A assistência ao pré-natal desempenha um papel crucial na saúde materna e fetal, sendo um dos temas mais recorrentes nas provas de residência médica. Para os futuros obstetras, compreender as condutas desse acompanhamento é fundamental, pois pequenas decisões podem impactar diretamente o bem-estar da gestante e do bebê. Dominar os protocolos e etapas, desde a anamnese até os exames físicos e complementares, é essencial para garantir um pré-natal de qualidade, prevenindo complicações durante a gestação.
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Por que o pré-natal é um assunto fundamental nas provas
A inclusão da assistência ao pré-natal nas avaliações de residência médica é justificada por sua alta relevância clínica. O manejo obstétrico adequado envolve a identificação de complicações maternas e fetais, e saber como conduzir o acompanhamento com base em protocolos atualizados. Um conhecimento sólido acerca da assistência ao pré-natal prepara o residente para manejar tanto gestações de risco habitual quanto de alto risco, garantindo um desempenho adequado não só nas provas, mas também na prática clínica cotidiana.
Além disso, muitos dos exames de certificação, como o Revalida e provas específicas de residência médica em Obstetrícia, focam em aspectos práticos do pré-natal, exigindo que os candidatos saibam reconhecer e interpretar sintomas e sinais precoces de complicações, entendam as melhores condutas a serem seguidas e conheçam os exames essenciais para o diagnóstico e acompanhamento dessas pacientes. Isso reforça a importância de estudar o pré-natal com ênfase nos protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS) e práticas recomendadas.
Assuntos frequentemente abordados nas provas de residência médica
Os examinadores das provas de residência frequentemente cobram temas que envolvem o conjunto de procedimentos que integram o pré-natal. Entre os tópicos mais recorrentes, destacam-se:
- Cálculos corretos de idade gestacional e peso fetal: a precisão no cálculo da idade gestacional é frequentemente avaliada nas provas, pedindo-se que o candidato a residente conheça as técnicas para estimar a data do parto baseada na data da última menstruação ou nos exames de ultrassonografia.
- Exames laboratoriais de rotina: hemograma, tipagem sanguínea, sorologia para sífilis, HIV, toxoplasmose, glicemia de jejum, curva glicêmica, urocultura, entre outros.
- Interpretação dos resultados dos exames complementares: incluindo a identificação de doenças como diabetes gestacional, anemia ferropriva e infecções do trato geniturinário.
- Acompanhamento e cálculo da idade gestacional: cálculo da data prevista para o parto (DPP) com base na data da última menstruação (DUM) e primeira ultrassonografia.
- Diferenciação entre gestações de risco habitual e de risco alto: realização de uma anamnese detalhada que permita identificar complicações como hipertensão, diabetes gestacional, parto prematuro, entre outros.
Principais exames complementares e sua interpretação durante o pré-natal
Hemograma
O hemograma é o exame de sangue mais comum no pré-natal. Seu objetivo principal é avaliar a presença de anemia, que comumente resulta de deficiência de ferro (anemia ferropriva). As alterações indicadas podem ter implicações na saúde da gestante e do feto, como a elevação do risco de parto prematuro.
No pré-natal, o valor de referência da hemoglobina para evitar anemia é superior a 11 g/dL. Se o nível de hemoglobina estiver abaixo disso, pode-se iniciar suplementação com ferro. Para casos mais graves, quando a hemoglobina estiver abaixo de 9 g/dL, o hematologista deve ser envolvido. A suplementação profilática de ferro geralmente é iniciada em torno de 16 semanas e continua até o sexto mês pós-parto.
Tipagem sanguínea e fator RH
Esse exame determina o tipo sanguíneo e identifica o fator Rh (positivo ou negativo), essencial para avaliar o risco de aloimunização materna, uma condição que pode comprometer gravemente o feto se houver incompatibilidade sanguínea entre a mãe e o bebê.
Interpretação
- Rh negativo: se a mãe for Rh negativo, deve-se realizar o teste de Coombs indireto para avaliar a presença de anticorpos anti-Rh.
- Rh positivo: nesse caso, a incompatibilidade Rh não é uma preocupação. Contudo, se for Rh negativo e o pai do bebê for Rh positivo, a gestante deve receber imunoglobulina anti-D em torno de 28 semanas e 72 horas após o parto, caso o bebê seja Rh positivo.
Glicemia de jejum e teste oral de tolerância à glicose (TOTG)
O rastreamento de diabetes gestacional é indispensável para evitar complicações associadas ao crescimento fetal excessivo, parto prematuro, pré-eclâmpsia, entre outras.
O valor da glicemia de jejum deve ser avaliado no início da gestação:
- Glicemia <92 mg/dL: Normal.
- 92 a 125 mg/dL: Diagnóstico de diabetes gestacional.
