e focal (FSGS), com formação de aderências à cápsula de Bowman. Há relatos de crescentes celulares em alguns casos.
- Alterações semelhantes à doença de lesões mínimas (MCD): um terço dos casos apresenta alterações discretas semelhantes à MCD, sendo necessário o uso de IF e ME para o diagnóstico diferencial.
- Padrão FSGS: muito controverso, alguns estudos excluem casos com esse padrão, enquanto outros relatam presença significativa. Nestes casos, observa-se positividade global do mesângio para IgM, diferente do padrão segmentar inespecífico típico da FSGS idiopática.
- Comprometimento túbulo-intersticial: atrofia tubular e fibrose intersticial leve são comuns, com graus moderados e severos sendo raros. Espessamento fibrointimal leve das artérias pode ocorrer em uma minoria dos casos.
Imunofluorescência (IF)
- Deposição de IgM: é o principal critério diagnóstico. A positividade é global e difusa no mesângio, com intensidade de pelo menos 1+ numa escala de 0 a 3+. Em alguns estudos, até mesmo traços de IgM são considerados suficientes para o diagnóstico.
- Imunoglobulinas adicionais: IgA e IgG podem estar presentes, mas geralmente em intensidade traço ou mínima, sem predominância.
- Complemento: fragmentos do complemento, como C3 e C1q, são frequentemente encontrados junto aos depósitos de IgM, sugerindo ativação da via clássica do complemento.
Microscopia Eletrônica (ME)
- Depósitos eletrondensos: pequenos, granulares ou linear-curtos, localizados no mesângio e paramessângio. São de baixa densidade, baixo volume e frequentemente mal definidos.
- Proliferação mesangial e expansão da matriz: comumente observadas, em consonância com os achados da MO.
- Fusão dos processos podocitários: presente em graus variáveis, proporcional à intensidade da proteinúria apresentada pelo paciente.
Manifestações clínicas da Nefropatia por IgM
As manifestações clínicas da nefropatia por IgM (IgMN) são bastante variáveis, o que contribui para a dificuldade de diagnóstico e acompanhamento da doença. Embora possa acometer pessoas de qualquer idade, é mais comum em crianças e adultos jovens, com discreto predomínio no sexo masculino. No entanto, alguns estudos mostram maior frequência em mulheres, especialmente naquelas com hematúria (HU).
O quadro clínico mais frequente é a síndrome nefrótica idiopática (NS), tanto em crianças quanto em adultos. A doença também pode se apresentar com hematúria isolada ou anormalidades urinárias assintomáticas (AUA), embora essas formas sejam menos diagnosticadas, já que não costumam levar à realização de biópsia renal.
Em alguns estudos, quase metade das indicações para biópsia foram por hematúria isolada ou proteinúria associada à hematúria (PU-HU). Pacientes com essas apresentações, especialmente mulheres adultas com HU, tendem a ter um prognóstico mais favorável do que aqueles com NS ou proteinúria isolada.
Em crianças, é mais comum a apresentação como síndrome nefrótica do tipo idiopático, com baixa frequência de HU ou PU-HU. A hipertensão arterial também pode estar presente no início da doença ou surgir com a evolução, sendo observada em até 50% dos pacientes após 15 anos de acompanhamento.
Tratamento da Nefropatia por IgM
O tratamento da nefropatia por IgM (IgMN) ainda é um desafio, principalmente devido à etiologia e fisiopatologia desconhecidas da doença. Não existem ensaios clínicos randomizados que definam uma conduta terapêutica específica para esses pacientes.
Assim, o uso de corticosteroides tornou-se o tratamento de primeira linha, semelhante ao que se adota na doença de lesões mínimas (MCD) ou na glomeruloesclerose segmentar e focal (FSGS) primária.
Entretanto, a resposta aos corticosteroides na IgMN é bastante variável. Estudos relatam taxas de resistência ao tratamento que vão de 0% a 66%, sendo essa última observada em uma coorte da Arábia Saudita.
Uma revisão de nove estudos encontrou uma média de resistência de 28%, e cerca de um terço das crianças com síndrome nefrótica idiopática (INS) também apresentaram resistência aos esteroides. Esses dados indicam que a IgMN tende a responder menos favoravelmente aos corticosteroides do que a MCD, reforçando a hipótese de que se trata de uma entidade distinta.
O uso de imunossupressores como a ciclofosfamida oral tem sido relatado em alguns estudos, com taxas de resposta de até 50%. Já a ciclosporina apresenta dados ainda mais escassos, sendo mencionada apenas em casos isolados, principalmente naqueles com dependência de esteroides.
Em situações de recorrência da doença após transplante renal, o tratamento com anticorpos anti-CD20 (rituximabe), associado à plasmaférese e imunoglobulinas, demonstrou resultados favoráveis.
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Referências
Mubarak M, Kazi JI. IgM nephropathy revisited. Nephrourol Mon. 2012 Fall;4(4):603-8. doi: 10.5812/numonthly.2805. Epub 2012 Sep 24. PMID: 23573499; PMCID: PMC3614302.
Alain Meyrier, MDJai Radhakrishnan, MD, MS. Minimal change disease: Etiology, clinical features, and diagnosis in adults. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
ALMEIDA, Pedro Luís Martins de. Nefropatia IgM: um caso clínico e revisão da literatura. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Medicina) – Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, 2018.