Olá, querido doutor e doutora! A síndrome de Cowden é uma condição genética rara de herança autossômica dominante, caracterizada por múltiplos hamartomas e risco aumentado de neoplasias malignas, especialmente de mama, tireoide e endométrio. O reconhecimento clínico costuma ocorrer a partir das manifestações mucocutâneas e da presença de macrocefalia, mas a confirmação diagnóstica envolve critérios clínicos e análise genética.
Pacientes podem desenvolver múltiplas neoplasias primárias em órgãos pareados, como mama e rim.
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Conceito
A síndrome de Cowden, também conhecida como doença de Cowden ou síndrome dos múltiplos hamartomas, é uma condição genética rara de herança autossômica dominante. Ela faz parte do espectro das síndromes hamartomatosas relacionadas ao gene PTEN (PTEN Hamartoma Tumor Syndromes – PHTS).
Caracteriza-se pelo desenvolvimento de hamartomas — tumores benignos formados por proliferação desorganizada de células normais do tecido de origem — que podem surgir em diversos órgãos, incluindo pele, mucosas, trato gastrointestinal, mama, tireoide e sistema nervoso.
Genética e patogênese
A síndrome de Cowden está fortemente associada a mutações germinativas no gene PTEN (phosphatase and tensin homolog), localizado no cromossomo 10q23.3. O PTEN atua como um supressor tumoral, regulando negativamente a via de sinalização PI3K/AKT/mTOR, responsável pelo controle da proliferação celular, apoptose e angiogênese.
Quando o PTEN sofre mutação de perda de função, há redução da apoptose e aumento da proliferação celular, favorecendo o desenvolvimento de hamartomas múltiplos e neoplasias malignas. Em alguns casos, ocorre o chamado segundo evento genético (“second hit”), que promove perda completa da função do PTEN e acelera o processo tumoral.
Embora as mutações em PTEN sejam identificadas em até 80–85% dos casos, outros genes também podem estar envolvidos, como SDHx (SDHB, SDHC, SDHD), KLLN, SEC23B, AKT1, PIK3CA e EGFR, além de casos de mosaicismo somático. Esses mecanismos explicam a ampla variabilidade clínica da doença e a existência de indivíduos com fenótipos semelhantes, mas sem mutação detectada em PTEN.
O padrão de herança é autossômico dominante, o que implica risco de 50% de transmissão para a descendência. Estima-se que entre 10% e 45% dos casos resultem de mutações de novo, sem histórico familiar prévio.
Epidemiologia e fatores de risco
A síndrome de Cowden é considerada uma condição rara, com prevalência estimada em 1 para cada 200.000 pessoas. No entanto, acredita-se que esses números estejam subestimados, já que muitos casos permanecem sem diagnóstico devido à ampla variabilidade fenotípica.
Há descrições de leve predomínio no sexo feminino, possivelmente relacionado ao risco aumentado de câncer de mama e endométrio. A maioria dos casos relatados ocorre em indivíduos da população branca, mas isso pode refletir viés de notificação.
O principal fator de risco para desenvolvimento da síndrome é a presença de mutação germinativa em PTEN, herdada em padrão autossômico dominante. Assim, cada filho de um indivíduo afetado tem 50% de chance de herdar a alteração genética.
Além disso, a história familiar de câncer em idades precoces (mama, tireoide, endométrio, cólon ou rim) deve levantar suspeita, especialmente quando há múltiplos familiares afetados ou tumores bilaterais/multifocais.
Avaliação clínica
Lesões mucocutâneas
As alterações cutâneas são um dos achados mais característicos e estão presentes em quase todos os pacientes até a terceira década de vida. Destacam-se os triquilemomas faciais, que se apresentam como pápulas na região centrofacial, os papilomas orais, frequentemente formando padrão em “calçamento” na língua e mucosa jugal, além das queratoses palmoplantares, que podem se manifestar como pápulas ou depressões puntiformes. Outros achados incluem fibromas, lipomas e neuromas cutâneos.
Alterações neurológicas e craniofaciais
A macrocefalia está presente em cerca de 80%–100% dos pacientes e pode vir acompanhada de atraso do desenvolvimento ou traços do espectro autista em crianças. Uma manifestação neurológica típica, embora rara, é a doença de Lhermitte-Duclos (gangliocitoma displásico do cerebelo), que cursa com sintomas como cefaleia, ataxia, distúrbios visuais e hidrocefalia obstrutiva.
Comprometimento gastrointestinal
Até 85% dos pacientes apresentam pólipos hamartomatosos no trato gastrointestinal, que podem surgir desde o esôfago até o cólon. Embora sejam benignos, existe risco aumentado de transformação neoplásica e de desenvolvimento de câncer colorretal. Achados como acantose glicogênica esofágica também são relatados.
Sistema endócrino e ginecológico
Na tireoide, podem ocorrer bócio multinodular, adenomas e cistos, com risco de até 30% para carcinoma diferenciado (papilífero ou folicular). Nas mulheres, são comuns leiomiomas uterinos, cistos ovarianos e alterações menstruais, além de risco elevado de carcinoma endometrial.
Neoplasias associadas
O risco de neoplasia maligna é elevado e constitui a principal preocupação clínica. Estima-se:
- 25%–50% de risco para câncer de mama em mulheres, geralmente antes dos 50 anos.
- 5%–10% para câncer endometrial.
