Olá, querido doutor e doutora! A violência sexual é um grave problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos que afeta milhares de pessoas anualmente no Brasil e no mundo. Esse tipo de violência não se limita aos danos físicos, ao causar impactos profundos na saúde mental e na vida social das vítimas. Reconhecendo a complexidade e a abrangência dessa questão, este texto oferece orientações práticas e humanizadas para profissionais de saúde, abordando desde o acolhimento inicial até as intervenções clínicas, psicológicas e sociais.
O atendimento às vítimas de violência sexual exige sensibilidade, preparo técnico e uma abordagem centrada no respeito e na dignidade humana.
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Conceito de Violência Sexual
A violência sexual é definida como qualquer ato de natureza sexual realizado sem o consentimento da vítima. Esse tipo de violência pode envolver o uso de força física, coerção, ameaça ou manipulação psicológica. É considerada crime no Brasil e reconhecida como uma grave violação dos direitos humanos e uma questão de saúde pública.
Essa violência não está limitada a nenhum gênero, faixa etária ou condição social, podendo afetar mulheres, homens, crianças e adolescentes. Além dos danos físicos, como lesões corporais e o risco de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a violência sexual tem repercussões psicológicas significativas, incluindo transtornos emocionais, depressão e risco de suicídio. Por isso, a abordagem no atendimento à vítima deve ser ampla e envolver acolhimento, tratamento clínico e apoio psicológico.
Epidemiologia da Violência Sexual
A violência sexual é amplamente reconhecida como uma violação dos direitos humanos e um problema de saúde pública global. Dados disponíveis evidenciam a gravidade dessa questão:
- Incidência global: aproximadamente uma em cada três mulheres no mundo relata ter sofrido violência física ou sexual em algum momento da vida, muitas vezes perpetrada por parceiros íntimos.
- Brasil: o país registra cerca de 822 mil casos anuais de estupro, o equivalente a dois por minuto. Entre os mais afetados estão adolescentes e jovens, especialmente meninas de 13 anos.
- Vulnerabilidades específicas: mulheres trans, indígenas, pretas e pardas estão entre os grupos mais suscetíveis, refletindo desigualdades estruturais que agravam a violência de gênero. Crianças e adolescentes também figuram como alvos recorrentes dessa violação.
- Impacto da pandemia: o isolamento social devido à COVID-19 provocou um aumento significativo dos casos de violência doméstica, com denúncias crescendo 37,58% em abril de 2020 em comparação com períodos anteriores.
Etapas do Atendimento a Vítima de Violência Sexual
- Acolhimento: o primeiro contato com a vítima deve ser realizado em um ambiente reservado, garantindo a escuta ativa e sem julgamentos. É fundamental adotar uma postura empática e respeitosa, evitando atitudes que possam causar revitimização.
- Registro da história: a coleta das informações deve ser conduzida de forma sensível, registrando os detalhes relevantes do evento, como o tipo de violência, características do agressor, local, horário e quaisquer outros elementos importantes para o atendimento e eventuais ações legais.
- Exame clínico e ginecológico: realizar uma avaliação completa para identificar possíveis lesões e coletar vestígios, quando necessário, seguindo protocolos específicos. Essa etapa deve garantir o máximo de conforto e segurança para a vítima.
- Profilaxias pós-exposição: oferecer profilaxias para prevenir infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como HIV, sífilis e hepatites virais, bem como contracepção de emergência, sempre considerando o tempo decorrido desde a exposição.
- Notificação compulsória: a violência sexual é de notificação obrigatória às autoridades sanitárias em até 24 horas, utilizando os formulários padronizados. Essa etapa é essencial para fins epidemiológicos e elaboração de políticas públicas, preservando a identidade da vítima.
- Apoio psicológico e abordagem social: disponibilizar suporte psicológico imediato e planejar o acompanhamento continuado, envolvendo profissionais especializados. É importante integrar a vítima aos dispositivos da rede de proteção, como Centros de Referência e Abrigos, caso necessário.
- Exames complementares e seguimento: realizar exames laboratoriais para rastrear possíveis infecções ou outros danos decorrentes da violência. O seguimento ambulatorial deve ser garantido, priorizando o cuidado integral e contínuo.
- Encaminhamento jurídico (opcional): informar à vítima sobre seus direitos e opções legais, como o registro do boletim de ocorrência e medidas protetivas, mas sem obrigatoriedade para o atendimento de saúde.
Exame clínico e ginecológico
Exame Clínico Geral
- Avaliação do estado geral: identificar sinais de trauma físico, como hematomas, cortes, queimaduras ou fraturas.
- Lesões específicas: analisar locais de possíveis agressões físicas, incluindo cabeça, pescoço, tronco e membros.
- Fotodocumentação: se autorizado, fotografar lesões para uso em procedimentos legais, utilizando protocolos padronizados.
Exame Ginecológico
- Inspeção externa: avaliar genitália externa e região anal, verificando sinais de trauma, como hematomas, lacerações, inchaço ou secreções anormais.
- Especular (quando necessário e autorizado): examinar o canal vaginal e o colo do útero para detectar lesões internas, coletando amostras de secreções ou fluidos para análise.
- Toque vaginal ou retal: realizado somente se indicado clinicamente, para identificar lacerações internas ou outros danos.
- Coleta de Vestígios: utilizar kits de coleta padronizados para recolher material biológico, como esperma, sangue ou fios de cabelo, seguindo as normas de cadeia de custódia.
Profilaxias Pós-Exposição
A profilaxia pós-exposição (PEP) é uma das etapas mais importantes no atendimento às vítimas de violência sexual. Ela visa prevenir possíveis infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e gravidez decorrentes do evento. A efetividade dessas medidas depende do tempo decorrido desde a exposição, sendo ideal iniciar os tratamentos o mais rápido possível, preferencialmente nas primeiras 72 horas. Para facilitar a memorização, utilizaremos o mnemônico GEST-H³C:
Mnemônico | Significado | Descrição |
G | Gonorreia | Administrar Ceftriaxona 500 mg, dose única, intramuscular. |
E | Emergência contraceptiva | Oferecer contraceptivo de emergência com Levonorgestrel 1,5 mg (dose única) ou 0,75 mg (duas doses com intervalo de 12 horas). |
S | Sífilis | Aplicar Penicilina G Benzatina, 2,4 milhões de UI, intramuscular, dose única (1,2 milhão em cada glúteo). |
T | Tricomoníase | Administrar Metronidazol 2 g, dose única, via oral. |
H | Hepatite B | Aplicar vacina contra Hepatite B e, se necessário, imunoglobulina específica (HBIG). |
H | HIV | Iniciar profilaxia pós-exposição (PEP) com antirretrovirais, idealmente nas primeiras 72 horas, com duração de 28 dias. |
H | HPV | Indicar vacina contra o HPV para vítimas entre 9 e 45 anos que ainda não tenham sido vacinadas, conforme as normas do Programa Nacional de Imunizações (PNI). |
C | Clamídia | Administrar Azitromicina 1 g, dose única, via oral. |
Apoio psicológico e abordagem social
O apoio psicológico é essencial no atendimento às vítimas de violência sexual, ajudando a minimizar o impacto emocional do trauma. No primeiro contato, o profissional deve oferecer um espaço seguro e acolhedor, onde a vítima possa se sentir ouvida e compreendida sem julgamentos. É fundamental identificar sinais de sofrimento psicológico, como ansiedade, depressão ou sensação de culpa, e intervir de maneira imediata para estabilizar a pessoa emocionalmente. Além disso, é importante planejar o acompanhamento contínuo com sessões regulares, permitindo que a vítima trabalhe o trauma de forma gradual e significativa. Essa abordagem deve ser integrada a uma equipe multiprofissional para alinhar estratégias e fortalecer o cuidado.
A abordagem social complementa o suporte psicológico ao considerar as condições socioeconômicas e contextos de vulnerabilidade que podem agravar os riscos à vítima. Profissionais devem mapear a situação da pessoa, avaliando aspectos como ambiente familiar, moradia e rede de apoio. A partir disso, encaminhá-la para serviços especializados, como Centros de Referência em Assistência Social (CRAS/CREAS), abrigos temporários em casos de risco iminente ou Delegacias da Mulher, onde poderá receber orientação sobre medidas protetivas. Além disso, a vítima deve ser informada sobre seus direitos legais e recursos disponíveis, respeitando sua autonomia para decidir os próximos passos.
Cai na Prova
Acompanhe comigo uma questão sobre o tema (disponível no banco de questões do Estratégia MED):
(SUS SP 2024) Foi realizada uma atualização das diretrizes do Ministério da Saúde para o atendimento de pacientes vítimas de violência sexual. Considerando essa informação, assinale a alternativa que apresenta os procedimentos que, após essa atualização, devem ser seguidos durante o atendimento inicial em um serviço de saúde.
A) aguardar a paciente se recuperar do trauma antes de qualquer intervenção médica ou coleta de dados
B) realizar somente o exame físico, sem preocupação imediata com a coleta de histórico ou de dados específicos sobre a violência
C) iniciar imediatamente o tratamento para doenças sexualmente transmissíveis e a profilaxia para gravidez, sem realizar a anamnese
D) efetuar uma avaliação inicial para trauma extragenital, realizar uma anamnese detalhada, realizar um exame físico completo, incluindo ginecológico e urológico, iniciar profilaxia para IST/AIDS e hepatite B, e realizar contracepção de emergência dentro de setenta e duas horas
E) limitar o atendimento à prescrição de ansiolíticos e encaminhamento para apoio psicológico, sem realizar exames físicos
Comentário da Equipe EMED
Incorreta a alternativa A, porque, apesar da situação, não se pode aguardar a paciente se recuperar do trauma antes de efetuar a coleta de dados e a intervenção médica, porque pode ser perdida a chance de realizar a quimioprofilaxia para as ISTs.
Incorreta a alternativa B, porque a coleta da história e de dados específicos sobre a agressão são essenciais para tomar a decisão correta sobre o tratamento da paciente e as indicações de profilaxia para as ISTs.
Incorreta a alternativa C, porque a anamnese é essencial para avaliar o tempo decorrido desde a agressão sexual e decidir sobre a possibilidade de quimioprofilaxia para as ISTs. Além disso, a anamnese pode revelar se a paciente faz uso de anticoncepcional de rotina ou não, para decidir sobre a necessidade de anticoncepção de emergência.
Correta a alternativa D: o atendimento da vítima de violência sexual deve incluir uma avaliação inicial para trauma extragenital, realizar uma anamnese detalhada, realizar um exame físico completo, incluindo ginecológico e urológico, iniciar profilaxia para IST/AIDS e hepatite B, e realizar contracepção de emergência dentro de setenta e duas horas
Incorreta a alternativa E, porque o atendimento da vítima de violência sexual não pode ser limitado à prescrição de ansiolíticos e apoio psicológico
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Referências Bibliográficas
- SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. Manual para atendimento às vítimas de violência na rede de saúde pública do DF. 2ª ed. Brasília: SES-DF, 2009. Acesso em: 15 nov. 2024.
- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Orientações aos profissionais da saúde em situações de emergências em saúde pública: violência sexual. Brasília: Ministério da Saúde. Acesso em: 15 nov. 2024.
- CARVALHO, Monalisa; MELITTO, Alexandre. Assistência à vítima de violência sexual. Estratégia MED, 2024. Acesso em: 15 nov. 2024.