E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Mirizzi, uma condição rara, mas importante, que ocorre quando um cálculo impactado no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar comprime o ducto hepático comum, levando à obstrução biliar.
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Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Mirizzi
A síndrome de Mirizzi é uma condição rara caracterizada pela obstrução do ducto hepático comum devido à compressão extrínseca causada por um cálculo impactado no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar.
Essa síndrome pode levar a icterícia, febre e dor no quadrante superior direito do abdome. Estima-se que ocorra em 0,05 a 4% dos pacientes submetidos à cirurgia para colelitíase, sendo mais frequente em mulheres, possivelmente devido à maior incidência de cálculos biliares neste grupo.
Além disso, a síndrome de Mirizzi está associada ao câncer de vesícula biliar, com uma prevalência relatada entre 5 e 28% nos pacientes acometidos, possivelmente devido à inflamação crônica e estase biliar. O diagnóstico pré-operatório pode ser desafiador, e a realização de colecistectomia, especialmente por via laparoscópica, pode aumentar o risco de lesão biliar.
Fisiopatologia da Síndrome de Mirizzi
A Síndrome de Mirizzi ocorre quando um cálculo biliar impactado no ducto cístico ou no infundíbulo da vesícula biliar gera compressão sobre o ducto hepático comum. A anatomia da vesícula biliar inclui o fundo, corpo, infundíbulo (ou bolsa de Hartmann) e colo, sendo que o ducto cístico conecta a vesícula ao ducto biliar comum.
A obstrução do ducto hepático comum pode ocorrer devido à proximidade entre o ducto cístico e o ducto hepático, levando a um bloqueio mecânico e a processos inflamatórios recorrentes, frequentemente associados a episódios de colangite.
Em casos raros, a inflamação crônica pode evoluir para necrose da parede do ducto biliar e formação de fístulas cholecystobiliary (colecistohepática ou colecistocoledociana), resultando em complicações graves.
Classificação da Síndrome de Mirizzi
A Síndrome de Mirizzi é classificada com base na presença e extensão da fístula colecistobiliar. Inicialmente, eram considerados quatro tipos, mas a classificação foi expandida para incluir o tipo V, que envolve a presença de fístula colecistoentérica.
- Tipo I (11%): Compressão extrínseca do ducto hepático comum causada por um cálculo impactado no infundíbulo da vesícula biliar ou no ducto cístico.
- Tipo II (41%): Formação de uma fístula colecistobiliar com erosão de menos de um terço da circunferência do ducto hepático comum.
- Tipo III (44%): A fístula colecistobiliar compromete entre um terço e dois terços da circunferência do ducto hepático comum.
- Tipo IV (4%): Destruição completa da parede do ducto hepático comum, levando à formação de uma ampla fístula.
Manifestações clínicas da Síndrome de Mirizzi
As manifestações clínicas da Síndrome de Mirizzi variam conforme o grau de obstrução biliar e a presença de complicações associadas.
- Dor abdominal no hipocôndrio direito (54% a 100%): geralmente intensa, de caráter contínuo ou em cólica, podendo irradiar para a região escapular ou dorsal. A dor pode ser exacerbada após a ingestão de alimentos gordurosos e frequentemente está associada a náuseas e vômitos.
- Icterícia (24% a 100%): coloração amarelada da pele e mucosas devido à obstrução biliar.
- Febre: presente em casos de inflamação ou infecção associada.
- Colangite (6% a 35%): infecção das vias biliares, que pode se manifestar com febre, calafrios e mal-estar geral.
- Colecistite aguda (até 1/3 dos pacientes): inflamação da vesícula biliar, podendo causar piora da dor abdominal e sinais de irritação peritoneal.
- Pancreatite aguda (raro): inflamação do pâncreas devido ao refluxo biliar.
- Tríade de Charcot: icterícia, febre e dor no hipocôndrio direito, indicando colangite.
- Pêntade de Reynolds: evolução da tríade com adição de hipotensão e confusão mental, sugerindo colangite obstrutiva supurativa, condição grave com mortalidade de até 10,6%.
Achados laboratoriais
- Aumento da fosfatase alcalina e bilirrubinas diretas (>90% dos casos)
- Leucocitose (quando associada a colecistite, colangite ou pancreatite)
Diagnóstico de Síndrome de Mirizzi
O diagnóstico da Síndrome de Mirizzi deve ser considerado em pacientes com dor no hipocôndrio direito, icterícia e febre. A confirmação depende de exames de imagem que evidenciem dilatação do sistema biliar acima do nível do colo da vesícula, presença de cálculo impactado e uma transição abrupta para o calibre normal do ducto biliar abaixo do cálculo.
Métodos diagnósticos
- Ultrassonografia abdominal (USG): Pode identificar cálculos biliares e sugerir a Síndrome de Mirizzi ao demonstrar dilatação biliar acima do colo da vesícula e uma mudança súbita no calibre do ducto biliar comum. No entanto, sua sensibilidade é baixa (23-46%).
