Nos últimos anos, o ensino de Medicina no Brasil passou por uma transformação sem precedentes. Com a rápida expansão de cursos, forte presença do setor privado e interiorização das escolas médicas, o país vive um novo cenário na formação de profissionais da saúde.
O estudo Demografia Médica no Brasil 2025 revela dados que traçam um retrato detalhado desse movimento, apontando avanços, desigualdades regionais, queda na concorrência e desafios para a qualidade do ensino e regulação do setor. Confira mais abaixo!
Explosão de cursos e vagas
Nos últimos 20 anos, o Brasil mais que triplicou o número de escolas médicas, saltando de 143 (em 2004) para 448 em 2024. Esse crescimento é impulsionado principalmente pela Lei do Mais Médicos (2013), que incentivou a abertura de cursos, especialmente no interior. Desde então, foram criadas, em média, 2.538 novas vagas de Medicina por ano, com destaque para os anos de 2017, 2018 e 2024, que registraram os maiores aumentos.
Fonte: Elaboração dos autores; e-MEC. Demografia Médica 2025.A média de vagas por escola também aumentou — de 97 para 108. Em 2004, o Brasil contava com 13.820 vagas de graduação em Medicina. Vinte anos depois, em 2024, esse número saltou para 48.491. Desse total, 79,3% são ofertadas em instituições privadas e apenas 20,7% em públicas.
Fonte: Elaboração dos autores; e-MEC. Demmografia Médica 2025.Privatização do ensino médico
A oferta de vagas tem sido dominada por instituições privadas: 91,5% das novas vagas abertas desde 2014 pertencem a esse setor. Em números absolutos, saltaram de 15.146 para 38.450 vagas em 10 anos, enquanto as públicas cresceram timidamente de 8.359 para 10.041 no mesmo período. Veja abaixo a evolução do número de vagas de graduação em medicina, segundo natureza pública e privada da Instituição de Ensino Superior (IES), de 2004 a 2024:
Ano | Vagas Públicas | Vagas Privadas | Vagas Totais |
---|---|---|---|
2004 | 5.947 | 7.873 | 13.820 |
2005 | 5.987 | 8.895 | 14.882 |
2006 | 5.987 | 9.545 | 15.532 |
2007 | 6.237 | 10.270 | 16.507 |
2008 | 6.324 | 10.410 | 16.734 |
2009 | 6.364 | 10.460 | 16.824 |
2010 | 6.464 | 10.420 | 16.884 |
2011 | 6.664 | 10.799 | 17.463 |
2012 | 6.824 | 11.694 | 18.518 |
2013 | 7.670 | 12.900 | 20.570 |
2014 | 8.359 | 15.146 | 23.505 |
2015 | 9.222 | 16.464 | 25.686 |
2016 | 9.222 | 18.675 | 27.897 |
2017 | 9.434 | 22.330 | 31.764 |
2018 | 9.542 | 26.132 | 35.674 |
2019 | 9.622 | 27.892 | 37.514 |
2020 | 9.685 | 29.192 | 38.877 |
2021 | 9.725 | 30.130 | 39.855 |
2022 | 9.725 | 32.991 | 42.716 |
2023 | 9.871 | 35.022 | 44.893 |
2024 | 10.041 | 38.450 | 48.491 |
Além disso, conglomerados educacionais privados vêm adquirindo ou fundando escolas médicas. Grupos educacionais privados concentram mais de 20% das vagas autorizadas. Ainda assim, 40,7% das vagas estão em escolas privadas isoladas, o que indica espaço para novas aquisições e fusões no mercado.
Interiorização e desconcentração geográfica
Historicamente concentradas em capitais, as escolas de Medicina passaram por uma significativa interiorização. Em 2004, 51,2% das vagas estavam nas capitais. Em 2024, esse número caiu para 34,8%. Os municípios com menos de 300 mil habitantes concentram agora 43,6% das vagas.
Local IES | Cursos (2004) | Vagas (2004) | % (2004) | Cursos (2024) | Vagas (2024) | % (2024) |
---|---|---|---|---|---|---|
Capital | 57 | 7.082 | 51,2% | 117 | 16.875 | 34,8% |
Interior >300 mil hab. | 35 | 2.858 | 20,7% | 90 | 10.492 | 21,6% |
Interior 100–300 mil hab. | 30 | 2.808 | 20,3% | 155 | 13.942 | 28,8% |
Interior <100 mil hab. | 10 | 1.072 | 7,8% | 86 | 7.182 | 14,8% |
Brasil | 132 | 13.820 | 100% | 448 | 48.491 | 100% |
Regiões como Nordeste e Norte registraram crescimento acelerado. O Nordeste, por exemplo, abriga 28,4% das vagas e lidera o aumento proporcional de cursos, com 26 novas instituições apenas entre 2023 e 2024.
