E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é o Hiperinsulinismo Congênito, a principal causa de hipoglicemia persistente em recém-nascidos e lactentes. Essa condição resulta da secreção inapropriada de insulina pelo pâncreas, mesmo diante de níveis baixos de glicose, podendo levar a complicações neurológicas se não for rapidamente reconhecida e tratada.
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Vamos nessa!
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Definição de Hiperinsulinismo Congênito
O hiperinsulinismo congênito é a principal causa de hipoglicemia persistente em neonatos e crianças, caracterizando-se por uma secreção desregulada de insulina. Essa condição abrange um grupo clinicamente, geneticamente e morfologicamente heterogêneo de distúrbios, sendo classificada em formas transitórias relacionadas ao estresse perinatal, formas monogênicas decorrentes de mutações em genes reguladores da secreção de insulina e formas associadas a síndromes, como a síndrome de Beckwith-Wiedemann.
O HI pode se manifestar desde o período neonatal com hipoglicemia grave, mas também pode surgir durante a infância ou até mesmo na idade adulta, com diferentes graus de gravidade e etiologias. A forma clínica pode variar de assintomática a quadros severos e refratários ao tratamento medicamentoso, exigindo em alguns casos pancreatectomia quase total.
A identificação precoce e o início imediato do tratamento adequado são fundamentais para prevenir lesões neurológicas permanentes, como epilepsia, paralisia cerebral e déficits no desenvolvimento neuropsicomotor.
Tipos de HIperinsulinismo Congênito
Os tipos de hiperinsulinismo podem ser classificados em três categorias principais: hiperinsulinismo induzido por estresse perinatal, formas monogênicas congênitas e hiperinsulinismo sindrômico.
Hiperinsulinismo induzido por estresse perinatal
É uma forma transitória de HI que ocorre em neonatos submetidos a estressores perinatais, como asfixia ao nascimento ou insuficiência placentária. Fatores de risco incluem restrição de crescimento intrauterino, doença cardíaca congênita e pré-eclâmpsia materna. O PSHI costuma responder bem à diazoxida e se resolve nos primeiros 3 a 6 meses de vida, embora casos mais graves possam ter evolução prolongada.
Formas monogênicas de hiperinsulinismo
São causadas por mutações em genes relacionados à secreção de insulina e ao desenvolvimento das células beta. As principais formas incluem:
a. KATP-HI
A forma mais comum e grave, resultante de mutações nos genes ABCC8 ou KCNJ11, que codificam os subunidades do canal KATP. Caracteriza-se por:
- Hipoglicemia de jejum severa;
- Hiperglicemia pós-prandial;
- Hipoglicemia induzida por proteína.
Pode ser:
- Focal (ressecável cirurgicamente e curável).
- Difusa (tratamento geralmente medicamentoso).
b. GDH-HI (hiperinsulinismo-hiperamonemia)
Causado por mutações ativadoras no gene GLUD1. Apresenta:
- Hipoglicemia de jejum.
- Hipoglicemia induzida por proteína.
- Amonemia persistentemente elevada (sem sintomas neurológicos típicos).
c. GCK-HI
Provocado por mutações ativadoras no gene GCK, responsável pela glicólise inicial nas células beta. O grau de hipoglicemia é variável. A resposta à diazoxida também varia.
d. HNF4A-HI e HNF1A-HI
Mutações inativadoras nesses genes levam a HI responsivo à diazoxida. Apesar de a hipoglicemia neonatal regredir, há risco aumentado de desenvolvimento de diabetes tipo MODY na vida adulta.
e. Outras formas raras
- SCHAD-HI (mutações no gene HADH): hipoglicemia induzida por proteínas;
- UCP2-HI (mutações no UCP2): hipoglicemia leve;
- MCT1-HI (mutações no SLC16A1): hipoglicemia induzida por exercício anaeróbico;
- HK1-HI (mutações em regiões não codificantes do gene HK1): geralmente responsivo à diazoxida.
Hiperinsulinismo sindrômico
Presente como manifestação dentro de síndromes genéticas específicas:
a. Síndrome de Beckwith-Wiedemann
Distúrbio de crescimento com alterações na região 11p15. A HI é frequente, geralmente leve e autolimitada, mas pode ser grave em casos com dissomia uniparental paterna.
b. Síndrome de Kabuki
Caracterizada por dismorfismos faciais, deficiência intelectual e baixa estatura. Mutações nos genes KMT2D e KDM6A. A HI faz parte do espectro clínico e a resposta à diazoxida é variável.
Manifestações clínicas do Hiperinsulinismo Congênito
O hiperinsulinismo congênito (HI) geralmente se manifesta logo após o nascimento, sendo a hipoglicemia neonatal grave a principal característica clínica. Essa hipoglicemia costuma exigir altas taxas de infusão de glicose (acima de 10 mg/kg/min) para manter níveis adequados de glicose no sangue. No entanto, o espectro clínico é amplo, e alguns pacientes podem apresentar peso normal ao nascer, necessitar de suporte mínimo de dextrose ou até se manifestar fora do período neonatal.
O peso ao nascimento pode oferecer pistas sobre o tipo de HI. Recém-nascidos grandes para a idade gestacional (macrossômicos) são frequentemente observados nas formas KATP-HI, HNF4A-HI, além de síndromes como Beckwith-Wiedemann e Sotos. Já os bebês pequenos para a idade gestacional (PIG) estão mais associados ao HI induzido por estresse perinatal (PSHI).