- Tomografía computadorizada (TC): Útil para descartar malignidade ao avaliar linfonodomegalia na região do hilo hepático ou infiltração hepática. Contudo, sua sensibilidade para Mirizzi é de 42%, sem agregar significativamente à ultrassonografia na identificação da obstrução biliar.
- Colangiorressonância magnética (CRM): Possui alta sensibilidade e permite avaliar a inflamação pericolecística, além de diferenciar a síndrome de neoplasias da vesícula biliar. As imagens ponderadas em T2 ajudam a distinguir processos inflamatórios de tumores.
- Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): Padrão-ouro de diagnóstico, realizada para detectar fístulas colecistobiliares. Também permite a descompressão biliar por meio de esfincterotomia e colocação de stents em pacientes com icterícia obstrutiva ou colangite.
- Colangiografia trans-hepática percutânea (CTHP) : Reservada para casos em que a CPRE não pode ser realizada, seja por falha do procedimento ou por anatomia alterada cirurgicamente.
Os achados típicos na colangiografia incluem defeito excêntrico na parede lateral do ducto biliar comum na altura do ducto cístico ou do colo da vesícula, além da passagem de contraste da via biliar dilatada para a vesícula biliar, sugerindo fístula colecistobiliar.
Tratamento da Síndrome de Mirizzi
O tratamento da Síndrome de Mirizzi é predominantemente cirúrgico, com abordagem variando conforme o tipo da síndrome e a presença de fístula colecistobiliar.
Abordagem geral
A cirurgia é o tratamento principal, pois permite a remoção da vesícula biliar inflamada e do cálculo impactado. No entanto, antes da cirurgia, a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pode ser utilizada para descompressão da via biliar em pacientes com icterícia obstrutiva ou colangite, através da colocação de stents. Essa abordagem pode evitar a necessidade de exploração do ducto biliar comum no momento da cirurgia.
Se a síndrome for diagnosticada durante a colecistectomia, um colangiograma intraoperatório deve ser realizado para confirmar o diagnóstico e avaliar a anatomia biliar antes da ressecção. Para pacientes sem condições clínicas para cirurgia, a CPRE com colocação de stent pode ser um tratamento definitivo.
Tratamento cirúrgico
A escolha do procedimento cirúrgico depende da presença e do tipo de fístula colecistobiliar:
- Tipo I: Colecistectomia parcial ou total, que pode ser realizada por laparoscopia ou cirurgia aberta. Geralmente, a exploração do ducto biliar comum não é necessária.
- Tipo II: Colecistectomia associada ao fechamento da fístula, seja por sutura com material absorvível, colocação de tubo em T ou colecistoplastia com o remanescente da vesícula.
- Tipo III: Colecistoplastia ou anastomose bilioentérica, como colecistoduodenostomia, coledocoduodenostomia ou coledocojejunostomia, dependendo do tamanho da fístula. A sutura da fístula não é recomendada.
- Tipo IV: A anastomose bilioentérica, geralmente uma coledocojejunostomia, é preferida, pois há destruição completa da parede do ducto biliar comum.
Nos casos de fístula colecistobiliar, a exploração do ducto biliar deve ser feita para descartar coledocolitíase, caso isso não tenha sido previamente avaliado por CPRE. Além disso, o cirurgião deve suspeitar de câncer de vesícula biliar, realizando biópsia por congelação de qualquer área suspeita.
Embora a laparoscopia possa ser tentada em pacientes com anatomia do tipo I, a conversão para cirurgia aberta é frequente, especialmente nos tipos II, III e IV, devido à inflamação intensa e distorção da anatomia biliar, aumentando o risco de lesão da via biliar. A laparoscopia como abordagem inicial para a Síndrome de Mirizzi ainda é controversa, com taxas de conversão elevadas.
Terapia endoscópica
A CPRE com esfincterotomia permite a descompressão da via biliar em pacientes com icterícia obstrutiva ou colangite, podendo ser usada como terapia temporária antes da cirurgia ou como tratamento definitivo para pacientes inoperáveis.
Outros métodos endoscópicos, como litotripsia, são tecnicamente complexos e apresentam taxa de sucesso limitada. Em uma série de casos, apenas três de 13 pacientes tratados exclusivamente por endoscopia tiveram sucesso na remoção completa dos cálculos, enquanto nove necessitaram de stents a longo prazo. O sucesso dessa abordagem é mais provável em pacientes com Síndrome de Mirizzi tipo II sem cálculos residuais na vesícula.
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Referências
Renuka Umashanker, MDDouglas Smink, MD, MPH. Mirizzi syndrome. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate
ZATERKA, Schlioma; PASSOS, Maria do Carmo Friche; CHINZON, Décio (eds.). Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós-graduação. 3. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2023.