E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Trombose Venosa Cerebral, uma condição grave, porém tratável, que resulta da formação de coágulos nos seios venosos cerebrais.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprimorar seus conhecimentos, garantindo uma prática clínica cada vez mais eficaz.
Vamos nessa!
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Definição de Trombose Venosa Cerebral
A trombose venosa cerebral (TVC) é um tipo raro de acidente vascular cerebral causado pela formação de um coágulo sanguíneo em veias cerebrais ou nos seios venosos, estruturas que desempenham a função crucial de drenar o sangue do cérebro.
Esse bloqueio pode levar a complicações graves, como infarto venoso (morte de tecido cerebral), hemorragias intracranianas ou edema cerebral, frequentemente associado ao aumento da pressão dentro do crânio.
Epidemiologicamente, a TVC apresenta uma incidência anual de 1,16 a 2,02 casos por 100.000 pessoas, sendo mais comum em mulheres, com uma proporção de 3:1 em relação aos homens. Essa predominância está relacionada a fatores como o uso de contraceptivos orais, gravidez e puerpério.
A doença acomete, em geral, adultos jovens, com idade média de 37 anos. As mulheres tendem a ser diagnosticadas mais jovens, com média de 34 anos, em comparação aos homens, cuja média é de 42 anos.
Devido à variabilidade clínica e aos múltiplos fatores de risco, o diagnóstico pode ser desafiador, mas avanços no uso de ressonância magnética têm contribuído para sua detecção mais frequente. A TVC, por sua complexidade, pode ser diagnosticada por diversas especialidades médicas, como neurologistas, hematologistas, obstetras e pediatras.
Patogênese da Trombose Venosa Cerebral
A patogênese da trombose venosa cerebral (TVC) envolve mecanismos que resultam na obstrução da drenagem venosa do cérebro, afetando diretamente a hemodinâmica cerebral e a barreira hematoencefálica.
O primeiro mecanismo central é a trombose das veias cerebrais ou dos seios durais, que impede a circulação sanguínea normal, aumentando a pressão venosa e capilar. Essa elevação pressórica pode causar ruptura da barreira hematoencefálica, levando ao extravasamento de plasma para o espaço intersticial e ao desenvolvimento de edema vasogênico. Conforme a pressão intravenosa aumenta, surgem edema cerebral localizado e hemorragias venosas devido à ruptura de veias e capilares.
Além disso, a trombose reduz o fluxo sanguíneo cerebral, resultando na falha do metabolismo energético e no edema citotóxico. Isso ocorre devido ao comprometimento da bomba Na+/K+ ATPase, responsável por manter o equilíbrio iônico das células. A soma desses fatores pode levar à formação de infartos venosos e hemorragias confluentes, caracterizando um quadro grave de dano ao tecido cerebral.
Outro aspecto importante da patogênese é o comprometimento da absorção do líquido cefalorraquidiano (LCR). Normalmente, o LCR é reabsorvido pelas granulações aracnoides e pelo sistema glinfático, mas a trombose dos seios durais interfere nesse processo.
Essa obstrução resulta em elevação da pressão intracraniana, especialmente em casos de trombose do seio sagital superior, embora possa ocorrer também em tromboses de outras regiões, como os seios laterais e a veia jugular. A alta pressão intracraniana pode agravar ainda mais os danos ao cérebro.
Nas fases iniciais da TVC, a dilatação das veias cerebrais e o recrutamento de vias colaterais ajudam a compensar o aumento da pressão venosa. No entanto, quando essas adaptações são insuficientes, as alterações hemodinâmicas e metabólicas levam a complicações graves.
Fatores de risco para Trombose Cerebral Venosa
- Condições protrombóticas (genéticas ou adquiridas);
- Obesidade – mais significativa em mulheres, especialmente com uso de anticoncepcionais orais;
- Uso de tratamentos orais;
- Gravidez e período pós-parto;
- Alinhamento postural incorreto;
- Infecção;
- Lesões na cabeça e precipitantes mecânicos;
- Gravidez e parto;
- Uso de fármacos orais (anticoncepcionais);
- Malignidade (câncer);
- Uso de anticoncepcionais orais;
- Terapia de reposição hormonal;
- Lesões na cabeça e condições mecânicas:
- Doenças autoimunes como lúpus e sarcoidose;
- Medicamentos como L-asparaginase e cisplatina podem aumentar o risco de trombose;
- Deficiência de antitrombina, proteína C ou S;
- Fator V Leiden e G20210 (protrombina); e
- Hiper-homocisteinemia.
Manifestações clínicas da Trombose Venosa Cerebral
As manifestações clínicas da trombose venosa cerebral (TVC) são variadas e podem ser agrupadas em três síndromes principais:
- Síndrome de hipertensão intracraniana isolada: caracteriza-se por dor de cabeça, que pode vir acompanhada de vômitos, paralisia e problemas visuais. Essa síndrome é mais comum em apresentações crônicas de TVC e pode incluir papiledema.
- Síndrome focal: apresenta déficits neurológicos focais, como fraqueza (monoparesia ou hemiparesia), convulsões ou afasia, especialmente quando o seio lateral esquerdo está afetado.
- Encefalopatia: em casos graves, a TVC pode causar distúrbios de consciência e disfunções cognitivas, como delírio, apatia e déficits multifocais.
