E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Alport, uma doença genética caracterizada por nefropatia progressiva, perda auditiva neurossensorial e alterações oculares.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos sobre essa condição rara, mas de grande relevância clínica, promovendo diagnósticos mais precoces e condutas mais eficazes.
Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Alport
A síndrome de Alport é uma doença hereditária causada por mutações nos genes COL4A3, COL4A4 e COL4A5, que codificam as cadeias alfa do colágeno tipo 4. Esse tipo de colágeno é essencial para a estrutura e a função adequada das membranas basais dos rins, ouvidos e olhos. A forma mais comum de herança é ligada ao cromossomo X, mas também existem formas autossômicas dominantes e recessivas.
Trata-se de uma condição progressiva, com impacto significativo na função renal ao longo do tempo. Sua evolução pode comprometer seriamente a qualidade de vida, exigindo acompanhamento contínuo e estratégias terapêuticas específicas para retardar as complicações. O cuidado com esses pacientes envolve uma abordagem integrada, que considera as particularidades genéticas e clínicas da doença.
Etiologia da Síndrome de Alport
A síndrome de Alport é causada por mutações nos genes responsáveis pela produção das cadeias alfa-3, alfa-4 e alfa-5 do colágeno tipo IV, componente essencial das membranas basais dos rins, ouvidos e olhos. Essas mutações afetam diretamente a integridade estrutural desses tecidos e levam à progressão da doença ao longo do tempo.
A forma mais comum de herança é ligada ao cromossomo X (XLAS), responsável por cerca de 80% dos casos, e resulta de mutações no gene COL4A5. Nessas situações, é frequente que homens apresentem perda auditiva ainda na adolescência, devido à gravidade da mutação herdada.
Além da forma ligada ao X, a síndrome pode ocorrer por herança autossômica recessiva (ARAS) ou autossômica dominante (ADAS), ambas associadas a mutações nos genes COL4A3 ou COL4A4. A forma ARAS representa aproximadamente 10 a 15% dos casos, enquanto a forma ADAS é mais rara.
Mais de 300 mutações já foram identificadas no gene COL4A5 em famílias com XLAS. A maioria consiste em mutações pontuais, como alterações em sítios de splicing, mutações missense e pequenas deleções (menores que 10 pares de bases).
Cerca de 20% das mutações são deleções de médio ou grande porte. Um subtipo específico de deleção envolvendo os genes COL4A5 e COL4A6 pode resultar na associação entre XLAS e leiomiomatose do esôfago, trato genital feminino e vias respiratórias.
Nas formas autossômicas, mutações nos genes COL4A3 e COL4A4 incluem deleções com mudança de quadro de leitura, substituições de aminoácidos, mutações missense, alterações de splicing e deleções in-frame. Essas variantes também comprometem a formação adequada da rede de colágeno tipo IV, levando às manifestações características da doença.
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Fisiopatologia da Síndrome de Alport
A fisiopatologia da síndrome de Alport envolve a produção anormal da rede de colágeno tipo IV α3α4α5, essencial para a integridade das membranas basais do glomérulo, da cóclea e do olho. Essa deficiência resulta de mutações nos genes COL4A3, COL4A4 ou COL4A5, dependendo do padrão de herança (ligado ao X, autossômico recessivo ou dominante).
Durante o desenvolvimento renal, ocorre uma troca natural das cadeias α1 e α2 por α3, α4 e α5 na membrana basal glomerular (MBG). Em pacientes com Alport, essa transição é interrompida, levando à persistência da forma imatura da MBG, mais vulnerável a lesões por enzimas proteolíticas, inflamação, fibrose túbulo-intersticial e progressão para doença renal terminal.
A forma autossômica dominante (ADAS), antes considerada rara, tem sido cada vez mais reconhecida com o avanço do sequenciamento genético, apresentando evolução mais lenta e menos manifestações extrarrenais que a forma ligada ao X (XLAS).
Após o transplante renal, pacientes com Alport podem desenvolver nefrite anti-MBG, pois o rim transplantado expressa as cadeias normais de colágeno ausentes nos rins nativos. Os anticorpos formados contra essas cadeias provocam glomerulonefrite rapidamente progressiva. Essa condição geralmente é resistente à plasmaférese e imunossupressores, embora haja casos de resposta favorável ao uso de imunoglobulina intravenosa.
Manifestações clínicas da Síndrome de Alport
As manifestações clínicas da síndrome de Alport variam conforme o padrão de herança, sendo mais clássicas e severas nos homens com a forma ligada ao X. O quadro típico inclui doença glomerular progressiva, que evolui para insuficiência renal, perda auditiva neurossensorial bilateral e alterações oculares características, além de histórico familiar positivo com hematuria e insuficiência renal em parentes do sexo masculino e hematuria em parentes do sexo feminino.
Manifestações renais
O primeiro sinal renal é a hematúria microscópica persistente, geralmente presente desde a infância e muitas vezes assintomática, detectada em triagens ou exames realizados por outras razões. Hematúria macroscópica pode ocorrer, especialmente após infecções respiratórias, sendo recorrente na infância.
A creatinina sérica e a pressão arterial costumam estar normais no início, mas com o tempo desenvolvem-se proteinúria, hipertensão e insuficiência renal progressiva. A insuficiência renal terminal ocorre geralmente entre os 16 e 35 anos nas formas ligada ao X e autossômica recessiva, enquanto na forma autossômica dominante a progressão tende a ser mais lenta, com insuficiência tardia, entre 45 e 70 anos.
