Uma decisão liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que o Centro de Referência da Saúde da Mulher realize abortos legais em casos de gravidez decorrente de “stealthing” (dissimulação em inglês), no qual é realizado a retirada sem consentimento do preservativo durante a relação sexual.
A retirada não consensual do preservativo durante a relação sexual caracteriza-se como uma forma de violência sexual. Considerado crime pelo artigo 215 do Código Penal desde 2009, a Justiça paulista entende que o stealthing se equipara a um caso de estupro, e, portanto, se enquadra nas situações previstas para interrupção legal da gestação.
No Brasil, a legislação permite o aborto legal em três situações específicas: quando a gestação resulta de estupro, quando há risco de vida para a gestante e em casos de anencefalia fetal. Com essa decisão, mulheres que engravidarem devido ao stealthing passam a ter respaldo jurídico para interromper a gestação sem necessidade de decisão judicial individualizada.
A decisão, considerada um avanço na defesa dos direitos das mulheres, amplia a interpretação da legislação vigente sobre aborto permitido por lei no Brasil. A ação foi proposta pela Bancada Feminista do PSOL, por meio de seus mandatos na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
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Repercussão entre especialistas e sociedade
Especialistas em direito e saúde destacam a importância da medida para garantir a autonomia das mulheres sobre seus corpos e combater práticas abusivas. Movimentos feministas e organizações de direitos humanos celebraram a decisão, apontando que ela fortalece a proteção das vítimas de violência sexual.
A presidente da Comissão de Advogadas Mulheres da OAB-SP, Maíra Recchia, revela em entrevista ao portal G1, que a análise dos casos de stealthing segue uma lógica semelhante à decisão da Justiça que, no passado, incluiu a anencefalia fetal entre as situações previstas para aborto legal.
“É uma decisão paradigmática para garantir o mínimo às mulheres, ainda mais numa época de tantos retrocessos. A decisão garante não só os direitos reprodutivos e das mulheres, mas os direitos humanos de quem sofreu uma violência sexual mediante fraude ao não consentir que o preservativo fosse retirado durante a relação sexual”, explica a advogada.
Críticas e desafios para implementação
Por outro lado, setores conservadores criticam a medida, alegando que amplia a permissão para o aborto e pode gerar dificuldades na comprovação do crime. No entanto, juristas defendem que a decisão segue precedentes internacionais e reforça a necessidade de legislação mais clara sobre o tema.
Apesar das permissões legais, mulheres que precisam recorrer ao aborto legal muitas vezes enfrentam dificuldades, como resistência por parte de profissionais de saúde, falta de estrutura em hospitais públicos e a burocracia para comprovar a situação prevista na lei. Além disso, a falta de informação sobre os direitos reprodutivos contribui para a insegurança das mulheres que necessitam do procedimento.
Sobre o Aborto legal
O aborto legal foi previsto no Brasil pelo Código Penal de 1940, que estabeleceu a possibilidade de interrupção da gravidez em casos de estupro e risco de vida para a gestante. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou essa permissão ao reconhecer o direito ao aborto em casos de anencefalia fetal.
Essas permissões foram estabelecidas para garantir a segurança e os direitos das mulheres em circunstâncias extremas.
O aborto legal continua sendo um tema de intenso debate. Especialistas em direito e saúde defendem a ampliação dos direitos reprodutivos para garantir mais autonomia às mulheres.
Ainda não há data prevista para o julgamento da ação. A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirmou que não foi notificada da decisão, mas que, assim que for oficialmente informada, cumprirá integralmente os termos da liminar.