O Brasil chegou a 2024 com mais de 570 mil médicos registrados, mas cerca de 244 mil deles ainda sem título de especialista. Esses dados fazem parte do estudo Demografia Médica no Brasil 2025, que revela não apenas o crescimento da força de trabalho médica no país, mas também as desigualdades na formação e na qualificação dos profissionais. Nesse cenário, ganha destaque o avanço dos cursos de pós-graduação lato sensu (PGLS), especialmente voltados à medicina, que se multiplicam como uma alternativa — nem sempre regulada — à formação especializada tradicional.
A crescente oferta dos cursos de pós-graduação em medicina levanta debates sobre qualidade, finalidade e regulação, além de evidenciar as lacunas deixadas pela residência médica e pela certificação via sociedades de especialidades. Embora esses cursos prometam formação complementar, muitos confundem — ou até tentam substituir — o caminho formal de titulação, criando impasses legais e éticos na atuação profissional. Confira mais abaixo!
Panorama da expansão
Segundo o estudo, foram identificados 2.148 cursos de pós-graduação lato sensu com foco específico na medicina, ofertados por 373 instituições em 2024. A esmagadora maioria dessas instituições — cerca de 92% — pertence ao setor privado, revelando o protagonismo do mercado na oferta desse tipo de formação.
A região Sudeste concentra 60,7% dos cursos, com destaque para o estado de São Paulo, que sozinho abriga 704 cursos, refletindo uma centralização tanto geográfica quanto econômica na especialização médica. Confira a distribuição dos cursos PGLS em medicina por Estado em 2024:
Estado | Instituições | Cursos | %* |
---|---|---|---|
São Paulo | 97 | 704 | 32,8 |
Minas Gerais | 41 | 352 | 16,4 |
Rio de Janeiro | 33 | 230 | 10,7 |
Paraná | 32 | 187 | 8,7 |
Distrito Federal | 8 | 116 | 5,4 |
Rondônia | 8 | 61 | 2,8 |
Ceará | 16 | 54 | 2,5 |
Goiás | 13 | 51 | 2,4 |
Pernambuco | 15 | 49 | 2,3 |
Bahia | 19 | 46 | 2,1 |
Rio Grande do Sul | 14 | 45 | 2,1 |
Paraíba | 8 | 39 | 1,8 |
Tocantins | 3 | 31 | 1,4 |
Piauí | 4 | 26 | 1,2 |
Santa Catarina | 8 | 22 | 1 |
Mato Grosso | 6 | 21 | 1 |
Pará | 8 | 19 | 0,9 |
Maranhão | 10 | 18 | 0,8 |
Espírito Santo | 6 | 18 | 0,8 |
Alagoas | 7 | 11 | 0,5 |
Mato Grosso do Sul | 3 | 10 | 0,5 |
Rio Grande do Norte | 4 | 9 | 0,4 |
Amapá | 2 | 8 | 0,4 |
Roraima | 2 | 6 | 0,3 |
Amazonas | 3 | 6 | 0,3 |
Sergipe | 2 | 5 | 0,2 |
Acre | 1 | 4 | 0,2 |
Brasil | 373 | 2148 | 100 |
Outro ponto de destaque é a diversidade nas modalidades de ensino. Do total de cursos com essa informação disponível, 47,7% são presenciais, enquanto 41,2% já são ofertados integralmente na modalidade a distância (EaD) — algo que levanta alertas, especialmente em áreas da medicina que exigem treinamento prático supervisionado. Os cursos híbridos, que mesclam encontros presenciais com atividades remotas, correspondem a 11,1% das ofertas. A rápida expansão do EaD nesse setor específico levanta dúvidas sobre a adequação da modalidade às necessidades de formação técnica e clínica de qualidade.