- Dor de cabeça: é o sintoma mais comum, presente em 89% dos pacientes. A dor pode ser localizada ou difusa e está frequentemente associada a hipertensão intracraniana.
- Convulsões: focais ou generalizadas, incluindo status epilepticus, com maior frequência em TVC do que em outros distúrbios cerebrovasculares.
- Deficiências sensoriais e visuais: menos comuns, mas podem ocorrer dependendo da localização da trombose.
Em casos mais específicos, a trombose pode afetar diferentes seios nasais e veias, resultando em quadros clínicos distintos:
- Trombose do seio cavernoso: caracteriza-se por dor orbital, ptose, paralisias oculomotoras e edema.
- Trombose da veia cortical: pode levar a déficits motores, sensoriais e convulsões.
- Trombose do seio sagital: com déficits motores bilaterais e convulsões.
- Trombose do seio lateral: geralmente resulta em dor de cabeça isolada ou hipertensão intracraniana, podendo levar a afasia se o seio transverso esquerdo estiver ocluído.
A TVC pode também causar sintomas graves, como coma e déficits motores bilaterais, especialmente quando o sistema venoso cerebral profundo é afetado.
Diagnóstico de Trombose Venosa Cerebral
O diagnóstico de trombose venosa cerebral (TVC) deve ser considerado em pacientes com sintomas neurológicos agudos, como dor de cabeça recente, sinais de hipertensão intracraniana, déficits neurológicos focais, convulsões e alterações no padrão de cefaleias.
A ultrassonografia urgente é a primeira escolha na avaliação inicial, mas não há um teste laboratorial simples que possa confirmar ou descartar a TVC de forma definitiva na fase aguda.
Sinais clínicos suspeitos para TVC incluem:
- Dor de cabeça recente, especialmente se for de características atípicas.
- Sintomas ou sinais de hipertensão intracraniana.
- Deficits neurológicos focais sem uma distribuição vascular típica.
- Convulsões ou epilepsia.
- Características atípicas nas imagens de TC ou RM, como infarto cerebral ou hemorragia sem causa clara.
Exames de imagem para diagnóstico
- Tomografia Computadorizada (TC): Pode ser normal em até 30% dos casos, mas frequentemente é o primeiro exame realizado. Pode mostrar sinais diretos de TVC, como o sinal da corda (hiperdensidade de uma veia cortical trombosada) ou o sinal delta vazio (ausência de contraste no seio sagital superior).
- Angiotomografia por TC: Usada como alternativa quando a RM não está disponível, é eficaz para visualizar os seios durais e pode identificar a ausência de fluxo ou trombos.
- Ressonância Magnética (RM): Método mais sensível, com sequências ponderadas em T2* e suscetibilidade, que visualizam trombos com maior precisão. Nos primeiros dias após a trombose, os seios trombosados aparecem com intensidade variada nas imagens ponderadas.
- Venografia por RM: Útil para demonstrar a ausência de fluxo nos seios venosos cerebrais, especialmente em casos subagudos ou crônicos.
- Angiografia por subtração digital: Reservada para casos em que as imagens iniciais são inconclusivas, mostrando sinais típicos como veias dilatadas e tortuosas e o preenchimento de veias não visíveis inicialmente.
Testes laboratoriais
Embora não exista um teste confirmatório definitivo na fase aguda, exames laboratoriais como hemograma, painel químico e testes de coagulação (tempo de protrombina e tromboplastina parcial ativada) são importantes para investigar condições associadas ao risco de TVC, como estados hipercoaguláveis ou infecções. O D-dímero elevado pode apoiar o diagnóstico, mas não é definitivo.
Tratamento da Trombose Venosa Cerebral
O tratamento da trombose venosa cerebral (TVC) começa com a anticoagulação inicial, utilizando heparina subcutânea de baixo peso molecular ou heparina intravenosa, tanto para adultos quanto para crianças com TVC sintomática.
A gestão das complicações inclui intervenções para controlar a pressão intracraniana elevada, como cirurgia descompressiva, e a profilaxia anticonvulsivante em casos de lesões cerebrais focais, com medicamentos anticonvulsivantes sendo recomendados para convulsões sintomáticas. Quando há infecções, como meningite, o uso de antibióticos é obrigatório.
Após a fase aguda, a anticoagulação a longo prazo é indicada, geralmente com anticoagulantes orais como varfarina ou anticoagulantes orais diretos, por 3 a 12 meses. A anticoagulação indefinida é recomendada em casos de TVC recorrente ou associados a trombofilia grave. Para pacientes com TVC provocada por fatores de risco transitórios, o tratamento dura de 3 a 6 meses.
No gerenciamento do risco de recorrência, mulheres grávidas devem usar heparina durante a gestação e até 8 semanas após o parto, enquanto contraceptivos orais combinados são contraindicados para mulheres com histórico de TVC. O acompanhamento contínuo é essencial para ajustar o tratamento conforme necessário e prevenir novos episódios.
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Referências
José M Ferro, MD, PhDPatrícia Canhão, MD, PhD. Cerebral venous thrombosis: Treatment and prognosis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate
José M Ferro, MD, PhDPatrícia Canhão, MD, PhD. Cerebral venous thrombosis: Etiology, clinical features, and diagnosis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate