E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Necrólise Epidérmica Tóxica (NET), uma reação cutânea grave, geralmente desencadeada por medicamentos, caracterizada por necrose extensa da epiderme e descolamento da pele, semelhante a grandes queimaduras.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Necrólise Epidérmica Tóxica
A Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) é uma síndrome mucocutânea aguda, rara e potencialmente fatal, caracterizada por necrose extensa dos queratinócitos, levando à separação da epiderme da derme subjacente e à descamação difusa da pele e das mucosas.
Na maioria dos casos, ocorre como resultado de uma reação imunológica inadequada a determinados medicamentos, embora infecções, neoplasias e vacinas também possam atuar como fatores desencadeantes.
A NET integra o mesmo espectro clínico da Síndrome de Stevens Johnson, diferenciando-se principalmente pela extensão do acometimento cutâneo, que ultrapassa 30% da superfície corporal total.
Devido à elevada taxa de mortalidade, o reconhecimento precoce, a suspensão imediata do fármaco causador e o manejo em unidades especializadas, como centros de queimados, são fundamentais para o prognóstico.
Etiologia da Necrólise Epidérmica Tóxica
A etiologia da Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) está relacionada, predominantemente, a reações adversas imunomediadas, sendo os medicamentos o principal fator desencadeante. A grande maioria dos casos ocorre como resposta a fármacos, geralmente nas primeiras quatro semanas após o início do tratamento.
Entre os medicamentos mais frequentemente associados destacam-se:
- Antibióticos, especialmente sulfonamidas, cloranfenicol, penicilinas e quinolonas;
- Antiepilépticos, como barbitúricos, carbamazepina, fenitoína, valproato e lamotrigina;
- Anti-inflamatórios não esteroides, com maior risco relacionado aos oxicans, como piroxicam;
- Antivirais, incluindo oseltamivir e abacavir;
- Alopurinol, reconhecido como um dos fármacos de maior risco.
Estudos epidemiológicos, como o Euro-SCAR, identificam como medicamentos de alto risco para NET a lamotrigina, carbamazepina, fenitoína, nevirapina, fenobarbital, sulfonamidas, sulfassalazina, alopurinol e anti-inflamatórios do grupo dos oxicans.
Além dos fármacos, outras etiologias menos comuns incluem:
- Infecções, como Mycoplasma pneumoniae, hepatite A e herpesvírus humano tipo;
- Neoplasias, especialmente carcinoma hepatocelular e câncer de pulmão;
- Vacinação, com relatos associados principalmente à vacina meningocócica;
- Casos idiopáticos, nos quais não é possível identificar um fator causal claro.
Mais recentemente, a NET também tem sido descrita em pacientes com COVID-19, podendo estar relacionada tanto à infecção viral quanto aos medicamentos utilizados durante o tratamento.
Fisiopatologia da Necrólise Epidérmica Tóxica
A fisiopatologia da Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) envolve a morte celular programada dos queratinócitos, desencadeada principalmente por reações imunomediadas a medicamentos. Inicialmente, a doença foi atribuída à apoptose mediada pelo sistema Fas–Fas ligante e pela granulisina, porém estudos mais recentes indicam que o estresse oxidativo, com aumento de espécies reativas de oxigênio (ROS), atua como evento inicial, precedendo esses mecanismos.
O receptor Fas induz apoptose quando ativado pelo FasL. Apesar de o FasL ser tradicionalmente produzido por linfócitos T citotóxicos e células natural killer, sua baixa presença na pele acometida sugere que essas células não são a principal fonte. A elevada expressão de FasL nos próprios queratinócitos indica um mecanismo de autodestruição celular.
A granulisina, proteína pró-apoptótica liberada por linfócitos T citotóxicos e células NK, é encontrada em altas concentrações nas bolhas da NET e contribui diretamente para a necrose epidérmica extensa.
Além disso, o estresse oxidativo desempenha papel central, evidenciado pelo aumento da glutationa S-transferase-p (GST-p), marcador de dano oxidativo nos queratinócitos. O fármaco desencadeante pode comprometer as vias de detoxificação celular, levando ao acúmulo de ROS, ativação da apoptose e consequente descolamento epidérmico característico da NET.
Manifestações clínicas da Necrólise Epidérmica Tóxica
A NET ocorre, na maioria dos casos, entre 1 e 3 semanas após o início de um medicamento, tornando a anamnese medicamentosa recente essencial. Cerca de 5% dos pacientes não apresentam história clara de uso de fármacos.
O quadro geralmente começa com um período prodrômico, semelhante a uma síndrome gripal, com febre, mal-estar, cefaleia, rinite e artralgias, que pode durar de 1 a 21 dias.
Manifestações cutâneas
Após o pródromo, surgem as lesões de pele, inicialmente como um exantema macular eritematoso de aspecto arroxeado, mal delimitado e doloroso. Em seguida, há formação de bolhas flácidas, que coalescem e evoluem para descolamento epidérmico extenso, deixando áreas de derme úmida e denudada.
A dor cutânea frequentemente precede o aparecimento das bolhas. As lesões costumam iniciar-se na face e região pré-esternal, estendendo-se posteriormente para o tronco, enquanto o couro cabeludo permanece poupado na maioria dos casos.
A pressão leve sobre a pele pode causar destacamento epidérmico, caracterizando o sinal de Nikolsky positivo, embora esse achado não seja exclusivo da NET. A progressão pode ocorrer ao longo de até duas semanas ou, em casos graves, disseminar-se rapidamente em menos de 24 horas.
A avaliação da superfície corporal acometida é fundamental para diferenciar NET da Síndrome de Stevens Johnson, considerando apenas áreas com descolamento epidérmico ou pele potencialmente destacável.

Acometimento de mucosas
O envolvimento mucoso ocorre em cerca de 90% dos casos e geralmente precede as lesões cutâneas em 1 a 3 dias. As mucosas mais frequentemente afetadas são a orofaríngea, ocular e genital, podendo também haver acometimento do trato respiratório e gastrointestinal.
O envolvimento ocular é comum e varia desde conjuntivite e edema palpebral até complicações graves, como ulceração corneana. O acometimento respiratório pode causar doença pulmonar grave, mesmo na ausência de alterações iniciais no exame radiográfico.

Manifestações sistêmicas e complicações
A intensa resposta inflamatória, com liberação maciça de citocinas, pode levar a distúrbios metabólicos importantes, incluindo sepse, falência de múltiplos órgãos e hemorragia gastrointestinal. Essas complicações explicam a alta mortalidade da NET, que pode alcançar cerca de 30% dos casos.
Diagnóstico da Necrólise Epidérmica Tóxica
O diagnóstico da Necrólise Epidérmica Tóxica (NET) é principalmente clínico, sendo confirmado por biópsia cutânea precoce, que auxilia tanto na confirmação diagnóstica quanto na definição da conduta. A análise histopatológica, preferencialmente com imunofluorescência, é importante para diferenciar a NET de outras dermatoses bolhosas. Em situações urgentes, o corte congelado pode acelerar o diagnóstico.
Não há exames laboratoriais específicos para a NET, porém exames básicos são essenciais para o manejo e prognóstico, incluindo hemograma, provas de coagulação, eletrólitos, ureia, creatinina e função hepática. Anemia e linfopenia são achados frequentes, enquanto a neutropenia está associada a pior prognóstico. A monitorização do hemograma e da coagulação é fundamental, especialmente em casos com amplo acometimento mucoso, devido ao risco de sangramentos, podendo ser necessária transfusão de hemoderivados.
Exames de imagem não são obrigatórios para o diagnóstico, mas podem ser utilizados para avaliar complicações, como radiografia de tórax em casos de envolvimento pulmonar. O patch test pode auxiliar na identificação do fármaco desencadeante em cerca de 50% dos casos.
A gravidade e o prognóstico da doença são avaliados pela escala SCORTEN, aplicada nas primeiras 24 horas de internação, que considera idade, sinais vitais, comorbidades, extensão do acometimento cutâneo e parâmetros laboratoriais. O escore permite estimar a mortalidade, que varia de cerca de 3% até mais de 90%, conforme o número de fatores de risco presentes.