- ≥126 mg/dL: Indica suspeita de diabetes pré-gestacional (confirmar com novos exames).
Entre 24 e 28 semanas, aquelas com glicemia normal devem se submeter ao teste de tolerância à glicose (TOTG) com 75g de glicose, que avalia três etapas (jejum, 1 e 2 horas após o teste):
- Jejum ≥92 mg/dL.
- 1 hora ≥180 mg/dL.
- 2 horas ≥153 mg/dL.
A simples alteração de um desses valores confirma o diagnóstico de diabetes gestacional.
Sorologias (sífilis, HIV, toxoplasmose e hepatites)
Sífilis
O teste rápido de sífilis é o mais prático no contexto atual, utilizando o método não-treponêmico (como o VDRL). Quando positivo, deve ser iniciado o tratamento imediato com penicilina benzatina, mesmo antes de confirmação com teste treponêmico. Cabe reforçar a importância da avaliação e tratamento dos parceiros sexuais da paciente, nesses casos.
HIV
Toda gestante deve passar por teste de sorologia para HIV no primeiro e terceiro trimestres. Havendo positividade, a paciente é encaminhada para tratamento com antirretrovirais, reduzindo drasticamente a taxa de transmissão vertical.
Toxoplasmose
No Brasil, o rastreamento de toxoplasmose é baseado na análise de IgG e IgM. O rastreamento é essencial para definir se há imunidade (IgG positivo) ou se a gestante está suscetível à infecção (IgG e IgM negativos).
Interpretação
- IgG positivo e IgM negativo: Imunidade, sem necessidade de intervenção.
- IgG negativo e IgM positivo: Infecção aguda ou resultado falso-positivo — a interpretação depende de detalhes como o teste de avidez de IgG, exames prévios da paciente e da idade gestacional, e é abordada em um fluxograma detalhado do Ministério da Saúde; esse tema é explorado em detalhes nas aulas do Extensivo de Obstetrícia do Estratégia MED.
Hepatite B e C
O exame inicial é a sorologia para o antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg), uma vez positivo, sugere infecção ativa ou portador crônico do vírus – a depender dos outros marcadores. No caso de confirmação, é necessário realizar acompanhamento especializado e prever intervenções pós-parto para prevenção da infecção no recém-nascido.
Em gestantes suscetíveis, a vacina contra hepatite B é recomendada durante o pré-natal.
Em relação à hepatite C, o anti-HCV é realizado para triagem. Caso positivo, a infecção aguda deve ser avaliada com a dosagem do RNA para o HCV.
Urocultura
A detecção de infecção urinária assintomática (bacteriúria) por meio da urocultura é imprescindível. A bacteriúria assintomática influencia diretamente no risco de desenvolver complicações graves, como pielonefrite e parto prematuro.
A urocultura positiva com mais de 100.000 unidades formadoras de colônia (UFC) indica uma infecção ativa, mesmo na ausência de sintomas. Nessas situações, o tratamento com antibióticos seguros durante a gestação deve ser iniciado.
Cultura para Streptococcus do Grupo B (EGB)
Realizada por volta de 36 a 37 semanas, a cultura para Streptococcus do grupo B visa a prevenir a sepse neonatal precoce. Se detectada a presença da bactéria, a gestante recebe antibióticos intravenosos no momento do parto, reduzindo os riscos fetais.
Ultrassonografia na gestação
Além dos exames laboratoriais, a ultrassonografia é um dos principais exames empregados na gestação, com tipos e finalidades diversos a depender da idade gestacional.
No Brasil, o Ministério da Saúde não indica a ultrassonografia de rotina como obrigatória para a gestação de risco habitual, mas recomenda a realização de uma ultrassonografia obstétrica no primeiro trimestre para confirmação da idade gestacional, quando houver dúvida da datação calculada pela data da última menstruação, na suspeita de gestação gemelar, de restrição de crescimento fetal ou quando houver alguma intercorrência obstétrica.
Os detalhes sobre Assistência ao Pré-Natal, incluindo as indicações de ultrassom na gestação, são destrinchados nos materiais do Curso Extensivo de Obstetrícia do Estratégia MED – observe a tabela retirada do livro digital deste tema, que resume os tipos de ultrassom, a época indicada para sua realização e seus objetivos principais:
Técnicas de exame físico e manobras obstétricas para um acompanhamento eficaz
A assistência ao pré-natal não se limita apenas aos exames laboratoriais e suplementação. Um dos pilares fundamentais para a realização de um acompanhamento obstétrico de qualidade é a execução correta do exame físico obstétrico e das manobras obstétricas. Estas técnicas permitem a avaliação clínica da condição materna e fetal, proporcionando informações cruciais para o diagnóstico, o planejamento do parto e a identificação de riscos que possam ameaçar a gestante e o bebê.