Outros achados clínicos também podem ajudar na suspeita diagnóstica. A presença de cardiopatias congênitas é comum em casos de PSHI, síndrome de Kabuki e síndrome de Turner. Já traços dismórficos, como alterações faciais ou corporais características, sugerem formas sindrômicas de HI, sendo exemplos notáveis a síndrome de Beckwith-Wiedemann e a síndrome de Kabuki.
Há ainda diferenças entre os subtipos de KATP-HI. Na forma difusa, os pacientes costumam nascer com peso elevado e requerem maior suporte de glicose desde os primeiros dias de vida. Por outro lado, na forma focal, apenas cerca de metade dos pacientes é macrossômica, e muitos casos se apresentam tardiamente, com convulsões hipoglicêmicas após a alta hospitalar.
Apesar dessas correlações clínicas, é importante destacar que há significativa sobreposição de sinais e sintomas entre os diferentes tipos de HI. Por isso, a apresentação clínica isolada não é suficiente para determinar o subtipo da doença, sendo fundamental a realização de avaliação genética e metabólica complementar para um diagnóstico preciso e um tratamento adequado.
Diagnóstico de Hiperinsulinismo Congênito
O diagnóstico do hiperinsulinismo congênito (HI) deve seguir as diretrizes da Pediatric Endocrine Society, iniciando-se com a coleta de uma “amostra crítica” durante a hipoglicemia. Essa coleta permite avaliar hormônios e substratos que ajudam a diferenciar o HI de outras causas de hipoglicemia. O teste com glucagon também é fundamental para avaliar a resposta glicêmica à sua administração.
Durante a hipoglicemia, os achados típicos de HI incluem: insulina e/ou C-peptídeo detectáveis, níveis baixos de beta-hidroxibutirato (<1,8 mmol/L) e ácidos graxos livres (<1,7 mmol/L), além de aumento da glicemia ≥30 mg/dL após glucagon. Mesmo com glicemia <50 mg/dL, a insulina pode estar ausente devido à limitação dos testes; já o C-peptídeo ≥0,5 ng/mL confirma secreção inapropriada de insulina.
O diagnóstico diferencial inclui panhipopituitarismo neonatal, ingestão acidental de sulfonilureias, hipoglicemia factícia (relação insulina:C-peptídeo >1) e insulinoma (raro em crianças, mas possível na adolescência).
Após a confirmação laboratorial, realiza-se o teste com diazoxida, que distingue formas responsivas (geralmente difusas e leves) das não responsivas (frequentemente focais e cirúrgicas). Nestes casos, a testagem genética é essencial, pois 90% apresentam mutações nos genes ABCC8 ou KCNJ11, com alto valor preditivo de HI focal em mutações paternas recessivas.
Os exames de imagem do pâncreas não são indicados rotineiramente, mas em casos suspeitos de HI focal, recomenda-se o PET com 18F-DOPA para localização precisa do foco e planejamento cirúrgico.
Tratamento do Hiperinsulinismo Congênito
O tratamento do hiperinsulinismo congênito (HI) visa controlar a hipoglicemia e prevenir danos neurológicos. A conduta inicial inclui o uso de dextrose intravenosa em altas taxas e a introdução precoce de alimentação enteral, como fórmulas hipercalóricas e infusões contínuas de carboidratos.
O primeiro tratamento farmacológico indicado é a diazoxida, um agente que abre os canais de potássio sensíveis ao ATP (KATP), suprimindo a secreção de insulina. A dose inicial recomendada é de 5 a 15 mg/kg/dia, dividida em duas ou três administrações. Pacientes devem ser monitorados quanto a efeitos adversos, como retenção de líquidos, hipertrofia cardíaca e hipertricose. A hidroclorotiazida pode ser usada em conjunto para reduzir a retenção hídrica. Se houver falha terapêutica, deve-se prosseguir com investigação genética e considerar outras abordagens.
Nos casos não responsivos à diazoxida, é indicado o uso de análogos da somatostatina, como a octreotida (subcutânea ou infusão contínua) ou a lanreotida (forma de liberação prolongada). Esses medicamentos reduzem a liberação de insulina, sendo úteis para controle glicêmico em pacientes com HI difuso ou como ponte para cirurgia.
Quando os tratamentos clínicos falham, especialmente nos casos de HI focal, o tratamento definitivo é cirúrgico, com a ressecção da área afetada do pâncreas, o que geralmente resulta em cura. Para os casos de HI difuso grave, pode ser necessária uma pancreatectomia subtotal (95 a 98%), embora essa abordagem esteja associada a risco aumentado de diabetes e insuficiência exócrina pancreática no longo prazo.
O acompanhamento inclui monitoramento rigoroso da glicemia, avaliação do desenvolvimento neurológico e, quando necessário, suporte nutricional especializado. Pacientes tratados devem ser acompanhados por equipes multidisciplinares em centros especializados para melhor manejo e prognóstico.
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Referências
Diva D De Leon-Crutchlow, MD, MSCEKatherine Lord, MD. Treatment and outcomes of congenital hyperinsulinism. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Diva D De Leon-Crutchlow, MD, MSCEKatherine Lord, MD. Pathogenesis, clinical presentation, and diagnosis of congenital hyperinsulinism. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate