Olá, querido doutor e doutora! O hifema, caracterizado pela presença de sangue na câmara anterior do olho, representa uma emergência oftalmológica que exige avaliação imediata e abordagem direcionada. Sua apresentação clínica varia desde microhifemas assintomáticos até casos com perda visual importante e risco de hipertensão ocular aguda.
Em crianças sem histórico de trauma, deve-se sempre considerar a possibilidade de abuso físico como causa do hifema.
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Definição e aspectos anatômicos relevantes
O hifema é caracterizado pela presença de sangue na câmara anterior do olho, geralmente visível como um nível sanguíneo ou como hemácias dispersas, dependendo da gravidade. Essa câmara é o espaço preenchido por humor aquoso entre a córnea (anteriormente) e a íris e cristalino (posteriormente). A drenagem do humor ocorre pela malha trabecular e pelo Canal de Schlemm, localizados no ângulo iridocorneano.
A principal via de entrada do sangue na câmara anterior é por meio da ruptura de vasos da íris ou do corpo ciliar, muitas vezes em resposta a trauma. Quando isso ocorre, as hemácias podem obstruir a drenagem do humor aquoso, promovendo aumento da pressão intraocular e potencial risco de dano ao nervo óptico. Além disso, o sangue pode impregnar o endotélio da córnea, alterando sua transparência e comprometendo a acuidade visual.
Classificação do hifema
A classificação do hifema é baseada na quantidade de sangue presente na câmara anterior, observada clinicamente com o paciente em posição sentada. Essa classificação é útil tanto para o prognóstico visual quanto para definir o nível de vigilância e intervenção necessária.
- Grau 0 (microhifema): presença de hemácias em suspensão, sem formação de nível visível de sangue.
- Grau I: sangue ocupando menos de 1/3 da câmara anterior.
- Grau II: preenchimento entre 1/3 e 1/2 do espaço.
- Grau III: sangue ocupando mais da metade, sem preenchimento total.
- Grau IV: preenchimento completo da câmara anterior por sangue, com aparência escura (“eight-ball hyphema”).
Além da estimativa volumétrica, o nível de visibilidade da pupila e o comprometimento da acuidade visual ajudam a orientar a abordagem inicial. Quanto maior o grau, maior o risco de complicações como hipertensão ocular, rebleeding e dano estrutural permanente.
Etiologias possíveis
O hifema pode surgir por diversos mecanismos, sendo o trauma o mais frequente. No entanto, há causas espontâneas ou secundárias a doenças sistêmicas, que devem ser consideradas especialmente na ausência de histórico traumático.
1. Traumáticas (mais comuns)
- Trauma contuso: provoca compressão anteroposterior do globo ocular com expansão equatorial, levando à ruptura de vasos da íris ou do corpo ciliar.
- Trauma penetrante: lesão direta nos vasos da íris, com risco aumentado de perfuração ocular.
2. Espontâneas
- Neovascularização da íris: comum em retinopatia diabética proliferativa, oclusão de veia central da retina e isquemia ocular por estenose carotídea.
- Tumores intraoculares: como retinoblastoma, melanoma, xantogranuloma e metástases.
- Coagulopatias: hemofilia, doença de von Willebrand, leucemias, púrpuras trombocitopênicas.
3. Induzidas por medicamentos
- Uso de anticoagulantes (heparina, varfarina) e antiagregantes plaquetários (aspirina).
4. Pós-operatórias
- Após cirurgias oculares como facectomia, vitrectomia ou trabeculectomia, o hifema pode ocorrer durante ou dias após o procedimento.
Importante lembrar que, em crianças com hifema sem trauma aparente, deve-se levantar a hipótese de abuso físico infantil, exigindo investigação cuidadosa.
Epidemiologia e perfil do paciente típico
O hifema é mais frequentemente observado em jovens do sexo masculino, especialmente entre 10 e 20 anos, sendo associado a atividades esportivas, agressões físicas ou acidentes com objetos de alto impacto. Estima-se uma incidência de aproximadamente 12 casos por 100.000 pessoas ao ano, com maior concentração em crianças e adolescentes.
Nos casos traumáticos, os esportes com bola — como basquete, futebol, beisebol e paintball — são os principais contextos de ocorrência. Em adultos, episódios de agressão ou acidentes automobilísticos estão frequentemente envolvidos.
Pacientes com distúrbios hematológicos, como anemia falciforme, hemofilia ou uso crônico de anticoagulantes, formam um subgrupo importante nas causas não traumáticas e apresentam maior risco de complicações, principalmente pela dificuldade na drenagem intraocular do sangue.
Avaliação clínica
Sintomas oculares
Os pacientes costumam apresentar visão borrada ou redução da acuidade visual, que pode variar conforme o volume de sangue acumulado. Em hifemas leves, o sintoma pode ser discreto, enquanto nos graus mais altos a perda visual pode ser acentuada. A presença de fotofobia é comum, assim como dor ocular, especialmente se houver aumento da pressão intraocular.