- 3%–10% para câncer de tireoide.
- Até 30% para carcinoma renal.
- 9%–15% para câncer colorretal.
- 5% para melanoma cutâneo.
Critérios diagnósticos
Critérios maiores
Entre os principais achados que sustentam o diagnóstico da síndrome de Cowden estão alguns eventos clínicos de alto peso. Fazem parte desse grupo o câncer de mama, o carcinoma endometrial epitelial e o carcinoma folicular de tireoide. Também são considerados maiores a presença de macrocefalia (circunferência craniana ≥ 97º percentil), a doença de Lhermitte-Duclos em adultos, além de três ou mais pólipos hamartomatosos do trato gastrointestinal. Outro ponto relevante é a papilomatose oral múltipla e os triquilemomas faciais, desde que em número suficiente e, preferencialmente, confirmados por biópsia.
Critérios menores
Os critérios menores complementam o raciocínio diagnóstico e incluem manifestações clínicas ou laboratoriais frequentes, mas menos específicas. Entre eles estão câncer colorretal, carcinoma de células renais, lipomas múltiplos, nódulos ou bócio multinodular de tireoide, além de atraso cognitivo leve (IQ ≤ 75). Outros exemplos são autismo, pólipos intestinais adicionais, malformações vasculares e anomalias geniturinárias. Embora isoladamente não confirmem a doença, a combinação desses achados fortalece a suspeita.
Combinações para diagnóstico clínico
O diagnóstico pode ser firmado a partir de diferentes combinações. Em indivíduos sem histórico familiar conhecido, exige-se a presença de três critérios maiores (sendo obrigatório que um deles seja macrocefalia, pólipos gastrointestinais ou doença de Lhermitte-Duclos), ou então dois maiores e três menores. Já quando há histórico familiar positivo ou mutação conhecida em PTEN, o diagnóstico pode ser estabelecido com dois critérios maiores, ou um maior associado a dois menores, ou ainda três menores isolados.
Papel da testagem genética
A investigação molecular representa um recurso cada vez mais utilizado. A identificação de mutação germinativa em PTEN confirma o diagnóstico independentemente da soma de critérios clínicos. Em situações em que o gene PTEN não apresenta alteração, outros genes associados, como SDHx, KLLN ou AKT1, podem ser analisados. Essa confirmação genética tem impacto direto no rastreamento oncológico precoce e permite a testagem em familiares sob risco.
Tratamento e prognóstico
Tratamento das lesões benignas
As manifestações cutâneas típicas da síndrome de Cowden, como triquilemomas, queratoses palmoplantares e papilomas orais, geralmente não oferecem risco direto à saúde. Quando assintomáticas, podem ser apenas observadas. Nos casos em que causam desconforto estético, dor ou suspeita de transformação maligna, o manejo pode incluir crioterapia, laser, excisão cirúrgica ou uso de agentes tópicos, como 5-fluorouracil. A abordagem deve sempre considerar a chance de recidiva e o risco aumentado de cicatrizes hipertróficas ou quelóides.
Rastreamento oncológico
Devido ao risco elevado de neoplasias, o seguimento clínico deve ser estruturado e contínuo. Em mulheres, recomenda-se iniciar mamografia e ressonância magnética de mamas entre os 30 e 35 anos, com repetição anual. A ultrassonografia de tireoide é indicada anualmente desde a infância. A colonoscopia deve começar aos 35 anos, com intervalo de até cinco anos, podendo ser antecipada se houver histórico familiar de câncer colorretal precoce. O rastreamento renal com ultrassonografia ou ressonância magnética é recomendado a partir dos 40 anos. Em mulheres, a investigação endometrial deve ser feita diante de irregularidades menstruais, com biópsia quando indicado.
Acompanhamento multidisciplinar
O cuidado ideal requer atuação conjunta de diferentes especialidades, incluindo oncologia, endocrinologia, dermatologia, gastroenterologia, ginecologia e genética médica. Esse modelo de atenção permite não apenas o rastreamento das neoplasias, mas também o suporte psicológico e o aconselhamento genético para o paciente e seus familiares.
Perspectivas terapêuticas
Embora não haja terapias curativas, estudos recentes investigam o uso de inibidores de mTOR, PI3K e AKT como possíveis opções no futuro. Essas drogas visam corrigir os efeitos moleculares da deficiência de PTEN, mas ainda não fazem parte da prática clínica rotineira.
Prognóstico
O desfecho dos pacientes depende diretamente do diagnóstico precoce e da adesão ao rastreamento. O risco cumulativo de câncer é elevado, com taxas que variam entre 25% e 50% para câncer de mama em mulheres, 5% a 10% para endométrio, 3% a 10% para tireoide, 9% a 15% para colorretal e até 30% para carcinoma renal. Apesar dessa vulnerabilidade, indivíduos acompanhados em programas de vigilância podem alcançar expectativa de vida próxima à população geral. Entretanto, a qualidade de vida pode ser comprometida pela necessidade frequente de exames, cirurgias e consultas médicas, além do impacto emocional associado ao risco contínuo de malignidade.
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Referências Bibliográficas
- DYNAmed. Cowden Syndrome. EBSCO Information Services, 2023. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/cowden-syndrome.
- GAROFOLA, C.; JAMAL, Z.; GROSS, G. Cowden Disease. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2023. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK525984/.