E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a paracoccidioidomicose, uma micose sistêmica endêmica na América Latina, causada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis. A infecção pode acometer pulmões, mucosas, pele e outros órgãos, exigindo atenção especial para o diagnóstico diferencial com tuberculose e neoplasias.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Paracoccidioidomicose
A paracoccidioidomicose (PCM) é uma infecção fúngica sistêmica causada por fungos do gênero Paracoccidioides, que apresentam dimorfismo térmico. É endêmica nas Américas, especialmente em países da América Central e América do Sul, com maior incidência no Brasil, Venezuela e Colômbia.
A doença afeta principalmente os pulmões, mas pode se disseminar para outros órgãos, causando elevada morbidade e mortalidade. Existem duas formas principais de apresentação clínica: a forma aguda/subaguda, mais comum em crianças e jovens, e a forma crônica, predominante em adultos, geralmente com comprometimento pulmonar e mucocutâneo.
O diagnóstico precoce e o tratamento antifúngico adequado são essenciais para reduzir complicações e melhorar o prognóstico.
Etiologia da Paracoccidioidomicose
A paracoccidioidomicose é causada por fungos do gênero Paracoccidioides, pertencente ao filo Ascomycota e à ordem Onygenales. As principais espécies envolvidas são P. brasiliensis e P. lutzii, que pertencem a diferentes linhagens filogenéticas (PS1 a PS4) distribuídas na América do Sul, especialmente no Brasil, Venezuela e Colômbia.
Esses fungos são dimórficos: na forma micelial (22–24 °C), apresentam hifas septadas finas, clamidósporos e conídios; na forma leveduriforme (36–37 °C), exibem células com múltiplos brotamentos em “roda de leme”.
Vivem no solo de regiões úmidas, com florestas, rios, clima ameno e estações chuvosas, sendo comuns em áreas de cultivo de café e tabaco. A infecção ocorre por via inalatória, principalmente em humanos e tatus (Dasypus novemcinctus), que são considerados hospedeiros acidentais. Não há evidência de transmissão entre humanos.
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Epidemiologia
A paracoccidioidomicose (PCM) tem distribuição geográfica restrita à América Central e do Sul, sendo o Brasil responsável por cerca de 80% dos casos registrados. As regiões mais afetadas incluem áreas hiperendêmicas como o oeste da Amazônia e o sudeste de Rondônia, onde a incidência pode chegar a 40 casos por 100 mil habitantes por ano.
A prevalência da infecção latente é elevada, com até 75% de positividade em testes intradérmicos em adultos de áreas endêmicas, embora apenas 1% a 2% desenvolvam a forma clínica da doença. A taxa de mortalidade é inferior a 5%.
A doença afeta principalmente homens adultos (75% a 95% dos casos), o que se atribui à ação protetora dos estrogênios nas mulheres, inibindo a conversão do fungo à forma patogênica. A PCM está fortemente associada a atividades ocupacionais rurais, sobretudo em trabalhadores de lavouras de café e tabaco, além de profissionais expostos a aerossóis com partículas de solo.
Tabagismo e etilismo são fatores de risco importantes, aumentando significativamente a chance de desenvolver a forma crônica da doença. A PCM também pode ocorrer em coinfecção com tuberculose (em até 20% dos casos) e, mais raramente, em pessoas com câncer ou submetidas a transplantes.
Fisiopatologia da Paracoccidioidomicose
A fisiopatologia da paracoccidioidomicose envolve, principalmente, a inalação dos conídios do fungo Paracoccidioides, que ao alcançar os pulmões se transforma em levedura, iniciando uma resposta inflamatória inespecífica. Em casos mais raros, a infecção pode ocorrer por inoculação direta na pele ou mucosa oral, como no uso de gravetos para higiene bucal.
Nos pulmões, a resposta imune inicial envolve neutrófilos e macrófagos alveolares, que formam granulomas, com a gravidade da infecção dependendo da resposta dos linfócitos T auxiliares (TH). Uma resposta do tipo TH1 favorece o controle local da infecção, enquanto uma resposta TH2 está associada à disseminação e pior prognóstico.
A progressão da doença varia conforme a idade e o estado imunológico do hospedeiro. Em crianças, adolescentes e imunocomprometidos, pode evoluir rapidamente para uma forma aguda ou subaguda, com disseminação sistêmica. Já nos adultos, a infecção pode permanecer latente por anos, sendo reativada posteriormente como forma crônica, geralmente com disseminação linfática e hematogênica para outros órgãos.
O pulmão é o órgão mais frequentemente acometido, com manifestações em cerca de 90% dos pacientes com a forma crônica, embora queixas respiratórias nem sempre motivem a consulta inicial. As sequelas pulmonares são comuns, afetando mais da metade dos pacientes nos estágios avançados, podendo comprometer severamente a função respiratória.
Em muitos casos, os pacientes só procuram atendimento médico após o surgimento de lesões extrapulmonares, com destaque para o envolvimento da mucosa oral, pele, glândulas adrenais, ossos longos e sistema nervoso central. O acometimento do SNC pode levar à meningoencefalite, especialmente nos casos disseminados.
Manifestações clínicas da Paracoccidioidomicose
A maioria dos pacientes com paracoccidioidomicose (mais de 95%) apresenta infecção pulmonar assintomática, detectável apenas pelo teste intradérmico com paracoccidioidina. Quando sintomática, a doença se manifesta em duas formas clínicas principais: juvenil (aguda/subaguda) e crônica (adulta).
Forma juvenil (aguda/subaguda)
Presente em cerca de 10% dos casos, ocorre geralmente até 45 dias após a exposição, afetando crianças, adolescentes e adultos jovens (até 30 anos). Os sintomas incluem febre, perda de peso, mal-estar, linfadenomegalias generalizadas com fístulas drenantes, lesões cutâneas múltiplas, hepatomegalia, esplenomegalia e alterações na medula óssea, devido ao envolvimento do sistema reticuloendotelial.
