Como manter uma sociedade mentalmente saudável no processo de envelhecimento e como os profissionais da atenção primária podem colaborar no diagnóstico precoce da demência?
Essas e outras perguntas preocupam a população quando percebem que seus pais ou até a si próprio começam a ter esquecimentos leves e dificuldades de concentração — sintomas frequentemente atribuídos ao envelhecimento normal, mas quais são os sintomas iniciais da demência e como identificá-los?
A demência é um termo genérico que engloba diversas condições neurodegenerativas, como o Alzheimer (DA), responsável por até 70% dos quadros demenciais, caracterizadas por perda progressiva das funções cognitivas, como memória, linguagem e raciocínio.
Estima-se que cerca de 80% da população com demência no Brasil não esteja diagnosticada. O diagnóstico precoce da demência é um dos principais desafios enfrentados pela saúde pública, especialmente em um cenário de envelhecimento populacional.
Se até 1950, a expectativa de vida ao nascer era inferior a 50 anos em todo o mundo, em 2050, a previsão é que as pessoas vivam até 80,6 anos, segundo o relatório World Population Prospects 2022, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A população está vivendo mais e a identificação da doença em estágios iniciais pode retardar o avanço dos sintomas, melhorar a qualidade de vida do paciente e aliviar parte da carga sobre os sistemas de saúde.
Pensando nisso, o Ministério da Saúde lançou em setembro de 2024 um fluxograma inédito voltado para profissionais de saúde, intitulado “Identificação da Demência na Atenção Primária”. A iniciativa tem como objetivo auxiliar no diagnóstico precoce da doença ainda no primeiro nível de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
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Como funciona o Fluxograma
O fluxograma apresentado por Paulo Caramelli, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), divide o processo em três etapas:
- A identificação, feita por meio da Caderneta da Pessoa Idosa ou demanda espontânea;
- O rastreamento cognitivo inicial, que pode ser aplicado por qualquer profissional de saúde usando o método 10-CS com o paciente, ou o método QMC8 com o acompanhante, que inclui atividades como a memorização de figuras; e
- A avaliação médica.
O fluxograma também traz orientações sobre como aplicar os questionários e disponibiliza os formulários para impressão.
Confira a publicação “Identificação da Demência na Atenção Primária” disponibilizada pelo Ministério da Saúde.
Outro aspecto central é o papel da Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS no apoio às famílias e cuidadores de pessoas com demência. “O diagnóstico oportuno permite o manejo terapêutico adequado e pode contribuir para diminuir a sobrecarga de familiares e cuidadores”, destacou Caramelli.
Atendimento na Atenção Primária à Saúde (APS)
A coordenadora de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa, Lígia Gualberto, durante o lançamento da publicação na Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em Brasília, destacou que o atendimento a idosos com demência na Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS tem aumentado nos últimos anos. De acordo com dados do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab), em 2022, foram registrados 253.966 atendimentos. Em 2023, esse número foi de 331.963 registros, uma diferença de quase 100 mil a mais. Apenas entre janeiro e julho deste ano, já foram contabilizados 198.141 atendimentos,
Apesar desse crescimento, muitos diagnósticos ainda são feitos tardiamente, ou seja, quando o paciente está em um estágio mais avançado da demência. “É preciso desmistificar a ideia de que comportamentos como solidão e isolamento, entre outros sinais de sofrimento, são normais no envelhecimento, porque não são. Temos cuidados a oferecer e a oportunidade de atuar sobre fatores de risco e sintomas iniciais”, enfatizou Lígia Gualberto.
A Demência no Brasil
Um estudo divulgado pela Carga Global de Doença (Global Burden of Disease – GBD) estima que o número total de pessoas com demência aumentará de 55 milhões em 2021 para mais de 150 milhões em 2050. A pesquisa do GBD indica ainda que, em 2019, cerca de 1,8 milhão de pessoas no Brasil viviam com demência, e as projeções indicam que esse número pode chegar a 6,7 milhões até 2050.
Detectá-la precocemente é um processo complexo que envolve a capacidade de observar alterações sutis no comportamento e nas habilidades mentais dos pacientes.
Para além das questões médicas, há um fator cultural significativo. Muitos pacientes e suas famílias resistem a procurar ajuda ou desconhecem os sinais iniciais da demência. A falta de conscientização pública sobre a doença e o estigma em torno dos transtornos cognitivos podem criar barreiras adicionais ao diagnóstico.
Quanto mais cedo o diagnóstico for feito, maiores serão as chances de intervenções que prolonguem a independência do paciente e ofereçam suporte adequado às famílias.
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Fonte: Relatório Nacional sobre a Demência: Epidemiologia, (re)conhecimento e projeções futuras