E aí, doc! Vamos explorar mais um tema importante? Hoje o foco é a Síndrome de Takotsubo, uma condição cardíaca que pode imitar um infarto do miocárdio, mas sem obstrução nas artérias coronárias. Ela está associada a estresse intenso, levando a uma disfunção temporária do coração.
O Estratégia MED está aqui para simplificar esse conceito e te ajudar a integrar esse conhecimento na prática clínica, melhorando seu diagnóstico e manejo de pacientes.
Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Takotsubo
A síndrome de Takotsubo, também conhecida como cardiomiopatia induzida por estresse, síndrome do coração partido, apical ballooning ou cardiomiopatia de Takotsubo, é uma condição caracterizada por disfunção sistólica regional transitória, principalmente do ventrículo esquerdo (VE), que imita o infarto do miocárdio (IM), mas sem evidências angiográficas de doença arterial coronariana obstrutiva ou ruptura aguda de placa.
Na maioria dos casos, a anomalia do movimento da parede regional se estende além do território perfundido por uma única artéria coronária epicárdica. O termo “takotsubo” deriva do nome japonês para uma armadilha de polvo, que possui uma forma semelhante ao balonamento apical sistólico do VE, observado na forma mais comum e típica da doença, onde os segmentos médio e apical do VE são hipoquênicos/acinéticos, enquanto as paredes basais apresentam hiperquinesia.
Epidemiologia da Síndrome de Takotsubo
A síndrome de Takotsubo foi descrita pela primeira vez no Japão em 1990 e tem sido cada vez mais reconhecida em todo o mundo. Ela ocorre em aproximadamente 1 a 2% dos pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA) ou infarto do miocárdio com elevação de ST, com uma prevalência de 1,2% em um registro de 3265 pacientes.
A condição é mais comum em mulheres, representando 80 a 100% dos casos, e afeta predominantemente adultos mais velhos, com a média de idade variando entre 61 e 76 anos em diferentes estudos.
A síndrome de Takotsubo também pode ocorrer em pessoas expostas a estresse físico ou emocional, embora a incidência exata não seja bem conhecida.
Patogênese da Síndrome de Takotsubo
A patogênese da síndrome de Takotsubo não é completamente compreendida, mas várias hipóteses são propostas. Um dos principais mecanismos é o excesso de catecolaminas, que pode causar vasoconstrição microvascular e toxicidade miocárdica direta, levando a um quadro de stun miocárdico.
Estudos mostram que níveis elevados de norepinefrina são comuns em pacientes com a síndrome, com evidências de disfunção miocárdica associada ao excesso de catecolaminas. No entanto, nem todos os pacientes apresentam níveis elevados, sugerindo que a resposta ao estresse pode variar.
A disfunção coronária também é implicada, embora as arteriografias geralmente não mostrem lesões obstrutivas significativas. Em alguns casos, há espasmo coronário multifocal e alterações na perfusão miocárdica, que se resolvem com a recuperação da função ventricular. Além disso, alguns pacientes apresentam obstrução dinâmica do trato de saída do ventrículo esquerdo, o que pode contribuir para a disfunção apical.
Estudos histológicos mostram sinais de toxicidade das catecolaminas, como vacúolos intracelulares, alteração na estrutura do citoesqueleto e necrose por contração, que desaparecem com a recuperação funcional. No caso de lesões apicais no VE, é sugerido que a maior densidade de receptores beta-adrenérgicos nessa área contribua para a maior vulnerabilidade ao estresse.
Além disso, fatores predisponentes como distúrbios psiquiátricos ou neurológicos, incluindo transtornos de ansiedade, depressão e doenças neurológicas, estão associados ao aumento do risco de desenvolvimento da síndrome de Takotsubo.
Isso pode envolver disfunções no sistema nervoso autônomo, refletindo em uma resposta exacerbada ao estresse emocional ou físico. Essas anomalias cerebrais podem ser detectadas em estudos de imagem, como a tomografia por emissão de pósitrons, que mostram aumento da atividade da amígdala, uma região associada à resposta emocional ao estresse.
Manifestações clínicas da Síndrome de Takotsubo
As manifestações clínicas da síndrome de Takotsubo são frequentemente semelhantes às de um síndrome coronariana aguda (SCA), incluindo infarto com elevação do segmento ST, infarto sem elevação do segmento ST ou angina instável.