Especialidades e áreas mais comuns
A maior parte dos cursos de PGLS em medicina tenta se alinhar com as especialidades reconhecidas oficialmente no Brasil. Das 55 especialidades médicas definidas pela Comissão Mista de Especialidades (CME), 53 estavam representadas entre os cursos analisados. As especialidades com maior número de cursos são Endocrinologia e Metabologia (147), Dermatologia (129) e Psiquiatria (115). Confira abaixo os cursos PGLS em medicina, segundo especialidades médicas mais frequentes, em 2024:
Fonte: Elaboração dos autores; e-MEC, FMUSP, AMB. Demografia Médica 2025.Características e custos
Os cursos lato sensu em medicina apresentam características bastante variadas. Em média, têm duração de 13,3 meses e carga horária de 507 horas, embora esse número esconda uma grande dispersão: 16,7% dos cursos têm carga inferior às 360 horas mínimas exigidas por lei. Os cursos presenciais tendem a durar mais (15,4 meses) e a apresentar maior carga horária, superando 520 horas, enquanto os cursos EaD, mais curtos, costumam se concentrar próximos ao limite mínimo legal.
Confira abaixo os cursos PGLS em medicina, segundo carga horária, tempo de duração, número de vagas e preço, em 2024:
Variável | Média | Desvio padrão | Mediana |
---|---|---|---|
Carga horária (em horas) | 507,63 | 324,64 | 420 |
Tempo de duração (meses) | 13,3 | 7,38 | 12 |
Número de vagas | 30,59 | 59,63 | 6 |
Preço (em reais, valor de todo o curso) | 15.782,36 | 35.372,88 | 2.800,00 |
Em relação ao custo, os dados revelam um amplo espectro de preços. O valor médio total dos cursos foi estimado em R$ 15.700, mas há cursos que cobram mais de R$ 50 mil — principalmente nas especialidades cirúrgicas — e outros que custam menos de R$ 3 mil, geralmente em formato EaD. Cursos presenciais ou semipresenciais têm custos médios superiores a R$ 26 mil. Além disso, apenas 9,6% dos cursos são gratuitos, o que revela uma barreira de acesso significativa e reforça o caráter comercial da especialização médica no país.
Cursos PGLS em medicina, segundo caráter gratuito ou pago (2024)
Caráter | Quantidade | Percentual |
---|---|---|
Pagos | 794 | 90,4% |
Gratuitos | 84 | 9,6% |
Certificação e controvérsias
Apesar da nomenclatura semelhante à das especialidades reconhecidas, os cursos de PGLS não conferem o título de especialista, que só pode ser obtido via Residência Médica credenciada ou por exame de títulos da AMB. Ainda assim, cresce o número de profissionais que se anunciam como especialistas após concluir cursos de PGLS, gerando judicializações e posicionamentos críticos do Conselho Federal de Medicina e da própria AMB.
Ainda, a expansão dos PGLS ocorre em um vácuo regulatório: esses cursos são cadastrados no e-MEC, mas não exigem autorização ou reconhecimento formal. Segundo o estudo, isso leva à proliferação de formações com grande variação de qualidade, carga horária e metodologia. Muitos cursos são promovidos por instituições sem tradição ou estrutura adequada, com crescente tendência à terceirização da execução.
O estudo também aponta que a maioria dos cursos está dissociada das políticas e metas do SUS, o que reforça a lógica mercantil da formação médica e aumenta o risco de descompasso entre a especialização ofertada e as reais necessidades da população.
Rumo a uma regulação mais robusta
O estudo recomenda que o Ministério da Educação e o Inep avancem em processos de acreditação, com a colaboração de entidades médicas e da sociedade civil. O objetivo seria garantir padrões mínimos de qualidade e alinhar a formação médica complementar às necessidades reais do país — especialmente no âmbito do SUS.
No dia 20 de maio de 2025, o Governo publicou no Diário Oficial da União um Decreto que estabelece novas diretrizes para cursos de graduação e pós-graduação na modalidade a distância. De acordo com a medida, o curso de graduação em Medicina deverá ser oferecido exclusivamente de forma presencial.
Demografia Médica 2025
A Demografia Médica 2025, coordenada pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), foi divulgada no dia 30 de abril de 2025. Em sua 8ª edição, o estudo apresentou um panorama atualizado sobre a formação e a atuação dos médicos no Brasil. Clique no botão abaixo para conferir o estudo na íntegra:
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