Os filósofos e escritores que acreditavam que a literatura podia 'curar a alma'
Há obras literárias sobre as quais se pode afirmar que existe um consenso (quase) universal a respeito de sua relevância histórica. Elas oferecem uma visão profunda da complexa realidade humana, independentemente da época ou cultura em que foram escritas.
Nessa categoria podemos encontrar a Bíblia Sagrada, A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, os romances e contos de Dostoiévski, Tolstoi, Charles Dickens, Thomas Mann, Kafka e Borges, as obras de Shakespeare e Sófocles, Ilíada e Odisseia, de Homero, Eneida, de Virgílio, e por aí vai.
Nesses livros, e em centenas de outras obras, são exploradas as profundezas do coração humano, que não mudou essencialmente ao longo da história.
Neles, estão gravadas a sabedoria e a experiência humana acumuladas ao longo de milênios, o consenso sobre o que é essencialmente humano, com sua carga de verdade e mistério.
E justamente porque contribuem para revelar essa verdade atemporal do ser humano, estas obras literárias oferecem um efeito curativo para quem as lê.
Uma capacidade que não passou despercebida por povos antigos.
Mas, afinal, até onde podem chegar os efeitos benéficos, inclusive terapêuticos, da grande literatura?
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A narração e seu efeito de consolo
Para fins terapêuticos, o gênero pelo qual tem havido maior interesse é o narrativo.
À medida em que a doença revela um bloqueio interior, o filósofo alemão Walter Benjamin se pergunta "se toda doença não seria curável desde que se deixasse levar suficientemente longe pela corrente da narrativa... até a foz".
Os românticos chegaram à conclusão de que o ser humano não pode viver em um mundo totalmente “desiludido”, sem palavras no sentido da natureza e dos fatos, em um clima completamente imanente, sem lugar para as “narrativas” que oferecem consolo, como a religião, os rituais, a conexão com o todo, com o cosmos.
Neste sentido, o filósofo alemão Martin Heidegger também intuía que a natureza e o potencial da linguagem, especificamente da poesia, sustentam o seu poder de reconexão com o todo, com o sobre-humano, com o cosmos.
Alinhado com o que acreditava a geração romântica do final do século 18, se trataria de dar “voz aos desejos perenes do coração do homem”.
E apelavam à poesia, às emoções que ela provocava, porque a razão por si só é incapaz de acessar a totalidade da pessoa, abrangendo-a e compreendendo-a.
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Poético não é só poesia
Vale lembrar que o que chamamos de poético não é exclusivo do gênero literário conhecido como poesia.
A intuição poética é encontrada em romances, ensaios, obras filosóficas e históricas. Para o poeta inglês Percy B. Shelley, por exemplo, “Platão foi essencialmente um poeta” — e “os grandes historiadores, Heródoto, Plutarco, Tito Lívio” também foram poetas.
O poeta, na visão de muitos autores, é um grande terapeuta, porque todos estamos feridos — e é ele quem consegue apontar onde está a ferida, algo essencial para poder remediá-la. E diferentemente dos medicamentos, a poesia não tem data de validade.
Como escreveu Adam Zagajewski, “a poesia — naturalmente, apenas a grande, a excelente — é uma das artes que menos ficam amareladas”.
Quão improdutivo será então o prazer improdutivo de ler poesia, como diria a polonesa vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, Wisława Szymborska?
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51n22z5p40o. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons
Considerando as ideias, os sentidos e os aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o item a seguir.
No título "Os filósofos e escritores que acreditavam que a literatura podia 'curar a alma'", as duas ocorrências da palavra “que” pertencem à mesma classe gramatical.