Olá, querido doutor e doutora! A testosterona, embora amplamente reconhecida por sua função no organismo masculino, também exerce influência relevante na saúde da mulher. Seu impacto se estende à esfera sexual, muscular, óssea e neurocognitiva. Apesar disso, o uso terapêutico em mulheres permanece restrito e cercado de controvérsias. Este texto aborda, de forma crítica e atualizada, os principais aspectos clínicos da testosterona na prática feminina.
O diagnóstico do déficit androgênico deve priorizar a avaliação clínica, já que os níveis séricos nem sempre refletem a atividade hormonal nos tecidos.
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Conceito
A testosterona é um hormônio androgênico naturalmente presente no organismo feminino, sendo produzido tanto pelos ovários quanto pelas glândulas adrenais. Embora tradicionalmente associada à saúde masculina, nas mulheres ela exerce diversas funções, incluindo regulação da libido, manutenção da densidade óssea, preservação da massa muscular e modulação do humor.
Durante a vida fértil, suas concentrações são significativamente mais altas que as de estradiol, e mesmo após a menopausa os ovários continuam a produzir andrógenos, ainda que em menores quantidades. A testosterona circula majoritariamente ligada a proteínas plasmáticas, como a SHBG (globulina ligadora de hormônios sexuais), sendo a fração livre responsável pelos efeitos biológicos nos tecidos-alvo.
Função da testosterona na mulher
A testosterona atua em diversos sistemas do organismo feminino, com efeitos que vão além da esfera sexual. Um de seus papéis mais reconhecidos é na regulação do desejo sexual, sendo considerada importante na resposta ao estímulo erótico, no aumento da motivação sexual e na sensibilidade ao prazer. Além disso, influencia a manutenção da massa muscular, da força física e da densidade mineral óssea, o que se torna especialmente relevante com o avanço da idade ou na pós-menopausa.
No sistema nervoso central, participa da modulação do humor e da cognição, podendo afetar aspectos como energia, bem-estar e memória verbal. A testosterona também exerce ação local sobre tecidos como pele e mucosas, incluindo a mucosa vaginal, contribuindo para sua integridade e função. Muitos desses efeitos resultam de sua conversão intracelular em outros hormônios ativos, como estradiol e di-hidrotestosterona (DHT), evidenciando sua complexa atividade metabólica.
Causas de deficiência androgênica em mulheres
A deficiência androgênica em mulheres pode ter origens variadas, envolvendo alterações fisiológicas, condições clínicas e intervenções médicas. O envelhecimento natural é uma das principais causas, com redução progressiva da produção de testosterona pelos ovários e adrenais, mesmo antes da menopausa. Em contrapartida, situações como a menopausa cirúrgica (ooforectomia bilateral) promovem uma queda abrupta nos níveis androgênicos, devido à perda súbita da principal fonte hormonal ovariana.
Distúrbios endócrinos também podem desencadear essa deficiência, como ocorre na insuficiência adrenal, no hipopituitarismo ou na amenorreia hipotalâmica. Nestes casos, há comprometimento na produção direta de andrógenos ou dos precursores necessários à sua síntese. O uso prolongado de corticoides sistêmicos ou anticoncepcionais hormonais (especialmente os que aumentam a SHBG) pode reduzir a fração livre e biodisponível da testosterona.
Além disso, doenças crônicas, como HIV, hepatopatias ou anorexia nervosa, podem interferir na produção e na ação dos andrógenos. A deficiência também pode ser iatrogênica, como nos casos de radioterapia pélvica ou quimioterapia, que afetam o funcionamento ovariano. Cada uma dessas situações exige avaliação individualizada, considerando não apenas os níveis séricos, mas também a apresentação clínica e o contexto de saúde geral da paciente.
Indicações clínicas para uso de testosterona
Atualmente, a única indicação clínica respaldada por evidências robustas para o uso de testosterona em mulheres é o transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH), especialmente em mulheres na pós-menopausa com queixa persistente de perda de interesse sexual associada a sofrimento pessoal. Essa indicação requer que outras causas — como conflitos relacionais, uso de medicações, distúrbios psiquiátricos ou disfunções hormonais — tenham sido adequadamente investigadas e excluídas.
