GABARITO: ALTERNATIVA E

Estrategista,

Essa é uma questão inteligente e cuja resposta pode não parecer tão óbvia no princípio.

Antes de respondermos, é necessário que você relembre os quatro níveis de prevenção em saúde, para que consiga classificar corretamente uma ação de saúde em um determinado nível.

A Prevenção Primária é a aquela que realizamos antes do indivíduo desenvolver a doença. Portanto, são as ações estabelecidas no período pré-patogênico. De forma geral, essas ações podem ser classificadas em dois tipos: (a) promoção e (b) proteção específica da saúde. As ações de promoção em saúde são aquelas que têm por objetivo melhorar o estado de saúde do indivíduo, como o estímulo para o consumo de uma alimentação saudável e prática de atividade física, por exemplo. Já as ações de proteção específica têm por objetivo proteger o indivíduo especificamente de uma determinada doença. É o caso da imunização, onde a pessoa recebe uma vacina contra um bioagente específico.

Existe uma particularidade da prevenção primária que também é muito cobrada nas provas de residência chamada e que se chama Prevenção Primordial. Esse tipo de prevenção costuma ser aplicada para toda comunidade (ou seja, é uma intervenção comunitária) e tem por objetivo eliminar ou controlar uma exposição (ou fator de risco) ou ainda, modificar um hábito da população. Geralmente você perceberá facilmente que se trata de prevenção primordial e não de promoção ou proteção específica da saúde porque a banca vai falar que a ação foi aplicada para toda comunidade. São exemplos desse tipo de prevenção: a iodação do sal de cozinha, o tratamento de esgoto (saneamento básico), limitar a quantidade de açúcar em produtos industrializados, e “por aí vai”. Veja que essas são ações em que toda a comunidade será beneficiada, e não grupos específicos.

Dessa forma:

Prevenção no período pré-patogênico aplicada ao indivíduo ou à grupos específicos: prevenção primaria.
Prevenção no período pré-patogênico aplicada de forma coletiva: prevenção primordial.

A Prevenção Secundária é aquela que realizamos quando o indivíduo já tem a doença e desejamos ‘frear’ a evolução natural dela. Por exemplo, uma neoplasia evolui naturalmente para metástases caso nenhuma intervenção seja realizada. Dessa forma, o principal objetivo da prevenção secundária é evitar a evolução para as complicações e para o óbito, limitando assim o dano causado pelo processo patogênico.

Veja que o período patogênico pode ser dividido em (a) período assintomático (ou pré-clínico), (b) período sintomático sem complicações e (c) período sintomático com complicações. Quando as ações de saúde são aplicadas no período assintomático, elas objetivam descobrir se o indivíduo tem uma determinada doença – em outras palavras, são ações que ‘vão procurar’, de forma intencional, a doença no indivíduo. Essas ações são representadas pelos rastreamentos e ‘checkups’. Ainda, as ações estabelecidas ao longo de todo período patogênico, como tratamentos e exames de acompanhamento, também são medidas de prevenção secundária.

Dessa forma, sempre que a banca te perguntar sobre diagnóstico, tratamento ou limitação do dano (nos casos em que algum dano tecidual já existe e procura-se impedir que ele progrida), ela falará desse nível de prevenção.

A Prevenção Terciária é aquela que realizamos quando o indivíduo já apresenta alguma incapacidade ou sequela gerada pelo processo patogênico, correspondendo a uma fase mais avançada da doença. Por exemplo, um indivíduo com ‘sequela motora’ após um acidente vascular encefálico se beneficiará de fisioterapia e terapia ocupacional. Portanto, o objetivo desse nível de prevenção é propiciar a reabilitação da função que foi prejudicada (recuperar o dano). Quando a recuperação plena não é possível, as ações estabelecidas se encarregarão de restituir parcialmente “o prejuízo” ou pelo menos impedir que aquela incapacidade evolua para a incapacidade total. A dica para identificar esse tipo de prevenção nas provas de residência é: o indivíduo já apresenta a sequela ou a incapacidade.

Existe ainda um quarto nível de prevenção de doenças que vem ganhando força no Brasil e que vem sendo cobrada nas provas de residência médica, chamada Prevenção Quaternária (P4)! Esse tipo de prevenção foi mencionado pela primeira vez por Marc Jamoulle em 1999, um médico de família belga que procurava diminuir os efeitos maléficos causados por ações em saúde que foram realizadas sem indicação. Portanto, de forma resumida, a prevenção quaternária é a prevenção da iatrogenia que seria causada por ações em saúde desnecessárias. Ela segue um dos princípios éticos mais famosos da Medicina, que é o ‘Primum Non Nocere’ ou ‘Primeiro não fazer mal’. São exemplos de ações muito conhecidas de P4: a não prescrição de benzodiazepínicos para idosos e a própria ortotanásia, onde a realização de exames ou procedimentos invasivos não acarretará benefícios para os pacientes, piorando a qualidade de vida.

Voltando para a questão, a banca deseja saber qual é o nível de prevenção aplicado no tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS).

Veja bem que interessante: a HAS é considerada uma doença e caso não seja tratada, a doença naturalmente evolui para complicações como a hipertrofia ventricular esquerda, por exemplo.

Em contrapartida, a HAS também é fator de risco para outras doenças, como o Acidente Vascular Encefálico.

Nesse sentido, o candidato poderia pensar: mas o AVE não é uma “complicação” da HAS? Não necessariamente. As complicações são evoluções naturais e inevitáveis da doença. Quando falamos que em fator de risco, significa que o desfecho pode ocorrer ou não, ao contrário da evolução natural, que sabemos que vai acontecer em algum momento, a menos que haja intervenção. Por isso, reforçando o entendimento: virtualmente todos os pacientes com HAS terão HVE se não forem tratados, mas nem todos terão AVE. Por isso, a primeira condição é uma evolução natural da doença e a segunda, um evento que tem risco de acontecer.

Um outro exemplo para você entender melhor: a metástase é uma evolução natural de uma neoplasia não tratada, mas é fator de risco para trombose paraneoplásica. Isso porque, apesar da neoplasia favorecer o estado de hipercoagulabilidade, nem sempre a trombose ocorre como consequência da evolução natural.

Portanto, o tratamento da HAS é uma medida de prevenção secundária no sentido de prevenir a evolução natural da doença, mas também é prevenção primária no sentido de prevenir outros processos patogênicos que não são inevitáveis, mas há risco para acontecer na presença de HAS descontrolada.

Referência bibliográfica:

Rouquayrol MZ, Goldbaum M, Santana EWP e Gondim APS. Capítulo 2: Epidemiologia, História Natural, Determinação Social, Prevenção de Doenças e Promoção de Saúde. In: Epidemiologia & Saúde – 8ª edição. Organizado por Maria Zélia Rouquayrol e Marcelo Gurgel. Editora Medbook, 2017.