As manifestações respiratórias e mucosas são incomuns nessa forma. Ao exame físico, destacam-se linfonodos aumentados, abscessos e fístulas drenantes. Trata-se da forma mais grave e progressiva da doença.
Forma crônica (adulta)
Corresponde a 80% a 90% dos casos, predominando em homens adultos. Resulta da reativação da infecção primária após meses ou anos, com predominância do acometimento pulmonar, manifestando-se com febre, tosse, dispneia e mal-estar. Cerca de um terço dos pacientes desenvolve sequelas pulmonares, como fibrose, bolhas enfisematosas e hipertensão pulmonar.
Mais de 50% dos casos apresentam disseminação hematogênica, com envolvimento de mucosas, especialmente laringe e faringe, levando a disfonia, disfagia, estridor e placas granulomatosas periorais. Lesões gengivais são frequentes e podem causar perda dentária. Uma manifestação típica é a estomatite de Aguiar-Pupo, caracterizada por erosões orais em aspecto de amora, associadas a úlceras nasais e faríngeas.
Outras manifestações incluem linfadenopatias crônicas cervicais, axilares e inguinais. O envolvimento de linfonodos intra-abdominais pode causar dor abdominal difusa, icterícia por compressão biliar, obstrução intestinal parcial e síndrome de má absorção por fibrose mesentérica.
Lesões cutâneas ocorrem em 25% dos casos, apresentando-se como úlceras, pápulas crostosas, nódulos, placas ou lesões verrucosas, geralmente decorrentes de disseminação hematogênica, embora a inoculação direta também possa ocorrer raramente.
Diagnóstico de Paracoccidioidomicose
O diagnóstico da paracoccidioidomicose é feito por métodos diretos, histopatológicos e sorológicos. A microscopia direta com hidróxido de potássio (KOH) é a principal ferramenta, revelando leveduras de parede espessa com brotamentos múltiplos em “roda de leme” ou “cabeça do Mickey Mouse”, com positividade em até 90% dos casos com lesão supurativa. A cultura em ágar Sabouraud também é possível, mas o crescimento lento (20 a 30 dias) limita sua aplicação prática.
A histopatologia com colorações como PAS e prata metenamina identifica estruturas fúngicas em tecidos, geralmente acompanhadas por granulomas com células gigantes e infiltrado inflamatório. Lesões de pele e mucosa podem apresentar hiperplasia pseudoepiteliomatosa e abscessos intraepidérmicos.
Nos testes sorológicos, a imunodifusão é a mais usada nas áreas endêmicas, com sensibilidade de 84,3% e especificidade de 98,9%, embora possa ser negativa em infecções por P. lutzii. A contraimunoeletroforese oferece boa sensibilidade (77% a 100%) e alta especificidade. Métodos como ELISA e fixação de complemento têm uso limitado por reações cruzadas com outros fungos.
A prova intradérmica apenas indica exposição prévia e não serve para diagnóstico de doença ativa. Em casos agudos, especialmente em crianças, exames laboratoriais gerais podem revelar anemia, eosinofilia, hipergamaglobulinemia e hipoalbuminemia, auxiliando na avaliação clínica.
Tratamento para Paracoccidioidomicose
O tratamento da paracoccidioidomicose (PCM) varia conforme a gravidade do quadro clínico, sendo baseado principalmente no uso de antifúngicos. A escolha da medicação depende da forma clínica da doença, resposta esperada, segurança do fármaco e perfil do paciente.
Itraconazol é o tratamento de primeira escolha para casos leves a moderados. Apresenta alta taxa de eficácia (até 91%) e baixo índice de recaída quando o tratamento é completo. A dose usual é de 100 a 400 mg ao dia por cerca de 6 meses. Em crianças, a dose é de 5 a 10 mg/kg/dia, até o máximo de 200 mg. Deve-se evitar o uso da formulação em cápsula em pacientes que usam medicamentos que reduzem a acidez gástrica, pois isso compromete sua absorção.
Voriconazol mostrou-se tão eficaz quanto o itraconazol em estudos comparativos, sendo administrado inicialmente em dose de ataque (400 mg 2x/dia no 1º dia), seguida de 200 mg 2x/dia. O tratamento costuma durar entre 6 e 12 meses.
Cetoconazol, embora eficaz (cura entre 85% e 90%), caiu em desuso devido ao seu perfil de segurança menos favorável. Ainda assim, pode ser utilizado em doses de 200 a 400 mg/dia por 6 a 18 meses.
Anfotericina B é reservada para casos graves, incluindo formas disseminadas e septicêmicas. A formulação lipídica apresenta melhor tolerabilidade e eficácia superior a 95%. Após a estabilização clínica, recomenda-se transição para itraconazol para reduzir as chances de recaída.
Sulfametoxazol-trimetoprima (SMX-TMP) é uma opção de segunda linha. Apesar de ser amplamente utilizada, apresenta taxa de cura inferior (51%) e demanda tratamento prolongado (cerca de 23 meses).
Sulfadiazina também pode ser usada como alternativa, com doses de até 4 g/dia. A resposta clínica permite redução da dose, sendo o tratamento mantido por 3 a 5 anos. As taxas de recaída podem chegar a 30%.
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Referências
Cordova LA, Torres J. Paracoccidioidomycosis. [Updated 2022 Sep 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www-ncbi-nlm-nih-gov.translate.goog/books/NBK563188/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc
Marcio Nucci, MDArnaldo Lopes Colombo, MD. Clinical manifestations and diagnosis of acute/subacute paracoccidioidomycosis. UpToDate, 2024. Disponível: UpToDate