Sinais associados
Pode haver anisocoria, decorrente de lesão no esfíncter da íris, com miose ou midríase. Nos casos mais intensos, a dor pode ser acompanhada de náuseas e vômitos, sinal indireto de hipertensão ocular. Ao exame com lâmpada de fenda, observa-se nível de sangue na câmara anterior; nos microhifemas, apenas hemácias dispersas são identificadas.
Alterações posturais
A visão geralmente piora quando o paciente está em decúbito dorsal, pois o sangue se espalha pelo eixo visual. Por outro lado, muitos relatam melhora parcial da visão ao manter a cabeça elevada, o que permite o decantamento das hemácias.
Diagnóstico
Avaliação clínica
O diagnóstico inicial é clínico e deve incluir uma história detalhada do trauma ocular ou condição predisponente, incluindo uso de anticoagulantes, presença de doenças hematológicas ou histórico recente de cirurgias oculares. Sintomas como dor ocular, baixa visual e fotofobia guiam a suspeita clínica.
A avaliação oftalmológica deve incluir acuidade visual, reflexo pupilar, motilidade ocular e exame com lâmpada de fenda. A presença de sangue na câmara anterior confirma o diagnóstico, e o exame define o grau do hifema. O teste de Seidel é útil para excluir perfurações corneoesclerais.
Tonometria
A medição da pressão intraocular (PIO) deve ser feita com cuidado, sempre após descartar lesão perfurante. PIO elevada pode estar presente desde o início ou surgir nos dias seguintes, especialmente em casos de rebleeding ou doença falciforme.
Exames laboratoriais
Em pacientes com suspeita de coagulopatias, devem ser solicitados: hemograma, coagulograma, tempo de sangramento, além de eletroforese de hemoglobina em casos de possível traço falcêmico.
Imagem
- Tomografia de órbita está indicada se houver suspeita de corpo estranho intraocular ou fratura orbitária.
- Ultrassonografia ocular (modo B) pode ser útil em hifemas densos (grau IV) que impedem a visualização das estruturas posteriores, desde que já tenha sido excluído globo aberto.
Tratamento
Medidas iniciais e restrições de atividade
O primeiro passo no manejo do hifema é a orientação postural e de repouso. O paciente deve permanecer com a cabeceira elevada a 30 a 45 graus, inclusive durante o sono, o que favorece a decantação do sangue e minimiza o risco de rebleeding. Recomenda-se o uso de um escudo ocular rígido, que protege o olho de novos traumas e evita compressão inadvertida. Além disso, o paciente deve evitar atividades que envolvam esforço físico, leitura, tosse ou espirros intensos, pois essas ações podem aumentar a pressão intraocular (PIO) e promover novo sangramento.
Analgesia e controle de náuseas
A dor ocular pode ser intensa, especialmente nos casos com aumento da PIO. Para analgesia, o paracetamol é a opção preferencial, enquanto os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) devem ser evitados por seu efeito antiplaquetário. Náuseas e vômitos também devem ser tratados prontamente com antieméticos, como ondansetrona, uma vez que o esforço para vomitar pode exacerbar a hemorragia intraocular.
Uso de colírios e anti-inflamatórios
Para reduzir a dor causada pela inflamação e evitar rebleeding, utilizam-se cicloplégicos tópicos, como atropina a 1% ou ciclopentolato, que paralisam a musculatura da íris e diminuem a movimentação pupilar. Além disso, corticoides tópicos, como prednisolona acetato a 1%, são indicados para controlar a resposta inflamatória da íris. Em crianças, no entanto, esses medicamentos devem ser usados com cautela devido ao risco de aumento súbito da PIO e formação de catarata com uso prolongado.
Redução da pressão intraocular
A pressão intraocular deve ser monitorada de forma rigorosa. Em pacientes sem comorbidades, a redução está indicada quando a PIO for superior a 30 mmHg; em portadores de doença falciforme, o limite é mais baixo: 24 mmHg. Os principais colírios utilizados incluem betabloqueadores tópicos (ex: timolol), agonistas alfa-2 (como brimonidina), e inibidores da anidrase carbônica (como dorzolamida tópica ou acetazolamida oral). Contudo, em pacientes com doença falciforme, acetazolamida e manitol devem ser evitados, pois aumentam o risco de sickling e piora do bloqueio do escoamento do humor aquoso.
Indicações cirúrgicas
A intervenção cirúrgica é considerada quando o tratamento clínico falha. Indica-se a lavagem da câmara anterior nos seguintes cenários: pressão intraocular persistentemente elevada (> 60 mmHg por 2 dias ou > 35 mmHg por 7 dias), mancha corneana visível ou iminente, hifema total sem redução volumétrica após 5 dias, ou rebleeding significativo que comprometa a acuidade visual. A cirurgia visa preservar a função visual e prevenir danos permanentes ao nervo óptico e córnea.
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Referências Bibliográficas
- GRAGG, James; BLAIR, Kyle; BAKER, Mari B. Hyphema. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.
- RAMANATHAN, Saraswathy; CHIN, Rachel. Hyphema – Emergency Management. DynaMed. EBSCO Information Services, 2023.