Antes de iniciar a terapia, é recomendável que a mulher passe por uma abordagem multidimensional, que inclua avaliação biopsicossocial e, quando necessário, acompanhamento conjunto com equipe de saúde mental ou terapia sexual. A testosterona não deve ser usada apenas com base em níveis hormonais baixos, já que muitas mulheres com valores reduzidos não apresentam queixas, e a correlação entre níveis séricos e sintomas ainda é inconsistente.
Fora dessa indicação, não se recomenda o uso de testosterona para melhora de energia, bem-estar, composição corporal, saúde óssea, desempenho cognitivo ou prevenção de doenças cardiovasculares, devido à ausência de evidências de eficácia e segurança nessas situações. Portanto, o uso deve ser criterioso, com consentimento informado, metas terapêuticas bem definidas e monitoramento regular durante o tratamento.
Diagnóstico do déficit androgênico
O diagnóstico do déficit androgênico em mulheres não deve se basear apenas em dosagens hormonais, mas sim em uma associação entre sintomas clínicos e exclusão de outras causas. O principal sinal clínico reconhecido é a redução persistente do desejo sexual acompanhada de sofrimento subjetivo, característica do transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH). Outros sintomas frequentemente relatados — como fadiga, queda de energia, perda de motivação ou alterações de humor — são inespecíficos e podem ter múltiplas origens, o que torna o diagnóstico mais desafiador.
Do ponto de vista laboratorial, recomenda-se avaliar a testosterona total pela manhã, preferencialmente na fase folicular do ciclo, utilizando metodologias de alta sensibilidade, como cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massa. Ainda assim, os valores hormonais devem ser interpretados com cautela, pois não existe um ponto de corte validado universalmente para definir deficiência androgênica em mulheres, e os ensaios convencionais têm pouca precisão nos níveis fisiológicos femininos.
A dosagem da SHBG (globulina ligadora de hormônios sexuais) pode ser útil em situações específicas, como em usuárias de estrógenos orais, já que sua elevação reduz a fração livre da testosterona. No entanto, a dosagem de testosterona livre ou do índice androgênico livre (Free Androgen Index) não é recomendada de forma rotineira, devido à baixa confiabilidade desses métodos na prática clínica. Diante disso, o foco do diagnóstico permanece na avaliação clínica criteriosa, reforçando a importância do julgamento médico individualizado.
Formas de reposição disponíveis e posologia
A terapia com testosterona em mulheres utiliza, predominantemente, preparações formuladas originalmente para homens, adaptadas para doses muito menores, uma vez que não há formulações femininas aprovadas na maioria dos países. A exceção é a Austrália, onde existe uma apresentação transdérmica licenciada especificamente para uso feminino. Nos demais contextos, o uso é off-label e exige atenção à individualização da dose, pureza da formulação e monitoramento rigoroso.
A forma mais indicada é a via transdérmica, seja em gel ou creme, por permitir absorção gradual, menores riscos metabólicos e melhor controle das concentrações hormonais. As apresentações masculinas (como géis de 1% ou 2%) costumam ser fracionadas, sendo utilizada cerca de 1/10 da dose diária destinada ao homem — o que equivale, geralmente, a 5 mg de testosterona por dia. A dose inicial é ajustada de acordo com a resposta clínica e com os níveis hormonais, buscando-se manter a testosterona total dentro da faixa fisiológica para mulheres.
As formas orais não são recomendadas, pois têm maior impacto sobre o metabolismo hepático e alteram o perfil lipídico. Já os implantes subcutâneos ou formulações manipuladas só devem ser considerados em contextos excepcionais, e quando realizados por farmácias que sigam critérios rigorosos de qualidade.
É importante orientar a paciente quanto à aplicação correta (em pele limpa e seca, geralmente no abdome ou coxa), evitar o contato do local com outras pessoas por algumas horas e lavar as mãos após o uso. A posologia deve sempre ser revista após 3 a 6 semanas de tratamento, ajustando-se conforme sintomas e eventuais sinais de excesso androgênico, como acne ou aumento de pelos.
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Referências Bibliográficas
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- WEISS, Rita V. et al. Testosterone therapy for women with low sexual desire: a position statement from the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism. Archives of Endocrinology and Metabolism, v. 63, n. 3, p. 190–198, 2019. DOI: 10.20945/2359-3997000000152.