Questão
Médicos pelo Brasil - ADAPS - Médico de família e comunidade
2022
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O Anestesista

Há também as dores da alma que nenhuma cirurgia consegue curar. O medo, por exemplo, não pode ser amputado. Pena. Porque o medo paralisa a vida. Dominada pelo medo, a vida se encolhe, perde a capacidade de lutar, entrega-se à morte. Animais amedrontados se deixam matar sem um único gesto de defesa. E, pelo que sei, as pessoas têm muito medo da anestesia, medo que chega a beirar o pânico, mais medo da anestesia que da violência do ato cirúrgico. É que elas têm medo de dormir. Quem dorme está indefeso, à mercê. Quem está dormindo volta a ser criança. As crianças têm medo de dormir. Por isso elas choram, não querem dormir sozinhas, desejam alguém ao seu lado. Alguém que cuide delas enquanto elas dormem. As canções de ninar são para tirar o medo a fim de que o sono seja tranquilo.

A anestesia pode ser feita de duas formas. A primeira é a anestesia como ato técnico, científico, competente, ato que se executa sobre o corpo da pessoa que vai ser operada. A segunda é igual à primeira, acrescida de um cuidado maternal. O anestesista assume, então, a função do pai e da mãe que cantam canções para espantar o medo. Foi o Sérgio, meu filho, que me contou.

Conversamos muito sobre o que fazemos. E, como ele se orgulha do que faz, ele me conta. Contou-me sobre as visitas aos pacientes amedrontados, às vésperas da cirurgia. O objetivo dessa visita é técnico: checar o estado físico do paciente — pressão, coração, vias respiratórias, etc. Mas a pessoa que está ali é mais que um corpo. É um ser humano. Está com medo. Medo da dor. Medo da morte, pois nunca se pode ter certeza. É preciso espantar o medo para que a vida não se encolha. Mas o medo só sai quando se confia. Não é qualquer pessoa que tira o medo de dormir da criança. Há de ser alguém em quem ela confia. Essa pessoa, e somente ela, tem o poder de cantar uma canção de ninar. O anestesista se transforma então em mãe e pai: pega no colo a criança amedrontada — diante da cirurgia, todos nós somos crianças!

Disponível em: <https://www.humanidadesmedicas. com.br>. Acesso em: 8 set. 2022, com adaptações.

No que se refere às construções morfossintáticas e aos mecanismos responsáveis pela coesão do texto, assinale a alternativa correta.
A
A fim de evitar a repetição desnecessária no período “Dominada pelo medo, a vida se encolhe, perde a capacidade de lutar, entrega-se à morte.” (primeiro parágrafo), o autor opta pelo uso do sujeito indeterminado ao empregar as formas “perde” e “entrega-se” para se referir ao termo “a vida”.
B
Caso o autor resolvesse excluir o pronome sublinhado no período “Alguém que cuide delas enquanto elas dormem.” (primeiro parágrafo), a referência ao sujeito da oração “As crianças têm medo de dormir.” (primeiro parágrafo) seria mantida.
C
No período “E, como ele se orgulha do que faz, ele me conta.” (terceiro parágrafo), a conjunção sublinhada relaciona duas orações por meio da ideia de comparação.
D
O vocábulo sublinhado no período “Não é qualquer pessoa que tira o medo de dormir da criança.” (terceiro parágrafo) funciona como adjetivo, pois retoma o termo “a pessoa”.
E
Por desempenhar apenas uma função acessória, o termo sublinhado na oração “diante da cirurgia, todos nós somos crianças!” (terceiro parágrafo) poderia ser descartado, pois não comprometeria a mensagem original.