Resumo da Doença de Fabry: causas, diagnóstico e mais!
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Resumo da Doença de Fabry: causas, diagnóstico e mais!

Olá, querido doutor e doutora! A Doença de Fabry é uma condição genética rara de origem lisossômica, que pode comprometer múltiplos órgãos e causar impacto significativo na qualidade de vida, especialmente quando não diagnosticada precocemente. Com expressões clínicas diversas e evolução insidiosa, seu reconhecimento exige atenção especial por parte do médico. 

Nos homens com fenótipo clássico, a terapia específica deve ser considerada mesmo na ausência de sintomas, devido à natureza progressiva e silenciosa da doença.

Conceito 

A Doença de Fabry é uma condição genética rara causada por mutações no gene GLA, localizado no cromossomo X. Essas mutações resultam em atividade reduzida ou ausente da enzima alfa-galactosidase A (α-GAL A), que é responsável pela degradação de certos glicoesfingolipídios nos lisossomos.

A deficiência enzimática leva ao acúmulo progressivo de globotriaosilceramida (Gb3) e de seu metabólito globotriaosilesfingosina (lyso-GL3) em diversas células e tecidos, como endotélio vascular, podócitos, neurônios, cardiomiócitos e células da córnea. Esse acúmulo desencadeia alterações metabólicas, inflamatórias e isquêmicas que comprometem, de forma progressiva, órgãos como os rins, o coração e o sistema nervoso central.

Fisiopatologia  

Na Doença de Fabry, a deficiência da enzima alfa-galactosidase A (α-GAL A) impede a degradação eficiente da globotriaosilceramida (Gb3) dentro dos lisossomos. O resultado é o acúmulo progressivo desse glicoesfingolipídeo e de seu metabólito mais solúvel, a lyso-GL3, em diversos tipos celulares.

Esse acúmulo lisossomal ocorre de maneira sistêmica, mas tem maior impacto em tecidos vasculares, renais, cardíacos e neurais. A Gb3 se deposita inicialmente no endotélio vascular, provocando disfunção endotelial, proliferação de músculo liso, ativação de vias inflamatórias, estresse oxidativo e alterações no metabolismo energético celular. Com o tempo, esses processos levam a isquemia, fibrose e morte celular.

No parênquima renal, os depósitos ocorrem em podócitos, células endoteliais e túbulo-intersticiais, favorecendo a progressão para proteinúria, glomeruloesclerose e perda da função renal. No miocárdio, o acúmulo de Gb3 contribui para hipertrofia ventricular esquerda, fibrose intersticial e alterações de condução elétrica. Já no sistema nervoso, há risco aumentado de acidente vascular cerebral, mesmo em pacientes jovens, por envolvimento das artérias cerebrais, principalmente no território vertebrobasilar.

A lyso-GL3 tem papel relevante na perpetuação do dano, atuando como sinalizador celular com propriedades inflamatórias e vasoproliferativas, agravando a lesão tecidual mesmo em fases precoces da doença.

Epidemiologia e fatores de risco

A Doença de Fabry é considerada uma enfermidade de baixa frequência, com estimativas de prevalência que variam conforme a metodologia utilizada. Estudos clássicos apontam uma incidência de 1 em cada 40.000 nascidos vivos do sexo masculino, mas triagens populacionais mais recentes, especialmente aquelas feitas em programas de triagem neonatal e em populações de risco, sugerem números mais altos, em parte devido à detecção de variantes de significado incerto ou benignas.

A distribuição é universal, afetando todas as etnias e regiões geográficas, embora o subdiagnóstico ainda seja uma realidade, especialmente em casos de apresentação não clássica.

A herança é ligada ao X, o que implica que homens hemizigotos tendem a manifestar formas mais graves e precoces da doença. Já as mulheres heterozigotas apresentam variabilidade fenotípica ampla devido à inativação aleatória do cromossomo X (fenômeno de Lyon), podendo permanecer assintomáticas ou desenvolver manifestações sistêmicas progressivas.

Alguns grupos populacionais apresentam maior risco e são prioritários para rastreamento, incluindo:

  • Pacientes em diálise crônica ou com doença renal de origem indeterminada;
  • Indivíduos com cardiomiopatia hipertrófica inexplicada;
  • Pacientes jovens com AVEs isquêmicos sem causa definida;
  • Familiares de pacientes diagnosticados com DF, sobretudo quando há variantes genéticas patogênicas conhecidas.

Avaliação clínica

Fenótipo clássico (início precoce, mais comum em homens)

Nesse padrão, os sintomas surgem ainda na infância ou adolescência, com manifestações multissistêmicas progressivas:

  • Acroparestesias: dor neuropática intensa em extremidades, com crises desencadeadas por febre, exercício, estresse ou variações de temperatura.
  • Hipoidrose ou anidrose: por disfunção autonômica, comprometendo a termorregulação.
  • Angioqueratomas: lesões cutâneas pápulo-violáceas, agrupadas, geralmente na região inguinal, lombar e periombilical.
  • Sintomas gastrointestinais: dor abdominal pós-prandial, náuseas, vômitos e diarreia, mimetizando síndromes disfuncionais.
  • Córnea verticilata: depósitos corneanos visíveis à lâmpada de fenda, assintomáticos, mas indicativos da doença.
  • Alterações auditivas: perda auditiva neurossensorial progressiva.
  • Intolerância ao calor e fadiga crônica: que afetam a qualidade de vida desde a juventude.

