No dia 11 de julho de 2022, um médico foi preso em flagrante por crime de estupro de vulnerável após abusar de uma paciente anestesiada durante o parto no Hospital da Mulher Heloneida Studart, na cidade de São João de Meriti, no Rio de Janeiro. Ainda, houve a má conduta do profissional abusando da quantidade de anestésico, bem como limitando a presença do acompanhante da gestante na sala de cirurgia, entre outros delitos.
A Lei do Acompanhante garante o direito às gestantes desde 2005 e inclusive está presente na Cartilha da Gestante, documento disponibilizado a todas as pessoas gestantes em processo de acompanhamento pré-natal no Brasil. No documento, ainda é condenada a violência obstétrica, bem como qualquer ato que infrinja a ética médica, a legislação brasileira e o ambiente acolhedor necessário para o parto imposto nos direitos da gestante.
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Direitos da gestante
Todos os direitos reservados à pessoa gestante transcendem a rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS) e se aplicam também a todos os hospitais particulares e conveniados no território brasileiro.
Para começar, um dos primeiros direitos é garantido pela Lei 9.263/96, que se refere ao planejamento familiar, garantindo o acesso da mulher à atenção integral à saúde, ao atendimento pré-natal e à assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato por meio do SUS.
Ainda antes do parto, toda gestante com acompanhamento do SUS possui – graças à Lei 11.634/2007, a Lei da Vinculação para o Parto – direito de conhecer previamente a maternidade em que seu parto acontecerá ou a qual será atendida em caso de intercorrência pré-natal.
Já a Lei Federal n° 11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante, define que todos os serviços de saúde são obrigados a conceder à parturiente o direito a um acompanhante de sua escolha durante todo o período de trabalho de parto, do parto em si e no pós-parto. Caso prefira, ela também pode optar por não ter acompanhante, porém a prática não é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
É importante reforçar que toda gestante possui o direito de ser atendida com respeito e dignidade pelas equipes de saúde, sem discriminação de cor, raça, orientação sexual, religião, idade ou condição social. Ainda, ela deve ser chamada pelo nome que preferir e saber os nomes dos profissionais que a atendem.
Além dos direitos nos serviços de saúde citados acima, existem os direitos trabalhistas, como:
- Licença-maternidade de 120 dias para gestantes na CLT e 5 dias para o pai logo após o nascimento do bebê;
- Não permissão de demissão enquanto grávida e até cinco meses após o parto (exceto por justa causa);
- Direito de mudar de função ou setor em seu trabalho, caso este apresente riscos;
- Recebimento de declaração de comparecimento sempre que comparecer a consultas de pré-natal ou fizer algum exame para ter ausência justificada no trabalho; e
- Direito de ser dispensada do trabalho todos os dias, por dois períodos de meia hora ou um período de uma hora, para amamentar nos primeiros 6 meses do bebê.
Guichês e caixas especiais ou prioridade nas filas para atendimento, assento prioritário e benefício extra em caso de Auxílio Brasil também estão entre os direitos das gestantes no Brasil.
Ainda, alguns casos particulares garantem direitos extras para as gestantes. Confira as leis:
- Lei nº 12.010/2009: direito de receber atendimento psicossocial gratuito, caso a mãe deseje, quando for preciso ou decidido entregar a criança à adoção;
- Lei nº 6.202/1975: garante à estudante grávida o direito à licença-maternidade sem prejuízo do período escolar;
- Decreto-Lei nº 1.044/1969: a gestante estudante poderá cumprir os compromissos escolares em casa a partir do oitavo mês de gestação, além de ser assegurado o direito à prestação dos exames finais;
- Estatuto da Criança e do Adolescente: a gestante adolescente tem o direito de ser atendida com sigilo, privacidade, autonomia e receber informações sobre planejamento familiar e sexualidade responsável, além de poder ser atendida sozinha, caso prefira.
Constantemente, esses direitos – embora claros e básicos – são negados às gestantes, especialmente em áreas carentes e longe dos grandes centros urbanos, seja pela falta de informação confiável ou pela ausência de políticas públicas e institucionais de qualidade à população e à equipe médica. Pensando em garantir às gestantes e puérperas a informação, os devidos direitos conquistados, o tratamento respeitoso e o ambiente acolhedor, o Ministério da Saúde desenvolveu a Caderneta da Gestante que em 2022 já chega em sua 6ª edição.
Caderneta da Gestante
Como uma forma de democratizar o acesso à informação confiável e acessível a respeito da gestação, parto e puerpério, a Caderneta da Gestante trata-se de um documento impresso distribuído assim que a gestante inicia o acompanhamento pré-natal em serviço público ou particular. A caderneta é um instrumento fundamental para registrar todos os procedimentos e exames realizados na gestação e no puerpério, além de monitorar sua evolução.
Elaborada em 1988, foi primeiro chamada de Cartão da Gestante e sofreu diversas mudanças até chegar à versão atual. As alterações mais relevantes ocorreram em 2015, quando foi reformulada e passou a se chamar Caderneta da Gestante. A partir destas modificações, foram adicionadas informações sobre gravidez saudável, desenvolvimento do bebê, orientações sobre amamentação e direitos da mulher durante a gestação. A atualização de 2016 foi a que tornou a caderneta a mais completa, pois foram adicionados dados sobre prevenção e proteção contra diversas doenças e infecções, como dengue e sífilis.
O Ministério da Saúde recomenda que a Caderneta permaneça sempre com a gestante para que a equipe de saúde registre e acompanhe todos os procedimentos realizados, a fim de garantir o bem estar materno-infantil e assegurar a tomada de decisões corretas pelos profissionais durante a gravidez.
Comparação entre as versões e polêmicas envolvendo a atualização
A versão mais recente da Caderneta da Gestante foi publicada em maio de 2022 e trata-se de uma atualização – sobretudo gráfica – das recomendações e direitos que constavam na edição mais completa, publicada em 2016.
Após a versão de 2016, mais três edições foram lançadas, mas apenas a publicada em 2022, 6ª edição, trouxe mudanças significativas no visual, no tom e nas informações. Confira abaixo os principais tópicos atualizados:
Versão de 2016 | Versão de 2022 |
Possui página com informações sobre o plano de parto e espaço em branco para ser preenchido com as decisões da pessoa gestante | Sem informação sobre o plano de parto e sem espaço para manifestação das exigências da pessoa gestante |
Aborda o acompanhamento das doulas como um profissional para dar assistência e apoio | Sem menção alguma às doulas, apenas citação de “profissionais na assistência”, mas sem defini-los com exatidão |
Dispensa a episiotomia e expõe seus riscos | Defende que a episiotomia pode ser útil em alguns casos |
Expõe a importância da amamentação segundo estudos comprovados | Também explica a importância, mas traz amamentação como possibilidade contraceptiva* |
Define os riscos da cesariana e que esta só deve ser realizada segundo recomendação médica | Incentiva a cesariana a pedido da pessoa gestante |
O tom – e a retomada de alguns conceitos considerados obsoletos e prejudiciais – presentes na atualização não agradaram parte da classe médica, além das sociedades competentes no assunto pela falta de sugestões apoiadas em evidências científicas. A própria Abrasco, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, publicou uma nota de repúdio à nova caderneta da gestante. Confira um trecho:
“A Associação Brasileira de Saúde Coletiva vem a público repudiar todo processo de concepção e divulgação da nova caderneta da gestante. Em relação ao conteúdo, esta recupera e fortalece práticas comprovadamente danosas a mulheres e seus bebês. Em relação à divulgação, cujo lançamento se deu dia 04 de maio, o coordenador da Atenção Básica do Ministério da Saúde, defendeu práticas banidas pela OMS, revelando desrespeito aos direitos reprodutivos, ignorância em relação às evidências científicas e demonstrando, de fato, como se constroem as violências obstétricas.”
Violência obstétrica e proteção dos direitos da paciente
É cada vez mais necessário expor o que é a violência obstétrica, bem como os procedimentos recomendados para denunciar práticas que firam a Ética Médica. O assunto está em alta tendo em vista episódios recorrentes de violência obstétrica e crimes envolvendo pacientes, sobretudo o caso da gestante vítima de abuso sexual, que repercutiu nesta semana.
Diversas sociedades médicas e órgãos do meio repudiaram o acontecido, como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) em nome dos profissionais da Atenção Primária à Saúde, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), como representante dos profissionais que atuam diretamente em prol da Saúde da Mulher, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados no âmbito político-jurídico e a Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso, que diz:
“É imperativo que esse evento abominável enseje uma modificação sobre a garantia de direitos dos pacientes, em particular de gestantes e puérperas, de estarem, durante o pré-natal, parto e pós-parto, com seu acompanhante desejado, rodeada do carinho familiar e, antes de tudo, protetor.”
Tanto a SBMFC quanto a FEBRASGO informam que estão elaborando ações no sentido de educar e conscientizar sobre violência contra a mulher e ética nas práticas em saúde, para promover as mudanças que estiverem sob alcance para proteção das mulheres e estancar a violência nos serviços de saúde de todo o país.
Confira aqui a Ética, direitos e deveres no exercício da Medicina!
Em suma, enquadram-se como violência obstétrica quaisquer procedimentos não-autorizados ou desnecessários. A paciente – e não apenas em caso de parto – deve ser respeitada e informada sobre todos os procedimentos. Ainda, o plano de parto precisa ser atendido. Este documento, geralmente elaborado durante o pré-natal, formaliza o desejo da gestante acerca da condução do parto.
Como denunciar casos de violência obstétrica e práticas que ferem a ética médica?
Na hipótese de algum ato ferir a ética médica ou a legislação nos serviços de saúde, desde violência obstétrica até um abuso ou prática suspeita, a gestante – bem como qualquer testemunha – pode denunciar em diversos canais possíveis:
- No próprio hospital ou junto ao serviço de saúde;
- Nos conselhos de medicina ou de enfermagem;
- Por meio do Disque Saúde (136), a ouvidoria do Ministério da Saúde; ou
- Ligação ao 190 ou à Central de Atendimento à Mulher, por meio do número 180.
Dependendo do nível da denúncia, o CRM do médico pode inclusive ser cassado. Isso acontece porque o Conselho Regional de Saúde atua com um Departamento de Fiscalização do Exercício Profissional para averiguar se o médico está seguindo as normas do Conselho e se o profissional está agindo na legalidade.
Qualquer cidadão pode fazer denúncias sobre irregularidades da conduta profissional médica. As denúncias serão analisadas e julgadas pela comissão e, se o profissional for considerado culpado, arcará com as consequências legais cabíveis e terá o CRM cassado.
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