E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a síndrome de Gilbert, uma condição hepática benigna e relativamente comum.
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Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Gilbert
A síndrome de Gilbert é uma condição genética benigna caracterizada por uma disfunção no metabolismo da bilirrubina, um pigmento amarelo resultante da degradação da hemoglobina presente nos glóbulos vermelhos.
Essa disfunção ocorre devido à redução da atividade da enzima UGT1A1 (uridina difosfato-glucuronosiltransferase), responsável pela conjugação da bilirrubina no fígado, o que leva ao acúmulo de bilirrubina não conjugada no sangue.
A condição é geralmente assintomática, embora possa causar episódios de icterícia leve, principalmente durante situações que aumentam o nível de bilirrubina, como jejum prolongado, estresse, esforço físico excessivo, infecções ou ciclos menstruais.
Apesar da alteração bioquímica, a síndrome de Gilbert não costuma estar associada a danos hepáticos graves ou outras complicações significativas, sendo considerada uma condição clínica branda.
A síndrome de Gilbert é frequentemente diagnosticada na adolescência ou na idade adulta jovem e pode ser identificada por exames laboratoriais que mostram hiperbilirrubinemia isolada, sem outras alterações hepáticas.
Por ser hereditária, a condição pode afetar diferentes membros de uma mesma família, mas não interfere de forma relevante na qualidade de vida ou na expectativa de vida dos indivíduos acometidos.
Epidemiologia da Síndrome de Gilbert
A síndrome de Gilbert é o distúrbio hereditário mais comum relacionado à glucuronidação da bilirrubina, com prevalência estimada entre 5% e 14% da população geral, dependendo da população estudada. A condição é mais frequentemente diagnosticada em homens, o que pode estar relacionado à maior produção diária de bilirrubina nesses indivíduos em comparação com mulheres.
Os sintomas geralmente surgem na adolescência ou início da idade adulta, entre os 20 e 30 anos, período em que alterações nos hormônios sexuais podem interferir no metabolismo da bilirrubina, levando ao aumento das concentrações plasmáticas dessa substância. É incomum que a síndrome de Gilbert seja diagnosticada antes da puberdade, devido à ausência de fatores desencadeantes hormonais nesse período.
A síndrome de Gilbert é uma condição hereditária, transmitida de pais para filhos, frequentemente de forma autossômica recessiva. Apesar de sua alta prevalência, a condição é frequentemente subdiagnosticada, já que a maioria dos casos é assintomática ou apresenta apenas episódios leves de icterícia.
Componente genético
A síndrome de Gilbert é causada por um defeito genético na região promotora do gene UGT1A1, responsável pela produção da enzima uridina difosfoglucuronato-glucuronosiltransferase 1A1 (UGT1A1). Essa enzima medeia a glucuronidação da bilirrubina, tornando-a solúvel em água e permitindo sua excreção.
Pacientes com síndrome de Gilbert apresentam uma mutação no elemento TATAA da região promotora, onde a sequência normal A[TA]6TAA é substituída por A[TA]7TAA (variante UGT1A1*28), resultando em menor produção da enzima.
A condição é herdada de forma autossômica recessiva, manifestando-se em indivíduos homozigotos para a variante. Apesar disso, heterozigotos também podem apresentar níveis ligeiramente elevados de bilirrubina.
Nem todos os homozigotos desenvolvem hiperbilirrubinemia, indicando que outros fatores genéticos ou ambientais influenciam o fenótipo. Além disso, variantes diferentes da região promotora, como ocorre em populações japonesas, também podem causar a síndrome.
Casos raros de hiperbilirrubinemia grave podem surgir devido à combinação de variantes de Gilbert com mutações relacionadas à síndrome de Crigler-Najjar, uma condição mais severa.
Manifestações clínicas da Síndrome de Gilbert
As manifestações clínicas da síndrome de Gilbert geralmente são leves e intermitentes.
- Icterícia intermitente: Coloração amarelada da esclera, frequentemente visível durante episódios de aumento da bilirrubina.
- Sintomas inespecíficos: Alguns pacientes podem relatar mal-estar, desconforto abdominal ou fadiga, embora a relação com os níveis de bilirrubina seja incerta.
- Assintomáticos na maior parte do tempo: Muitos pacientes não apresentam sintomas, exceto durante episódios de icterícia.
- Exame físico normal: Fora dos episódios de icterícia, o exame físico é frequentemente sem alterações, já que os níveis de bilirrubina raramente são elevados o suficiente para causar sinais clínicos.
- Diarreia leve intermitente: Pode ocorrer devido à hiperbilirrubinemia, embora não seja um sintoma comum em todos os pacientes.
Diagnóstico da Síndrome de Gilbert
O diagnóstico da síndrome de Gilbert envolve a suspeita clínica e a exclusão de outras condições que podem causar aumento da bilirrubina não conjugada. A seguir estão os principais pontos relacionados ao diagnóstico:
Diagnóstico presuntivo
A síndrome de Gilbert deve ser considerada em indivíduos com hiperbilirrubinemia não conjugada leve, especialmente se provocada por fatores como desidratação, jejum, doenças intercorrentes, estresse ou esforço excessivo, sem sinais de doença hepática evidente ou hemólise. As características típicas para suspeita incluem:
- Hiperbilirrubinemia não conjugada: níveis de bilirrubina total abaixo de 4 mg/dL em testes repetidos.
- Hemograma normal: sem sinais de anemia ou hemólise, como uma contagem normal de reticulócitos e esfregaço sanguíneo sem alterações.
- Exames hepáticos normais: concentrações normais de aminotransferases plasmáticas (AST, ALT) e fosfatase alcalina, indicando que o fígado não está envolvido com processos patológicos evidentes.
Diagnóstico definitivo
O diagnóstico é confirmado em pacientes que continuam com exames laboratoriais normais, além do aumento da bilirrubina plasmática, durante um período de 12 a 18 meses. Caso haja incerteza no diagnóstico, teste genético pode ser realizado para confirmar a síndrome de Gilbert, detectando mutações no gene UGT1A1. O teste genético está disponível em alguns laboratórios clínicos.
Exames laboratoriais
- Bilirrubina não conjugada elevada: a bilirrubina total é predominantemente não conjugada, com valores geralmente abaixo de 4 mg/dL, e a bilirrubina conjugada representando menos de 20% da fração total.
- Hemograma completo normal: não há sinais de anemia ou hemólise significativa.
- Aminotransferases normais: as enzimas hepáticas, como AST e ALT, não estão elevadas, indicando ausência de lesão hepática significativa.
- Fosfatase alcalina normal: os níveis de fosfatase alcalina não estão alterados, o que é um indicativo de que não há obstrução biliar ou hepatopatia.
Exame hepático
- Biópsia hepática: não é necessária para o diagnóstico da síndrome de Gilbert, pois o fígado é normal em termos histopatológicos, com apenas acúmulo inespecífico de pigmento lipofuscina nas zonas centrolobulares.
- Microscopia eletrônica: pequenas anormalidades podem ser observadas, mas não são necessárias para o diagnóstico.
Testes provocativos
Embora não sejam rotineiramente realizados na prática clínica, alguns testes provocativos podem ser usados para reforçar o diagnóstico:
- Dieta com baixo teor de lipídios (400 kcal) pode induzir um aumento na bilirrubina plasmática em pacientes com síndrome de Gilbert.
- Administração de ácido nicotínico intravenoso pode também aumentar os níveis de bilirrubina em pacientes com a condição.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da síndrome de Gilbert inclui outros distúrbios que podem causar hiperbilirrubinemia não conjugada isolada, como:
- Anemia hemolítica: causada por destruição excessiva de glóbulos vermelhos.
- Medicamentos: certos medicamentos, como rifampicina e probenecida, podem prejudicar a captação hepática de bilirrubina.
- Mutação estrutural do tipo Crigler-Najjar: pacientes com essa condição apresentam níveis de bilirrubina mais elevados, geralmente acima de 4 mg/dL, e podem ter hemólise associada.
- Distúrbios hepáticos complexos: hepatite ou cirrose podem afetar a metabolização da bilirrubina e resultar em acúmulo de bilirrubina conjugada e não conjugada, com elevação das enzimas hepáticas.
Manejo da Síndrome de Gilbert
O tratamento da síndrome de Gilbert é, na maioria das vezes, não específico, já que a condição é benigna e não costuma causar complicações graves. Não há necessidade de terapias específicas para os pacientes, sendo o foco do manejo a educação sobre a condição e a evitação de fatores precipitantes.
É importante que os pacientes evitem situações que possam exacerbar os sintomas, como desidratação, jejum prolongado, doenças intercorrentes, esforço excessivo e estresse. Além disso, devido ao risco de toxicidade medicamentosa, os pacientes devem ser orientados a usar medicamentos com cautela, especialmente aqueles que podem interagir com o metabolismo da bilirrubina.
Em relação aos medicamentos, há algumas considerações importantes. O uso de corticoides pode aumentar a captação hepática de bilirrubina, o que pode resultar na normalização das concentrações plasmáticas de bilirrubina em uma a duas semanas.
Medicamentos como fenobarbital e clofibrato, que induzem a atividade das enzimas hepáticas, também podem contribuir para a normalização dos níveis de bilirrubina, devido ao aumento da atividade da bilirrubina-UGT. Esses tratamentos são eficazes para a gestão da síndrome de Gilbert em casos específicos, embora a intervenção terapêutica seja rara.
Por outro lado, a síndrome de Gilbert pode interferir no metabolismo de medicamentos que requerem glucuronidação mediada por bilirrubina-UGT, como o irinotecano, um medicamento quimioterápico. A deficiência na glucuronidação desse fármaco pode aumentar o risco de toxicidade, com efeitos adversos como diarreia e neutropenia.
Medicamentos como paracetamol e tolbutamida, que também dependem dessa mesma via de metabolização, não apresentam, porém, evidências claras de que sua eficácia ou toxicidade seja significativamente alterada em pacientes com síndrome de Gilbert. Por isso, a evitação desses medicamentos não é recomendada.
Além disso, alguns medicamentos podem inibir a atividade da bilirrubina-UGT, o que leva ao aumento temporário da hiperbilirrubinemia. Quando esses medicamentos são descontinuados, a condição tende a melhorar rapidamente.
No entanto, a interrupção do uso desses fármacos não é necessária a menos que haja efeitos colaterais significativos. Exemplos incluem atazanavir, ribavirina, pazopanib, sunitinib e lenalidomida. O manejo da síndrome de Gilbert, portanto, envolve um acompanhamento contínuo, a modulação do uso de medicamentos e a educação para evitar os fatores que podem piorar a condição.
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Referências
Jayanta Roy-Chowdhury, MD, MRCP, AGAF, FAASLDNamita Roy-Chowdhury, PhD,. Gilbert syndrome. UpToDate,2023. Disponível em: UpToDate