Concorrência em queda
Apesar da tradição de curso mais concorrido do país, a graduação em Medicina tem perdido atratividade relativa. Em 2014, a média era de 46,51 candidatos por vaga. Em 2023, caiu para 18,81 — uma redução de quase 60%.
Ano | Candidatos | Vagas | Razão candidato/vaga |
---|---|---|---|
2014 | 1.064.424 | 22.887 | 46,51 |
2015 | 1.121.928 | 24.432 | 45,92 |
2016 | 1.057.504 | 27.510 | 38,44 |
2017 | 1.045.212 | 31.175 | 33,53 |
2018 | 1.022.739 | 35.655 | 28,68 |
2019 | 1.038.157 | 39.511 | 26,28 |
2020 | 1.024.587 | 41.767 | 24,53 |
2021 | 966.005 | 44.182 | 21,86 |
2022 | 963.528 | 46.997 | 20,41 |
2023 | 961.793 | 51.120 | 18,81 |
A queda se deve ao aumento acelerado das vagas, que dobrou em menos de uma década, enquanto o número de candidatos manteve-se relativamente estável (em torno de 1 milhão por ano). A diferença é ainda mais marcante entre instituições públicas (68,5 candidatos/vaga) e privadas (7,17 candidatos/vaga).
Disparidades regionais e estruturais
A concorrência também varia conforme o porte do município e o tempo de existência da escola. Instituições localizadas em cidades com menos de 100 mil habitantes registram média de apenas 10,57 candidatos por vaga. Já escolas com mais de 20 anos de existência atraem mais de 30 candidatos por vaga.
Candidatos inscritos em seleção, vagas e razão candidato/vaga em cursos de medicina, segundo local da Instituição de Ensino Superior (IES), em 2023:
Localização IES | IES | Candidatos | Vagas | Razão candidato/vaga |
---|---|---|---|---|
Capital | 106 | 398.866 | 18.161,00 | 21,96 |
Interior > 300.000 habitantes | 79 | 228.011 | 11.077,00 | 20,58 |
Interior 100.000 a 300.000 habitantes | 141 | 257.175 | 14.528,00 | 17,7 |
Interior < 100.000 habitantes | 81 | 77.741 | 7.354,00 | 10,57 |
Candidatos inscritos em seleção, vagas e razão candidato/vaga em cursos de medicina, segundo tempo de existência da Instituição de Ensino Superior (IES), em 2023:
Tempo de existência | IES | Candidatos | Vagas | Razão candidato/vaga |
---|---|---|---|---|
Mais de 21 anos | 125 | 552.680 | 18.290,00 | 30,22 |
De 11 a 20 anos | 75 | 157.373 | 11.254,00 | 13,98 |
Menos de 10 anos | 207 | 251740 | 21.576,00 | 11,67 |
Além disso, há uma preocupação crescente com a qualidade da formação, especialmente nas escolas recém-criadas e em regiões afastadas dos grandes centros médicos e hospitalares.
Judicialização e novos editais: o futuro da formação médica
A expansão dos cursos de Medicina no Brasil avança por dois caminhos: os editais públicos, como o Mais Médicos, e a crescente judicialização do processo regulatório. Em 2024, havia 294 processos em análise no MEC, sendo que 60% tramitavam por via judicial, o que revela um uso estratégico da Justiça por instituições privadas para obter autorizações fora dos critérios técnicos do Ministério.
A falta de uniformidade nos marcos regulatórios e a atuação de grupos educacionais com fins lucrativos tornam o cenário ainda mais complexo. Embora a abertura de cursos tenha ampliado o acesso à formação médica, surgem preocupações com a qualidade do ensino, a saturação do mercado e a real capacidade do sistema de saúde de absorver tantos novos profissionais.
Segundo o estudo, o futuro da formação médica dependerá do equilíbrio entre expansão e qualidade, da regulação eficaz e da garantia de que novos cursos estejam alinhados às necessidades do SUS e da população brasileira.
Demografia Médica 2025
A Demografia Médica 2025, coordenada pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), foi divulgada no dia 30 de abril de 2025. Em sua 8ª edição, o estudo apresentou um panorama atualizado sobre a formação e a atuação dos médicos no Brasil. Clique no botão abaixo para conferir o estudo na íntegra:
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