Exame físico obstétrico
O exame físico obstétrico envolve três principais componentes: inspeção, palpação e ausculta, que auxiliam o médico a compreender a situação uterina e o estado fetal em vários estágios da gravidez. A seguir, uma explicação detalhada de cada parte.
Inspeção
A inspeção é a primeira etapa do exame físico de rotina durante as consultas de pré-natal. Essa técnica envolve a observação do volume abdominal, da presença de estrias, linhas de pigmentação (como a linha nigra) e eventuais sinais de cicatrizes de procedimentos anteriores, como cesariana. Também se observa a possibilidade de diástase dos músculos retos abdominais, varizes, e o exame das mamas para verificação de tubérculos de Montgomery (pequenas glândulas que sinalizam a gravidez).
Os sinais de presunção de gravidez (alterações mamárias, vômitos e náuseas) e de certeza de gravidez, como o sinal de Hegar e o amolecimento do útero, são frequentemente identificados nesta etapa.
Palpação
A palpação se inicia a partir da 24ª semana, quando o útero já sai da cavidade pélvica rumo à cavidade abdominal. Através da palpação, o obstetra pode identificar parâmetros importantes como a altura uterina. Essa altura é medida da borda superior da sínfise púbica ao topo do útero (fundo uterino) e serve para avaliação do crescimento fetal, sendo um importante indicador de restrição de crescimento intrauterino (RCIU) ou de polidramnia.
Além disso, pela palpação do abdome, será possível verificar a posição do feto e qual porção está mais baixa, chamada de apresentação fetal (cefálica, pélvica ou transversa).
Ausculta
A ausculta dos batimentos cardíacos fetais (BCF) é realizada com o uso do sonar Doppler ou, a partir de 20 semanas, com o estetoscópio de Pinard. Normalmente, os batimentos fetais variam de 120 a 160 batimentos por minuto (bpm). Alterações nesse padrão podem indicar distúrbios fetais e demandam investigações mais aprofundadas. A percepção dos BCF também é um dos sinais de certeza de gestação.
Manobras obstétricas
As manobras obstétricas, mundialmente conhecidas como manobras de Leopold, são essenciais para a determinação da posição e da apresentação fetal nas últimas semanas de gestação. Elas são divididas em quatro tempos e permitem uma avaliação completa sem o uso de imagem.
Primeiro tempo: Situação fetal
O primeiro tempo da manobra consiste em palpar o fundo uterino, que é a porção mais elevada do útero. Nesse momento, o objetivo é identificar qual parte do feto se encontra na porção superior do útero. Mediante essa avaliação, é possível determinar a situação fetal (que pode ser longitudinal, transversa ou oblíqua).
- Na situação longitudinal, o feto está alinhado com o eixo maior do útero, que é a posição mais comum e ideal para o parto.
- Na transversa, o bebê está na horizontal, uma posição mais complicada para o parto vaginal.
- A situação oblíqua é uma variação da longitudinal com pequeno desalinhamento do corpo fetal.
Segundo tempo: Posição fetal
No segundo tempo, o médico vai determinar a posição fetal, ou seja, se o dorso do feto está voltado para a direita ou esquerda do útero e para a frente ou para trás, dentro do abdome materno. Esse tempo é realizado com a palpação delicada das laterais do abdome da grávida. O lado em que o dorso estiver mais liso e contínuo indica o dorso fetal, enquanto o lado oposto geralmente apresenta eixos irregulares das partes fetais, como braços e pernas.
Terceiro tempo: Apresentação fetal
O terceiro tempo das manobras gira em torno da identificação da apresentação fetal, isto é, qual parte do feto está mais próxima da pelve materna, pronta para o parto. A palpação nesse estágio acontece logo acima da sínfise púbica.
Caso se detecte a cabeça fetal, a apresentação será cefálica. Se o que se toca for as nádegas, o feto está em apresentação pélvica. Em uma gestação de situação transversa, a apresentação pode ser acromial, ou seja, com o ombro descendo para o canal de parto.
Quarto tempo: Insinuação fetal
Por fim, o quarto tempo é utilizado para determinar se a cabeça ou a apresentação já estão insinuadas na escavação pélvica. Nessa etapa, o médico avalia o quanto o feto está “encaixado” na pelve materna, pressionando suavemente com ambas as mãos nas laterais inferiores do abdome. Feto encaixado indica que a apresentação já está fixada na pelve, um sinal positivo para partos cefálicos.
Considerações práticas durante o exame físico
Durante a aplicação das manobras de Leopold e a inspeção física, algumas variações devem ser levadas em consideração:
- Em pacientes obesas, a palpação pode ser mais complicada, devido ao acúmulo de tecido adiposo no abdome.
- Fetos em situação transversal ou oblíqua exigem maior cuidado e geralmente são encaminhados para avaliação por ultrassom, a fim de confirmar a viabilidade de parto vaginal ou a necessidade de cesárea.
- Exames físicos seriados são importantes para verificar as condições evolutivas fetais, especialmente em gestações prolongadas ou de alto risco.
Exame de toque vaginal
O toque vaginal é outra etapa crucial do exame físico obstétrico, especialmente em pacientes próximas ao termo. É no toque vaginal que o profissional pode avaliar a consistência do colo uterino, dilatação cervical, extensão do apagamento (afinamento do colo uterino) e perceber a posição da apresentação fetal.
Durante o trabalho de parto, o toque vaginal será realizado com mais frequência para acompanhar o progresso da dilatação cervical e da descida fetal pelo canal de parto.
Cuidados com suplementação e vacinação durante o pré-natal
A suplementação e a vacinação são pilares fundamentais durante o acompanhamento pré-natal, ambos exercendo papéis essenciais na proteção da saúde materna e fetal. A escolha correta das substâncias a serem suplementadas, assim como o calendário vacinal, garantem a prevenção de complicações, tanto para a gestante quanto para o recém-nascido. Conhecer as evidências científicas que embasam estas recomendações é fundamental não apenas para a prática clínica, mas também para garantir o sucesso em provas de residência médica.
Suplementação no pré-natal
A suplementação durante a gestação é baseada nas necessidades nutricionais da futura mãe, que sofrem variações durante o período gestacional. Embora as evidências científicas sustentem o uso de algumas vitaminas e minerais, como o ácido fólico e o ferro, outros suplementos são considerados apenas em casos especiais.
Ácido fólico
O ácido fólico, ou vitamina B9, é essencial na prevenção dos defeitos do tubo neural (DTN). A suplementação deve ser iniciada, preferencialmente, no período pré-concepcional, ou seja, 2 a 3 meses antes da concepção e mantida até as 12 semanas de gestação. A dose padrão recomendada para gestantes de baixo risco é de 0,4 mg ao dia. Contudo, gestantes de alto risco, como aquelas com diabetes mellitus, histórico de filho anterior com DTN ou que utilizam medicamentos anticonvulsivantes, necessitam de uma dose maior, geralmente cerca de 4 mg/dia.
Ferro (sulfato ferroso)
O ferro é outro componente essencial no pré-natal, com o principal objetivo de prevenir a anemia ferropriva, uma condição comum, mas que pode trazer risco de complicações maternas e fetais. A suplementação de ferro é recomendada a partir de 16 semanas de gestação para todas as mulheres, com a dose habitual de 40 a 60 mg de ferro elementar por dia (correspondente a cerca de 200 a 300 mg de sulfato ferroso). Em casos diagnosticados de anemia, o valor de ferro administrado deve ser aumentado para 120 a 240 mg. A profilaxia deve se estender até seis semanas pós-parto.
Suplementação de cálcio e vitamina D
Embora o cálcio seja importante para a saúde óssea da gestante e do feto, sua suplementação é recomendada apenas em gestantes que apresentam ingestão inadequada desse nutriente na dieta, especialmente em mulheres que não consomem produtos lácteos. Nesse cenário, a dose recomendada é de 600 mg de cálcio.
Em relação à vitamina D, seu uso é igualmente direcionado a casos onde há deficiência comprovada ou em situações especiais, como gestantes veganas que podem apresentar carência dessa vitamina.
Suplementos sem evidências em gestantes de baixo risco
Algumas substâncias, como ômega 3, são frequentemente divulgadas como benéficas para o desenvolvimento neurológico fetal. Contudo, não há evidência consolidada de que a suplementação de ômega 3 traga benefícios para gestantes de baixo risco que tenham uma dieta equilibrada. O mesmo se aplica a vitaminas como B12 e D, que só devem ser suplementadas em casos específicos.
Vacinação durante o pré-natal
A imunização da gestante desempenha um papel crucial na prevenção de doenças que podem impactar diretamente tanto a mãe quanto o feto. Dentre as vacinas consideradas seguras e recomendadas, encontramos a vacina contra a influenza, a tripla bacteriana (dTpa), a covid-19 e a hepatite B. Além disso, foi acrescentada recentemente a recomendação de vacina contra o vírus sincicial respiratório para gestantes.
O uso de vacinas de vírus vivos atenuados é contraindicado durante a gestação devido ao risco de infecção fetal. Incluem-se neste grupo vacinas como a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), a da varicela e a vacina oral contra a poliomielite. No entanto, essas vacinas devem ser atualizadas no momento pós-parto, caso a mulher não tenha recebido enquanto não gestante.