Com o tempo, surgem complicações graves:

  • Doença renal: proteinúria persistente, diminuição progressiva da taxa de filtração glomerular (TFG), evoluindo para doença renal crônica e, frequentemente, necessidade de terapia renal substitutiva por volta da 4ª a 5ª décadas.
  • Cardiopatia: hipertrofia ventricular esquerda (HVE), disfunção diastólica, arritmias, bradicardia e fibrose miocárdica.
  • Eventos cerebrovasculares: ataques isquêmicos transitórios e AVEs precoces, em especial no território posterior (vertebrobasilar).

Fenótipo não clássico (início tardio, curso mais restrito)

Nessa forma, geralmente observada em homens com mutações de menor impacto funcional ou em mulheres, o comprometimento é mais localizado:

  • Variante cardíaca: com predominância de HVE concêntrica, arritmias e insuficiência cardíaca.
  • Variante renal: marcada por proteinúria isolada e queda progressiva da TFG, sem manifestações neurológicas ou cutâneas evidentes.

Apresentação em mulheres

Devido à inativação do cromossomo X, a apresentação clínica em mulheres é extremamente variável. Algumas permanecem assintomáticas, enquanto outras desenvolvem quadros completos semelhantes aos dos homens com forma clássica. Frequentemente, os sintomas surgem mais tardiamente, com destaque para envolvimento renal e cardíaco.

Diagnóstico 

Avaliação enzimática

O primeiro passo na investigação diagnóstica da Doença de Fabry costuma ser a dosagem da atividade da alfa-galactosidase A (α-GAL A). Em homens com forma clássica da doença, essa atividade costuma estar praticamente ausente ou abaixo de 5% dos valores normais. A análise pode ser realizada em leucócitos, plasma ou por meio de amostras de sangue seco (DBS). Em contrapartida, nas variantes de início tardio, essa atividade pode estar parcialmente reduzida, o que exige correlação com outros achados. Em mulheres, a interpretação isolada da atividade enzimática é pouco confiável, já que muitas apresentam níveis normais mesmo na presença de manifestações clínicas.

Biomarcadores circulantes

Os níveis plasmáticos de globotriaosilceramida (GL3) e, principalmente, de globotriaosilesfingosina (lyso-GL3) têm se mostrado ferramentas valiosas tanto para diagnóstico como para seguimento. A lyso-GL3, por ser mais específica e sensível, permite detectar alterações mesmo em mulheres com atividade enzimática normal. Além disso, sua elevação pode auxiliar na interpretação da patogenicidade de mutações incertas (VUS), funcionando como um marcador funcional de acúmulo lisossomal.

Testes genéticos

A confirmação definitiva da Doença de Fabry passa obrigatoriamente pela identificação de uma mutação no gene GLA. A presença de mutações já descritas como patogênicas permite confirmar o diagnóstico em ambos os sexos. No entanto, a identificação de VUS exige uma análise mais criteriosa, envolvendo correlação com o quadro clínico, biomarcadores, histórico familiar e, em alguns casos, biópsias. Em mulheres, o estudo genético é indispensável, visto que a atividade da α-GAL A pode ser normal.

Critérios de apoio siagnóstico

Alguns achados ajudam a reforçar o diagnóstico quando a confirmação molecular não é suficiente. Entre eles estão os sinais clínicos característicos (como angioqueratomas, acroparestesias, córnea verticilata), o histórico familiar positivo e os dados histológicos compatíveis. A associação entre esses critérios clínico-laboratoriais é especialmente útil em pacientes com sintomas isolados ou com variantes genéticas pouco descritas na literatura.

Papel da biópsia

A biópsia renal ou cardíaca, embora não seja rotineira, pode ser determinante em situações específicas, como em pacientes com VUS, sintomas localizados, ou dúvida diagnóstica persistente. A análise histológica, sobretudo por microscopia eletrônica, revela estruturas típicas como os corpos lamelares (corpos zebra), sinal clássico do acúmulo lisossomal de Gb3. Nesses casos, o achado histológico pode ser decisivo para iniciar o tratamento específico.

Tratamento 

Terapia específica

A base do tratamento é a terapia de reposição enzimática (TRE) com agalsidase alfa (0,2 mg/kg) ou beta (1,0 mg/kg), infundidas a cada 15 dias. Ambas reduzem lyso-GL3 e estabilizam o envolvimento renal e cardíaco. A escolha depende da tolerância, presença de anticorpos e logística. A beta exige pré-medicação.

Outra opção é o migalastat, uma chaperona oral indicada para mutações “amenable” em pacientes a partir de 16 anos com TFG ≥ 30 mL/min/1,73m².

Indicação de início

  • Homens com fenótipo clássico: iniciar a partir dos 7 anos, mesmo assintomáticos.
  • Mulheres sintomáticas: tratamento sempre indicado.
  • Assintomáticos com lesão renal ou cardíaca: iniciar terapia.
  • Casos com VUS: tratar se houver evidência laboratorial ou histológica de acometimento.

Terapias adjuvantes

Incluem iECA ou BRA para controle da proteinúria, além de manejo da HAS, dislipidemia e vitamina D. Pacientes com DRC avançada podem necessitar de diálise ou transplante, mantendo a TRE para proteção sistêmica.

Contraindicações e suspensão

Evitar TRE em casos com IgE anti-agalsidase, doença terminal ou má adesão. Reações graves podem justificar troca ou interrupção, sendo possível usar protocolos de dessensibilização em alguns casos.

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Referências Bibliográficas 

  1. SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA. Consenso brasileiro de doença de Fabry: recomendações de diagnóstico, triagem e tratamento. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 44, n. 2, p. 249-267, 2022. 
  2. BOKHARI, Syed Rizwan A.; ZULFIQAR, Hassam; HARIZ, Anis. Fabry Disease. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2023.
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