Resumo sobre Síndrome de Zollinger-Ellison: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Síndrome de Zollinger-Ellison: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Zollinger-Ellison, uma condição rara caracterizada pelo desenvolvimento de tumores secretórios de gastrina, chamados gastrinomas, que elevam excessivamente a produção de ácido gástrico. 

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição da Síndrome de Zollinger-Ellison

A síndrome de Zollinger-Ellison (ZES) é uma condição clínica causada por um tumor neuroendócrino produtor de gastrina, denominado gastrinoma, geralmente localizado no duodeno ou pâncreas. 

A secreção excessiva de gastrina promove hipersecreção de ácido gástrico, que resulta no desenvolvimento de doença ulcerosa péptica grave, persistente ou recorrente, frequentemente associada à diarreia. 

A definição da ZES baseia-se na presença do quadro clínico relacionado ao excesso de gastrina biologicamente ativa, pois apenas a detecção de gastrina tumoral sem manifestações clínicas não caracteriza a síndrome. Em parte dos casos, a ZES está relacionada à neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM 1), enquanto o restante ocorre de forma esporádica.

Classificação da Síndrome de Zollinger-Elisson

A classificação da síndrome de Zollinger-Ellison (ZES) pode ser organizada de forma clara a partir de três critérios principais: etiologia, extensão tumoral e características histopatológicas.

Classificação pela etiologia

Baseia-se na origem do gastrinoma:

  • Esporádica
    • Corresponde a aproximadamente 70 a 80% dos casos;
    • Geralmente apresenta gastrinoma único;
    • Tumores localizados no duodeno ou pâncreas (região chamada de triângulo do gastrinoma).
  • Familiar (associada à NEM 1 – Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 1)
    • Presente em 20 a 25% dos casos;
    • Gastrinomas múltiplos são comuns;
    • Associada a tumores em outras glândulas endócrinas, como paratireoides e hipófise.

Classificação pela extensão tumoral (comportamento clínico)

Relaciona-se ao estágio da doença:

  • Doença localizada
    • Tumor restrito ao sítio primário;
    • Sem evidência de metástases;
    • Possibilidade de tratamento cirúrgico curativo.
  • Doença metastática
    • Frequentemente com metástases em linfonodos e fígado;
    • Associa-se a pior prognóstico;
    • Exige abordagem terapêutica multimodal.

Classificação histopatológica (OMS – Tumores Neuroendócrinos)

Avalia grau e agressividade do tumor com base no índice proliferativo Ki-67 e na contagem mitótica:

Classificação WHO (OMS)GrauCaracterísticas
NET G1Baixo grauKi-67 < 3%, bem diferenciado
NET G2Grau intermediárioKi-67 3–20%, bem diferenciado
NEC G3Alto grauKi-67 > 20%, pouco diferenciado

A maioria dos gastrinomas associados à ZES pertence aos grupos NET G1 ou G2, indicando que são tumores bem diferenciados, porém com potencial maligno.

A classificação da ZES depende da expressão clínica. Um tumor neuroendócrino só é considerado gastrinoma quando existe hipersecreção de gastrina com manifestações clínicas típicas (hipercloridria, úlceras pépticas e diarreia). Tumores que produzem gastrina sem causar quadro clínico não são classificados como gastrinomas.

Fisiopatologia da Síndrome de Zollinger-Ellison

A fisiopatologia da síndrome de Zollinger-Ellison (ZES) está diretamente relacionada à hipersecreção de gastrina por um gastrinoma, que pode surgir no duodeno ou pâncreas. Esse excesso de gastrina exerce efeito trófico sobre as células parietais gástricas e estimula a liberação de histamina pelas células enterocromafins-like (ECL), o que resulta em produção exagerada de ácido clorídrico no estômago, frequentemente quatro a seis vezes acima do normal, podendo ultrapassar dez vezes em casos avançados.

O excesso de ácido gástrico leva à formação de úlceras pépticas múltiplas, graves e recorrentes, tanto no estômago quanto no duodeno. Além disso, o pH extremamente ácido do conteúdo gástrico ultrapassa a capacidade neutralizante do bicarbonato pancreático, alcançando o intestino delgado com acidez elevada. 

Esse ambiente ácido desativa enzimas pancreáticas, prejudica a digestão de gorduras e compromete a ação dos ácidos biliares, resultando em maldigestão, má absorção e esteatorreia.