Tratamento da Necrólise Epidérmica Tóxica
As medidas mais importantes nas primeiras horas são a suspensão imediata do medicamento causador e a transferência precoce para centro de queimados ou UTI especializada. Quando realizadas nas primeiras 24 horas após o surgimento das bolhas, essas condutas reduzem infecções, tempo de internação e mortalidade. A monitorização das vias aéreas é essencial, com oxigênio suplementar e intubação orotraqueal por profissional experiente em casos de insuficiência respiratória.
Reposição volêmica e controle da dor
A ressuscitação volêmica com cristaloides deve seguir protocolos utilizados em queimaduras, como a fórmula de Parkland, com o objetivo de manter a perfusão tecidual adequada. As metas incluem pressão arterial média acima de 65 mmHg, pressão venosa central entre 8 e 12 mmHg e débito urinário de 0,5 a 1 mL por kg por hora.
O controle da dor é fundamental, sendo indicados opioides ou analgesia controlada pelo paciente. Curativos estéreis não aderentes devem ser utilizados, com atenção à prevenção de hipotermia.
Suporte nutricional
Devido ao estado hipercatabólico da doença, o suporte nutricional precoce é indispensável. A nutrição enteral é preferida, pois reduz o risco de translocação bacteriana. Quando há acometimento importante da mucosa oral, pode ser necessária sonda nasogástrica. A necessidade energética deve ser cuidadosamente calculada, com meta de aproximadamente 20 a 25 kcal por kg por dia.
Cuidados com feridas
Os cuidados locais devem ser assépticos, visando prevenir infecções secundárias até a reepitelização. As lesões cutâneas costumam cicatrizar em cerca de duas semanas, enquanto as mucosas podem demorar mais. Não há consenso quanto ao desbridamento. Quando indicado, deve ser realizado sob anestesia geral. Podem ser utilizados curativos biológicos, biossintéticos ou impregnados com prata, o que também auxilia na redução da dor.
Prevenção e tratamento de infecções
As infecções são frequentes e representam causa importante de mortalidade. Staphylococcus é o agente mais comum, seguido por Pseudomonas em internações prolongadas. Antibióticos profiláticos não são recomendados, pois não reduzem a mortalidade. Culturas das lesões devem ser realizadas na admissão e repetidas a cada 48 horas. O tratamento antibiótico está indicado diante de evidência clínica ou microbiológica de infecção ou deterioração clínica súbita.
Tratamento farmacológico específico
Até o momento, não há terapia farmacológica comprovadamente eficaz para a NET. Corticoides sistêmicos, plasmaférese, ciclosporina, inibidores de TNF alfa e imunoglobulina intravenosa têm sido utilizados, porém as evidências são limitadas e baseadas principalmente em estudos observacionais. Resultados promissores foram descritos com imunoglobulina intravenosa e inibidores de TNF alfa quando iniciados precocemente, sem comprovação definitiva.
Manejo de complicações e abordagem multidisciplinar
As complicações oculares são comuns e exigem avaliação oftalmológica precoce, com uso de lubrificantes, antibióticos tópicos e, em alguns casos, corticoides. Complicações geniturinárias também são frequentes, podendo ser indicado estrogênio tópico para cicatrização mucosa. Conforme a apresentação clínica, pode ser necessária a atuação de outras especialidades. Todos os pacientes devem ser avaliados quanto à necessidade de suporte psicológico após a alta hospitalar.
Veja também!
- Resumo de vasculite cutânea de pequenos vasos: diagnóstico, tratamento e mais!
- Resumo sobre petéquias: definição, etiologias e mais!
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- Resumo sobre Erupções purpúricas: definição, tipos e mais!
- Resumo sobre Radiodermatite: definição, manifestações clínicas e mais!
Referências
Labib A, Milroy C. Toxic Epidermal Necrolysis. [Updated 2023 May 8]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK574530/



