Resumo da Síndrome de descontinuação de ISRS
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Resumo da Síndrome de descontinuação de ISRS

Olá, querido doutor e doutora! A interrupção dos antidepressivos ISRS deve ser conduzida com cautela, visto que a descontinuação inadequada pode desencadear sintomas físicos e psíquicos intensos. Muitos profissionais ainda subestimam esse risco, confundindo manifestações com recaídas. 

Reduções lineares de dose causam quedas desproporcionais na ocupação dos receptores de serotonina, aumentando o risco de sintomas intensos.

Conceito 

A síndrome de descontinuação dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) é um conjunto de manifestações clínicas que surgem após a suspensão abrupta ou a redução significativa da dose desses antidepressivos. Embora o termo “descontinuação” seja frequentemente utilizado, o quadro compartilha características com síndromes de abstinência observadas em outras classes de fármacos, o que reflete sua base neuroadaptativa.

Essa síndrome pode ocorrer mesmo em pacientes que utilizaram o medicamento por poucas semanas e não está restrita aos ISRS, podendo ser observada também com outros tipos de antidepressivos. A frequência é relativamente alta, e os sintomas variam de leves a intensos, sendo temporários na maioria dos casos, mas potencialmente incapacitantes para alguns indivíduos.

Fisiopatologia  

A fisiopatologia da síndrome de descontinuação dos ISRS está relacionada a alterações neuroadaptativas provocadas pelo uso prolongado desses medicamentos. Durante o tratamento, ocorre uma inibição sustentada do transportador de serotonina (SERT), levando ao acúmulo de serotonina na fenda sináptica e, como consequência, à regulação negativa dos receptores serotoninérgicos — ou seja, o sistema reduz sua sensibilidade para manter o equilíbrio.

Quando o ISRS é suspenso abruptamente, há uma queda rápida nos níveis de serotonina disponíveis, mas os receptores ainda estão dessensibilizados. Essa combinação cria um estado funcional de déficit serotoninérgico transitório, resultando em manifestações clínicas típicas da síndrome.

Além disso, os efeitos da serotonina vão além do sistema nervoso central, influenciando funções autonômicas, sensoriais e gastrointestinais. Isso explica a diversidade de sintomas — desde vertigem até náuseas, parestesias e alterações do humor — observada após a retirada dos ISRS.

Medicamentos com meia-vida curta, como paroxetina e venlafaxina, estão associados a maior risco de sintomas intensos, justamente pela velocidade com que os níveis plasmáticos caem. Já compostos como a fluoxetina, com meia-vida longa, tendem a gerar quadros mais amenos e de início mais tardio.

Epidemiologia e fatores de risco

Estudos demonstram que a síndrome de descontinuação dos ISRS é mais comum do que se supunha, afetando aproximadamente 50% a 60% dos pacientes que interrompem esses medicamentos, com variações importantes conforme o tipo de fármaco. Paroxetina e venlafaxina estão entre os compostos com maior taxa de ocorrência, enquanto a fluoxetina, devido à sua meia-vida longa, está associada a menor frequência de sintomas.

Embora seja uma condição amplamente relatada, ainda há subnotificação clínica, muitas vezes por confusão com recaídas psiquiátricas ou por desconhecimento do quadro pelos profissionais de saúde. Isso contribui para o uso prolongado e muitas vezes desnecessário de antidepressivos.

Quanto aos fatores de risco, destacam-se:

  • Uso prolongado do antidepressivo (meses a anos);
  • Altas doses de ISRS;
  • Suspensão abrupta ou desmame rápido;
  • ISRS de meia-vida curta;
  • Histórico prévio de síndrome de descontinuação;
  • Sensibilidade individual à flutuação de neurotransmissores;
  • Falta de orientação médica adequada sobre o processo de retirada.

Curiosamente, características sociodemográficas como idade, sexo e comorbidades não demonstraram associação consistente com maior vulnerabilidade, segundo as revisões mais recentes.

Avaliação clínica

O quadro clínico da síndrome de descontinuação dos ISRS é variado e inespecífico, o que frequentemente leva à sua subvalorização ou confusão com recaídas psiquiátricas. Os sintomas geralmente surgem dentro de poucos dias após a suspensão ou redução abrupta da dose e podem persistir por semanas — em alguns casos, por meses.

Uma forma útil de lembrar os sintomas é por meio do acrônimo FINISH:

  • Flu-like symptoms: mal-estar geral, fadiga, febre baixa, sudorese e cefaleia;
  • Insônia: muitas vezes associada a sonhos intensos ou pesadelos;
  • Náusea: podendo incluir vômitos e alterações do apetite;
  • Insegurança postural: tontura, vertigem e instabilidade;
  • Sensações elétricas: descritas como “choques” ou “zaps” no corpo e na cabeça;
  • Hiperatividade neurovegetativa: ansiedade, irritabilidade, agitação psicomotora, e em casos mais graves, sintomas maniformes.

Outros sintomas relatados incluem confusão mental, palpitações, tremores, distúrbios gastrointestinais e alterações sensoriais, como zumbidos ou parestesias. Pacientes também podem apresentar ideação suicida ou sintomas psicóticos transitórios, o que reforça a importância da monitorização durante o processo de retirada.

A variabilidade individual é grande: alguns pacientes apresentam sintomas leves e autolimitados, enquanto outros enfrentam episódios intensos e incapacitantes.