A diarreia crônica, outro achado típico da ZES, possui mecanismo multifatorial. Além da má absorção causada pela inativação enzimática, o grande volume de secreção ácida não é totalmente reabsorvido pelo intestino, aumentando a carga de líquido no lúmen intestinal. 

Soma-se a isso o fato de que níveis extremamente elevados de gastrina sérica reduzem a absorção de sódio e água no intestino delgado, contribuindo para um quadro adicional de diarreia secretora

Manifestações clínicas da Síndrome de Zollinger-Ellison

As manifestações mais frequentes incluem doença ulcerosa péptica, presente em 73 a 98% dos pacientes, geralmente com úlceras múltiplas, recorrentes e de difícil controle terapêutico. Pirose ocorre em 52 a 55% dos casos, enquanto a diarreia crônica aparece em 60 a 75%, podendo ser a única manifestação inicial em parte dos pacientes. Perda de peso está presente em até metade dos casos, refletindo má absorção e evolução da doença.

Complicações relacionadas à hiperacidez gástrica podem ocorrer, como sangramento digestivo, estenoses, perfurações e fístulas gastrointestinais. A evolução clínica costuma ser arrastada, com tempo médio de seis anos até o diagnóstico. Cerca de 60 a 90% dos gastrinomas apresentam comportamento maligno, com possibilidade de metástases, principalmente hepáticas e linfonodais.

Uma minoria dos pacientes (1 a 10%), especialmente aqueles com neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM 1) ou doença metastática, pode apresentar manifestações associadas à secreção de outros hormônios, como VIP (VIPoma), somatostatina (somatostatinoma), glucagon (glucagonoma) ou ACTH (síndrome de Cushing ectópica).

Do ponto de vista endoscópico, mais de 90% dos pacientes apresentam úlceras pépticas, predominantemente no duodeno proximal, embora possam surgir em localizações atípicas, como jejuno. 

As pregas gástricas espessadas são um achado comum, refletindo hiperplasia das células parietais. Esofagite por refluxo pode estar presente, embora estenoses esofágicas ou pilóricas ocorram em menos de 10% dos casos. Nos pacientes com NEM 1, os gastrinomas costumam ser múltiplos, pequenos (<0,5 cm) e com envolvimento linfonodal precoce.

Diagnóstico da Síndrome de Zollinger-Ellison

O diagnóstico da síndrome de Zollinger-Ellison (ZES) baseia-se na suspeita clínica e na confirmação laboratorial de hipergastrinemia em contexto de hiperacidez gástrica. Trata-se de um processo desafiador, pois os sintomas podem ser inespecíficos e frequentemente mascarados pelo uso prolongado de inibidores da bomba de prótons (IBPs).


Quando suspeitar de ZES

A síndrome deve ser considerada em pacientes com:

  • Úlceras pépticas múltiplas ou recorrentes;
  • Úlceras distais ao duodeno;
  • Diarreia associada à doença ulcerosa péptica;
  • Pregas gástricas aumentadas à endoscopia;
  • História familiar de úlcera péptica ou NEM tipo 1;
  • Diarreia que melhora com IBP.

Confirmação diagnóstica

O diagnóstico é estabelecido pela demonstração de hipergastrinemia inadequada na presença de pH gástrico baixo.

Gastrina sérica em jejum e pH gástrico

  • Gastrina >10 vezes o limite superior (>1000 pg/mL) + pH gástrico <2Diagnóstico confirmado;
  • Gastrina entre 110 e 1000 pg/mL é inconclusiva, exigindo investigação adicional;
  • Importante excluir hipergastrinemia secundária (achloridria, gastrite atrófica, uso de IBP, insuficiência renal, H. pylori).

Teste de estimulação com secretina

Indicado quando:

  • Gastrina elevada, mas <1000 pg/mL;
  • pH gástrico ≤2.

No gastrinoma, a secretina provoca aumento paradoxal da gastrina:

  • Elevação >120 pg/mL após secretina → teste positivo.

O teste deve ser feito após suspensão cuidadosa dos IBPs, devido ao risco de exacerbação grave de sintomas.