As principais manifestações incluem dor torácica, dispneia e síncope. A dor torácica, localizada no esterno, é o sintoma mais comum, sendo observada em 75,9% dos pacientes em um estudo internacional. A dispneia e a síncope também são comuns, aparecendo em 46,9% e 7,7%, respectivamente.
Além desses sintomas, alguns pacientes desenvolvem sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, como edema, dispneia, ou sinais de choque cardiogênico, com hipotensão, alteração no estado mental, extremidades frias, oligúria ou dificuldade respiratória.
A obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, induzida pela hiperquinésia basal do ventrículo esquerdo, pode produzir um murmúrio sistólico tardio, semelhante ao ouvido na cardiomiopatia hipertrófica, e contribuir para o desenvolvimento de choque e regurgitação mitral significativa.
Cerca de 10% dos pacientes com síndrome de Takotsubo apresentam sinais de choque cardiogênico. Também podem ocorrer arritmias, como taquiarritmias ventriculares (taquicardia ventricular e fibrilação ventricular), bradiarritmias e até parada cardíaca súbita. Há ainda o risco de trombo apical, que pode levar a acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório devido à embolização.
O quadro clínico pode ser desencadeado por estresse emocional ou físico intenso, como perda de entes queridos, abusos domésticos, diagnósticos médicos catastróficos, perdas financeiras, desastres naturais ou doenças agudas. Além disso, pacientes com distúrbios psiquiátricos ou neurológicos têm maior predisposição para desenvolver a síndrome.
Testes realizados para auxiliar o diagnóstico
Os testes realizados na síndrome de Takotsubo são essenciais para o diagnóstico, pois a condição pode mimetizar um infarto do miocárdio (IM), e os exames ajudam a diferenciar uma da outra. Abaixo estão os principais testes realizados:
Eletrocardiograma (ECG)
O eletrocardiograma é um exame fundamental, pois pode revelar várias anomalias típicas da síndrome de Takotsubo. As descobertas mais comuns incluem:
- Elevação do segmento ST: Frequentemente observada em 43,7% dos pacientes, especialmente nas derivações pré-cordiais anteriores, podendo imitar um infarto com elevação do segmento ST.
- Depressão do segmento ST: Menos comum, observada em cerca de 7,7% dos pacientes.
- Outras alterações incluem prolongamento do intervalo QT, inversão da onda T, ondas Q anormais, e outras alterações inespecíficas.
Biomarcadores Cardíacos
- Troponina cardíaca de alta sensibilidade: A troponina é um biomarcador crucial para a detecção de danos cardíacos. Na síndrome de Takotsubo, os níveis de troponina estão elevados em todos os pacientes, com a mediana sendo 7,7 vezes superior ao limite superior do normal no Registro Internacional Takotsubo.
- Peptídeo natriurético cerebral (BNP): A concentração de BNP é frequentemente elevada na síndrome de Takotsubo, em até 82,9% dos pacientes. O BNP é um marcador utilizado para avaliar a insuficiência cardíaca. Na síndrome de Takotsubo, os níveis podem ser mais elevados do que em pacientes com síndrome coronária aguda, indicando a presença de estresse no coração.
Imagens cardiovasculares
- Angiografia coronária: A angiografia coronária é crucial para excluir a possibilidade de infarto do miocárdio. Pacientes com síndrome de Takotsubo apresentam ausência de obstruções coronárias significativas, o que ajuda a diferenciá-la do infarto do miocárdio.
- Imagem de perfusão miocárdica com radionuclídeos: Embora geralmente não seja indicada na maioria dos pacientes com síndrome de Takotsubo devido à elevada probabilidade de síndrome coronária aguda, pode ser utilizada para observar anomalias de perfusão transitórias, principalmente no ápice do ventrículo esquerdo, que são características dessa síndrome.
Ecocardiograma
Um ecocardiograma é frequentemente realizado para avaliar a função ventricular e identificar a característica principal da síndrome de Takotsubo, que é a disfunção do ventrículo esquerdo (VE), com uma movimentação anômala da parede apical ou média do VE. O ventrículo esquerdo pode ter uma aparência semelhante a uma câmara de polvo (daí o nome “takotsubo”, que significa “armadilha para polvo” em japonês). Essa disfunção geralmente é reversível, e a função do ventrículo esquerdo pode melhorar em questão de dias a semanas.