Diagnóstico 

O diagnóstico da síndrome de descontinuação dos ISRS é clínico e requer uma anamnese cuidadosa que leve em conta o histórico recente de uso e retirada de antidepressivos. Não há exames laboratoriais ou de imagem que confirmem o diagnóstico, sendo a cronologia dos sintomas o principal elemento para sua identificação.

A principal dificuldade diagnóstica está em diferenciar a síndrome de uma recaída do transtorno psiquiátrico de base. No entanto, algumas características ajudam nessa distinção:

  • Início rápido dos sintomas, geralmente entre 1 e 5 dias após a interrupção ou redução do ISRS;
  • Desaparecimento rápido após reintrodução da medicação, frequentemente em até 72 horas;
  • Presença de sintomas físicos incomuns em recaídas, como parestesias, tontura, zumbidos e as chamadas “descargas elétricas”;
  • Ausência de sintomas cognitivos profundos ou ideação de culpa, típicos da depressão recorrente.

É útil também avaliar o tipo de ISRS envolvido. Medicamentos com meia-vida curta, como paroxetina e venlafaxina, apresentam início mais abrupto e sintomas mais intensos, enquanto a fluoxetina pode levar semanas para gerar manifestações clínicas, o que pode atrasar o reconhecimento do quadro.

O uso de instrumentos padronizados como a escala Discontinuation-Emergent Signs and Symptoms (DESS) pode auxiliar no rastreio e monitoramento da evolução dos sintomas, embora não seja necessário para a maioria dos casos.

Tratamento 

O manejo da síndrome de descontinuação dos ISRS deve ser ajustado conforme a intensidade dos sintomas e a resposta individual do paciente. Em casos leves, muitas vezes é suficiente oferecer esclarecimento, tranquilização e suporte clínico, visto que os sintomas são autolimitados e reversíveis.

Nos casos moderados a graves, a conduta mais eficaz consiste na reintrodução do antidepressivo previamente utilizado, ou, alternativamente, na substituição por um ISRS de meia-vida longa, como a fluoxetina, que pode ser retirada posteriormente de forma gradual. Essa medida geralmente promove alívio rápido dos sintomas, em até 72 horas.

Após estabilização, deve-se adotar um plano de desmame lento e proporcional, preferencialmente com reduções não lineares, respeitando intervalos adequados entre cada etapa. Preparações líquidas ou manipuladas podem facilitar a titulação fina da dose.

Em paralelo, é indicado orientar o paciente sobre estratégias comportamentais de suporte, como higiene do sono, prática regular de exercícios físicos e técnicas de respiração ou mindfulness. Em casos de maior impacto funcional ou sofrimento, pode haver necessidade de encaminhamento para suporte psicológico ou acompanhamento psiquiátrico especializado.

Como deve ser feito o desmame de ISRS

O desmame dos ISRS deve ser realizado de forma lenta, segura e individualizada, com o objetivo de minimizar a ocorrência e a intensidade dos sintomas de descontinuação. A retirada abrupta deve ser evitada, exceto em situações excepcionais (como reações adversas graves).

Estratégia de redução proporcional (tapering hiperbólico)

A redução deve respeitar o modelo de ocupação dos transportadores de serotonina, que segue uma curva hiperbólica: pequenas reduções em doses baixas provocam impactos proporcionais muito maiores do que as mesmas reduções em doses altas. Por isso, recomenda-se que os cortes de dose sejam proporcionais à dose anterior, e não em reduções lineares.

Exemplo de um esquema de redução hiperbólica para citalopram (dose inicial de 20 mg/dia):

  • 20 mg → 9,1 mg → 5,4 mg → 3,4 mg → 2,3 mg → 1,5 mg → 0,8 mg → 0,4 mg → 0 mg

Essas reduções devem ser feitas a cada 2 a 4 semanas, monitorando-se sintomas a cada etapa.

Recomendações gerais para o desmame

  • Reduzir a dose em cerca de 10% dos transportadores de serotonina a cada etapa, com intervalos de 2 a 6 semanas;
  • Para pacientes com histórico de síndrome de descontinuação, usar reduções ainda menores (ex.: 5%);
  • Utilizar formulações líquidas ou cápsulas manipuladas para possibilitar ajustes finos;
  • Em pacientes com maior sensibilidade ou uso prolongado, o processo pode durar meses ou até anos;
  • A fluoxetina, devido à sua longa meia-vida, pode ser usada como fármaco de transição em desmames difíceis;
  • Caso sintomas de descontinuação surjam, retomar a última dose bem tolerada e seguir com reduções mais suaves;
  • Monitorar continuamente, com avaliações clínicas regulares e suporte multidisciplinar, se necessário.

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Referências Bibliográficas 

  1. GABRIEL, M.; SHARMA, V. Antidepressant discontinuation syndrome. CMAJ, v. 189, n. 21, p. E747, 2017. 
  1. PALMER, E. G. et al. Withdrawing from SSRI antidepressants: advice for primary care. British Journal of General Practice, v. 73, p. 138-140, 2023. 
  1. HOROWITZ, M. A.; TAYLOR, D. Tapering of SSRI treatment to mitigate withdrawal symptoms. Lancet Psychiatry, publicado online 5 de março de 2019. 
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