Outros exames auxiliares

  • Cromogranina A sérica: geralmente elevada, mas inespecífica;
  • Estudos de secreção ácida gástrica: historicamente utilizados, atualmente obsoletos;
  • Biópsia gástrica: útil para excluir gastrite atrófica em casos de hipergastrinemia “apropriada”.

Localização tumoral (após confirmação bioquímica)

Após confirmar ZES, realiza-se estadiamento:

  • PET/CT com 68Ga-DOTATATE ou octreoscan (SPECT/CT);
  • Endoscopia com ultrassom (EUS) para detectar gastrinomas pequeno;
  • TC e RM abdominal.

Atenção: cintilografia com somatostatina pode detectar outros processos benignos com receptores de somatostatina, gerando falso-positivos.

Desafios diagnósticos

  • A média de tempo até o diagnóstico ultrapassa 5 anos.
  • Uso contínuo de IBPs eleva gastrina e pode dificultar a interpretação dos exames.
  • Crescimento lento do tumor e sintomas inespecíficos atrasam investigação.

Tratamento da Síndrome de Zollinger-Ellison

O tratamento da síndrome de Zollinger-Ellison (ZES) envolve duas metas principais: o controle da hipersecreção ácida gástrica e o tratamento do gastrinoma, incluindo o manejo de doença metastática quando presente. As estratégias terapêuticas devem ser adaptadas à extensão tumoral, presença de metástases hepáticas ou linfonodais, e associação com neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM1).

Controle da hipersecreção ácida

A hipersecreção ácida é responsável pela maior parte das manifestações clínicas da ZES, especialmente úlceras pépticas e diarreia. O controle é fundamental para prevenir complicações.

  • Os inibidores da bomba de prótons (IBPs) são o tratamento de primeira linha e devem ser administrados em doses altas e ajustadas conforme a secreção ácida. Segundo o documento, os IBPs como omeprazol, lansoprazol e esomeprazol são a base do manejo clínico em ZES e controlam eficazmente a secreção ácida na maioria dos casos;
  • Em situações de secreção ácida não controlada adequadamente por IBPs ou em casos com intolerância, podem ser utilizados análogos de somatostatina como octreotida ou lanreotida, que reduzem a secreção de gastrina e têm possível efeito antiproliferativo sobre os tumores neuroendócrinos.

Tratamento do gastrinoma

Após estabilização dos sintomas, o tratamento é direcionado ao gastrinoma.

Cirurgia

  • A ressecção cirúrgica é o único tratamento potencialmente curativo e é recomendada para tumores localizados e ressecáveis, especialmente na forma esporádica da doença.
  • A cirurgia está associada a aumento de sobrevida e chance de cura em casos selecionados, desde que não haja metástases extensas.
  • Em pacientes com NEM1, a abordagem cirúrgica é mais complexa, pois geralmente os gastrinomas são múltiplos e duodenais, com recorrência frequente. Por isso, a cirurgia é considerada apenas para tumores maiores que 2 cm ou em crescimento progressivo.

Doença metastática

  • O fígado é o principal sítio de metástases. Quando possível, realiza-se ressecção hepática ou procedimentos de citorredução para redução da carga tumoral.
  • Em casos irressecáveis, podem ser utilizados:
    • Embolização arterial hepática;
    • Radioembolização;
    • Terapia dirigida aos receptores de somatostatina (exemplo: terapia com radionuclídeos, como Lu-177 DOTATATE);
    • Quimioterapia sistêmica, principalmente com estreptozocina associada à 5-fluorouracila ou doxorrubicina. Estas opções são indicadas para doença avançada ou tumores agressivos.

Tratamento medicamentoso antitumoral

  • Em tumores com receptores de somatostatina, podem ser usados análogos de somatostatina para controle sintomático e redução do crescimento tumoral.
  • Em doença avançada progressiva, pode ser considerada terapia alvo-molecular com inibidores como everolimo ou sunitinibe, especialmente em tumores pancreáticos neuroendócrinos.

Seguimento

O acompanhamento inclui:

  • Controle periódico de gastrina sérica;
  • Monitorização endoscópica;
  • Avaliação por métodos de imagem para detecção de recorrência ou progressão tumoral.

Veja também!

Referências

Emily Bergsland, MDPhillip S Ge, MD. Management and prognosis of gastrinoma (Zollinger-Ellison syndrome). UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate

Emily Bergsland, MD. Zollinger-Ellison syndrome (gastrinoma): Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate

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