Em mulheres portadoras da forma ligada ao X, episódios recorrentes de hematúria macroscópica, proteinúria, perda auditiva e alterações da membrana basal glomerular estão associados a maior gravidade e evolução mais precoce para insuficiência renal.
Perda auditiva
A perda auditiva neurossensorial bilateral é comum nas formas ligada ao X e autossômica recessiva, iniciando-se tipicamente nas frequências agudas e progredindo ao longo do tempo. Em estudos, cerca de 85% dos homens afetados e 18% das mulheres heterozigotas apresentam perda auditiva já aos 15 anos. A perda auditiva geralmente acompanha a progressão da insuficiência renal, embora a surdez total e refratária a aparelhos auditivos seja incomum.
Manifestações oculares
Diversas alterações oculares são descritas, envolvendo lente, retina e córnea:
- Lente: O lenticono anterior, uma protrusão cônica da face anterior da lente devido ao afinamento da cápsula, ocorre em 20 a 30% dos homens com forma ligada ao X e é considerado patognomônico. Pode ser acompanhado por catarata subcapsular, levando à redução da acuidade visual.
- Retina: Alterações retinianas, geralmente assintomáticas, consistem em granulações brancas ou amareladas ao redor da fóvea (retinopatia em pontos e manchas), presentes quando há lenticono anterior e específicas da síndrome. Alguns pacientes podem desenvolver buracos maculares com perda visual.
- Córnea: Pode haver distrofia polimorfa posterior e erosões recorrentes, causando dor ocular intensa.
Leiomiomatose
Leiomiomas benignos, caracterizados por crescimento excessivo do músculo liso visceral, ocorrem em 2 a 5% dos pacientes com síndrome de Alport ligada ao X que apresentam microdeleção cromossômica envolvendo os genes COL4A5 e COL4A6. Essas lesões acometem principalmente trato respiratório, gastrointestinal e sistema reprodutor feminino.
Doença arterial
Há relatos de aneurismas da aorta torácica e abdominal em homens jovens com a síndrome, além de um caso isolado de aneurisma intracraniano.
Diagnóstico da Síndrome de Alport
O diagnóstico da síndrome de Alport baseia-se na suspeita clínica em pacientes com hematúria microscópica persistente, geralmente antes dos 10 anos, associada a proteinúria, alterações renais e manifestações auditivas e oculares. A urina apresenta sangue e proteínas, e a presença de acantócitos na microscopia urinária reforça a suspeita.
A biópsia renal é indicada diante de alterações urinárias ou renais, podendo revelar alterações características na membrana basal glomerular (MBG). Quando essas alterações não são evidentes, a imunomarcação das cadeias alfa-3, alfa-4 e alfa-5 do colágeno tipo IV auxilia no diagnóstico.
Avaliações otorrinolaringológica e oftalmológica são fundamentais para identificar perda auditiva em altas frequências e alterações oculares, como o lenticono anterior.
Os testes genéticos, especialmente por sequenciamento de nova geração, confirmam o diagnóstico, identificam a mutação e o padrão de herança, sendo indicados principalmente em casos sem histórico familiar. Em famílias com casos conhecidos, recomenda-se teste direcionado ao gene afetado.
Como alternativa menos invasiva, a biópsia de pele com imunomarcação para a cadeia alfa-5 pode ser realizada em suspeita de forma ligada ao X.
Tratamento da Síndrome de Alport
ratamento da Síndrome de Alport
Não existe tratamento específico para a síndrome de Alport; o foco é retardar a progressão da proteinúria e da doença renal crônica.
- Medicações principais:
- Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA) são usados para controlar proteinúria, hipertensão e preservar a função renal;
- Diuréticos podem ser adicionados conforme a gravidade da proteinúria.
- Estudos mostram que iniciar BRA mesmo com função renal normal pode atrasar a evolução para insuficiência renal terminal;
- A combinação de BRA, IECA, estatinas e bloqueadores de canais de cálcio não di-hidropiridínicos pode melhorar o controle da pressão arterial, proteinúria e dislipidemia, retardando a progressão;
- Ramipril, em estudo com crianças, reduziu em cerca de 50% o risco de progressão da doença;
- Ciclosporina não apresenta benefício e não é recomendada.
- Tratamento das manifestações associadas:
- Para o lenticono anterior, a facoemulsificação com implante de lente intraocular é indicada;
- Para perda auditiva, aparelhos auditivos costumam ser eficazes, pois o transplante renal não altera essa condição.
- Transplante renal:
- É indicado e não contraindicado, pois a doença primária não recorre no rim transplantado;
- Cerca de 3% dos pacientes com forma ligada ao X podem desenvolver nefrite anti-membrana basal glomerular (anti-GBM) pós-transplante, que pode levar à perda do enxerto;
- O tratamento para essa nefrite inclui plasmaférese, ciclofosfamida e metilprednisolona, mas com eficácia limitada;
- Pacientes com forma autossômica dominante não apresentam risco aumentado para essa complicação.
- Suporte psicossocial:
- Fundamental para o manejo integral dos pacientes e suas famílias.
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Referências
Clifford E Kashtan, MD. Clinical manifestations, diagnosis, and treatment of Alport syndrome (hereditary nephritis). UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Watson S, Padala SA, Hashmi MF, et al. Alport Syndrome. [Updated 2023 Aug 14]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470419/