Ressonância Magnética Cardíaca (RMC)
Embora não seja sempre necessária, a ressonância magnética cardíaca pode ser útil para confirmar a presença de edema miocárdico e lesões no músculo cardíaco, ajudando a diferenciar a síndrome de Takotsubo de outras condições cardíacas, como infarto com obstrução coronária.
Exames laboratoriais
Além dos biomarcadores cardíacos, outros exames laboratoriais podem ser realizados para avaliar a função renal, níveis de eletrólitos e outros parâmetros, especialmente se houver complicações como choque cardiogênico ou insuficiência renal associada.
Esses exames são fundamentais para o diagnóstico preciso da síndrome de Takotsubo e para garantir que a condição seja diferenciada de outras patologias cardíacas graves, como o infarto do miocárdio.
Diagnóstico de Síndrome de Takotsubo
O diagnóstico da síndrome de Takotsubo, também conhecida como cardiomiopatia induzida por estresse, baseia-se em uma combinação de achados clínicos, laboratoriais e de imagem.
Ele deve ser considerado especialmente em mulheres pós-menopáusicas que se apresentam com sintomas sugestivos de síndrome coronariana aguda (SCA), como dor torácica ou dispneia, associados a alterações eletrocardiográficas e/ou elevação de troponina, sem obstrução coronariana significativa.
Critérios diagnósticos da Mayo Clinic (todos devem estar presentes):
- Disfunção sistólica transitória do ventrículo esquerdo, com acinesia, hipocinesia ou discinesia, envolvendo segmentos que geralmente se estendem além da distribuição de uma única artéria coronária.
- Ausência de doença coronariana obstrutiva significativa ou evidência de ruptura aguda de placa na angiografia.
- Novas alterações eletrocardiográficas, como elevação do segmento ST e/ou inversão de onda T, ou elevação modesta de troponina.
- Ausência de feocromocitoma e miocardite.
Exames utilizados no diagnóstico:
- Eletrocardiograma (ECG): pode mostrar elevação de ST ou inversão de ondas T, mas de forma desproporcional ao grau de lesão miocárdica.
- Dosagem de troponina: elevação modesta, em geral inferior à observada nos infartos típicos.
- Ecocardiograma ou ventriculografia: identifica anormalidades segmentares da motilidade da parede do ventrículo esquerdo, como balonamento apical (tipo mais comum), disfunção de segmentos médios, basais ou focais.
- Angiografia coronária: importante para excluir doença coronariana obstrutiva. A maioria dos pacientes apresenta coronárias normais ou com aterosclerose não obstrutiva.
- Ressonância magnética cardíaca (CMR): útil para diferenciar Takotsubo de infarto e miocardite. Mostra ausência de realce tardio com gadolínio, o que diferencia da necrose do miocárdio. Pode revelar edema miocárdico nas regiões afetadas e detectar trombos intracavitários.
Outras ferramentas diagnósticas:
- Tomografia computadorizada de coronárias: alternativa em casos com contraindicação à angiografia invasiva.
- PET scan: ainda pouco utilizado, mas pode mostrar descompasso entre fluxo normal e metabolismo glicídico reduzido nas áreas disfuncionais.
A exclusão de infarto agudo do miocárdio é essencial no diagnóstico inicial, sendo a angiografia fundamental nesse processo. A recuperação da função ventricular ao longo dos dias ou semanas seguintes também reforça o diagnóstico de síndrome de Takotsubo.
Tratamento da Síndrome de Takotsubo
O tratamento da síndrome de Takotsubo, também conhecida como cardiomiopatia por estresse, é geralmente de suporte, considerando seu caráter transitório e reversível na maioria dos casos. A abordagem terapêutica pode variar conforme a gravidade da apresentação clínica, especialmente na presença de complicações como choque cardiogênico ou insuficiência cardíaca aguda.
Tratamento inicial e suporte geral
Na maioria dos pacientes, a melhora clínica ocorre com o tratamento conservador e a resolução do fator estressor físico ou emocional. Medicamentos utilizados em casos de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER), como beta-bloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) e diuréticos, são comumente empregados, desde que o paciente esteja hemodinamicamente estável e sem obstrução significativa da via de saída do ventrículo esquerdo (LVOT).
Choque e hipotensão
Cerca de 5 a 10% dos pacientes podem evoluir com choque cardiogênico, sendo fundamental avaliar a presença de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo por meio de ecocardiografia urgente, já que o manejo difere nesses casos:
- Sem obstrução de LVOT: É possível realizar reanimação volêmica cautelosa e, se necessário, uso temporário de inotrópicos como dobutamina ou dopamina, apesar do potencial efeito adverso desses agentes devido ao excesso de catecolaminas envolvido na fisiopatologia da síndrome.
- Com obstrução de LVOT: Inotrópicos devem ser evitados, pois agravam a obstrução. O tratamento envolve beta-bloqueadores para reduzir a contratilidade e o gradiente de obstrução, além de manobras para aumentar a pré-carga (elevação das pernas, hidratação venosa). Em casos graves, pode-se utilizar com cautela um agonista alfa-adrenérgico como a fenilefrina e, se necessário, considerar balão intra-aórtico (IABP).
Insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca aguda deve ser tratada conforme os protocolos habituais, com oxigênio suplementar, ventilação assistida se indicada e diuréticos em casos de sobrecarga de volume. Porém, vasodilatadores e depleção volêmica devem ser evitados se houver LVOT obstruído.
Anticoagulação
Embora a incidência de trombo intraventricular seja baixa (cerca de 1,3%), pacientes com disfunção sistólica grave ou trombo detectado devem receber anticoagulação com varfarina por aproximadamente três meses, ajustando-se conforme a recuperação da função ventricular. Em casos com fração de ejeção <30%, anticoagulação pode ser indicada mesmo sem trombo visível, desde que o risco de sangramento seja baixo.
De olho na prova!
SP – Hospital Sírio-Libanês – HSL – 2022 – Residência (Acesso Direto)
A síndrome de Takotsubo, ou miocardiopatia de estresse, apresenta, como uma de suas características:
A) dilatação lenta e progressiva de ventrículo esquerdo em pacientes jovens submetidos a situações crônicas de estresse profissional ou emocional.
B) formação de aneurisma de ventrículo esquerdo em mulheres na pós-menopausa, com doença arterial coronária assintomática.
C) simular clinicamente infarto agudo do miocárdio, mas sem elevação de troponina.
D) ausência de evidência angiográfica de ruptura aguda de placa coronária com trombose.
E) formação aguda de aneurisma ventricular esquerdo por infarto do miocárdio, com confirmação angiográfica de doença arterial coronária obstrutiva.
Comentário da questão:
Gabarito: ALTERNATIVA D.
Comentário.
A cardiomiopatia de Takotsubo ou cardiopatia induzida por estresse ou síndrome do coração partido apresenta-se como um infarto agudo do miocárdio, com direito à dor torácica, alteração de biomarcadores cardíacos e até supra de ST no eletrocardiograma. Sendo assim, inicialmente, deve ser abordada seguindo o mesmo protocolo das síndromes coronarianas agudas. A diferença é que no Takotsubo não veremos obstruções coronarianas ao cateterismo cardíaco. Portanto, não se deve realizar trombólise nesses casos.
O quadro clínico pode incluir também dispneia, palpitações e síncope. Em alguns casos, a apresentação é dramática, com choque cardiogênico, edema agudo de pulmão e morte súbita.
Nessa doença, ocorre uma disfunção sistólica transitória, mais classicamente, dos segmentos medioapicais do ventrículo esquerdo, com uma hipercontratilidade compensatória dos segmentos basais. Esse padrão de acometimento faz com que, à ventriculografia (contraste injetado dentro do ventrículo), o ápice do ventrículo esquerdo se dilate como um balão, daí o nome takotsubo que, em japonês, significa jarro de pegar polvo (imagem).
Concluindo, os pontos-chave da cardiomiopatia Takotsubo são: quadro clínico de síndrome coronariana aguda, ausência de coronariopatia obstrutiva, sofrimento emocional ou físico e balonamento apical do ventrículo esquerdo.
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Referências
Guy S Reeder, MDAbhiram Prasad, MD. Clinical manifestations and diagnosis of stress (takotsubo) cardiomyopathy. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Guy S Reeder, MDAbhiram Prasad, MD. Management and prognosis of stress (takotsubo) cardiomyopathy. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate