Olá, querido doutor e doutora! A intoxicação por cocaína representa um dos quadros clínicos mais desafiadores nas emergências médicas, envolvendo repercussões cardiovasculares, neurológicas e psiquiátricas. O consumo dessa substância, seja de forma aguda ou crônica, pode provocar desde euforia e agitação até falência de múltiplos órgãos.
Pacientes jovens com dor torácica sempre devem ser avaliados com ECG e enzimas cardíacas, considerando o risco aumentado de infarto relacionado à cocaína.
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Conceito
A cocaína é uma substância psicoativa de origem vegetal, extraída das folhas da Erythroxylon coca, tradicionalmente cultivada na América do Sul. Seu uso recreativo e abusivo está relacionado a propriedades estimulantes intensas sobre o sistema nervoso central. Comercialmente, pode ser encontrada em duas formas principais: o sal de cocaína, geralmente em pó, consumido por via nasal ou injetável; e a base livre, conhecida como crack, que é fumada.
A intoxicação por cocaína refere-se aos efeitos fisiológicos e comportamentais resultantes do uso agudo ou crônico da droga, podendo provocar desde alterações leves do humor até complicações graves como infarto, convulsões e morte súbita.
Mecanismo de ação
A cocaína interfere no funcionamento normal do sistema nervoso ao bloquear a recaptação de neurotransmissores como dopamina, noradrenalina e serotonina nas terminações nervosas. Esse bloqueio leva ao acúmulo dessas substâncias nas fendas sinápticas, intensificando seus efeitos excitatórios. A dopamina, especialmente, está relacionada à sensação de recompensa e prazer, o que explica a euforia relatada pelos usuários.
Com o uso repetido, o cérebro passa a reduzir a sensibilidade dos receptores dopaminérgicos do tipo D2, exigindo doses progressivamente maiores da droga para alcançar o mesmo nível de satisfação. Além disso, a cocaína atua como anestésico local ao bloquear canais de sódio nas membranas celulares, o que pode prejudicar a condução elétrica no coração e desencadear arritmias.
Classificação
Os efeitos da cocaína no organismo podem ser agrupados em três apresentações clínicas principais, cada uma com manifestações próprias e implicações no tratamento.
Intoxicação aguda
Ocorre logo após o consumo da substância, especialmente em doses elevadas. Os sintomas incluem excitação psicomotora, midríase, taquicardia, hipertensão, sudorese intensa e sensação de euforia. Em casos graves, há risco de eventos cardiovasculares e neurológicos, como infarto, AVC, convulsões e hipertermia severa.
Uso crônico e dependência
Usuários frequentes desenvolvem alterações comportamentais e neuropsiquiátricas como insônia, ansiedade, depressão e prejuízo cognitivo. A tolerância e a sensibilização podem coexistir, aumentando o risco de recaídas. Além disso, há maior exposição a infecções, principalmente em usuários de via injetável.
Síndrome de abstinência
Manifesta-se após a suspensão ou redução abrupta do uso. O quadro é marcado por desânimo, irritabilidade, fadiga intensa, hipersonia, aumento do apetite e, em muitos casos, ideação suicida. Esses sintomas dificultam o abandono da droga, pois o retorno ao uso proporciona alívio temporário.
Epidemiologia e fatores de risco
A cocaína é uma das substâncias psicoativas mais consumidas no mundo, com estimativas globais indicando milhões de usuários ativos. A maior parte dos consumidores se concentra em grandes centros urbanos, com prevalência significativa entre homens jovens, geralmente entre 15 e 35 anos. A proporção de uso entre homens e mulheres é de aproximadamente 2 para 1, refletindo um padrão mais acentuado entre o público masculino.
Diversos fatores contribuem para a vulnerabilidade ao uso da cocaína, incluindo aspectos genéticos, ambientais e sociais. A seguir, alguns dos principais fatores de risco associados ao uso e abuso da substância:
- Histórico familiar de dependência química;
- Vivência de traumas na infância, como abuso ou negligência;
- Ambientes com alta exposição a drogas e violência;
- Transtornos psiquiátricos prévios, como depressão ou ansiedade;
- Baixa escolaridade e exclusão social; e
- Início precoce do uso de substâncias psicoativas.
Avaliação clínica
As manifestações clínicas do uso da cocaína variam conforme a fase em que o paciente se encontra, uso agudo, dependência crônica ou abstinência. Os efeitos são resultado da intensa estimulação do sistema nervoso central e autônomo, afetando também o sistema cardiovascular e o estado mental. Reconhecer esses sinais ajuda a identificar rapidamente a gravidade do quadro e direcionar a abordagem terapêutica.
Situação Clínica | Sinais e Sintomas Comuns |
Intoxicação Aguda | Euforia, irritabilidade, midríase, taquicardia, hipertensão, hipertermia, sudorese, agitação |
Uso Crônico / Dependência | Ansiedade, insônia, perda de peso, déficit de memória, alterações motoras, promiscuidade sexual |
Síndrome de Abstinência | Fadiga, hipersonia, irritação, ansiedade, disforia, aumento do apetite, ideação suicida |
Diagnóstico
O diagnóstico da intoxicação ou dependência por cocaína é predominantemente clínico, baseado na história de uso e na observação dos sinais e sintomas. No entanto, nem sempre o paciente admite espontaneamente o consumo da droga, o que torna essencial a suspeita clínica diante de quadros sugestivos, especialmente em jovens com dor torácica, agitação psicomotora ou sintomas neurológicos.
Exames laboratoriais e toxicológicos podem ser utilizados para confirmar a exposição, sendo a benzoilecgonina, principal metabólito da cocaína, detectável na urina por até 30 dias após o uso. Em situações mais complexas, como intoxicações graves ou alterações de consciência, exames complementares como eletrocardiograma, dosagem de troponina, tomografia de crânio e exames toxicológicos ampliados podem ser indicados. Também se recomenda a investigação de coinfecções como HIV e hepatites em usuários crônicos.
O uso de critérios diagnósticos padronizados, como os descritos no DSM-V, pode auxiliar na caracterização do padrão de uso e na definição da gravidade clínica.
Tratamento
Intoxicação aguda
estabilização imediata
A abordagem inicial foca na estabilização clínica do paciente. A via aérea deve ser protegida e a oxigenação mantida, com hidratação venosa adequada e monitorização contínua dos sinais vitais. Em casos graves, a internação em unidade de terapia intensiva é indicada. Para controlar agitação e hipertensão, benzodiazepínicos como o diazepam são amplamente utilizados. O uso de betabloqueadores deve ser evitado isoladamente, devido ao risco de vasoconstrição coronariana exacerbada por estimulação alfa sem oposição.
Carvão ativado
Embora rara, a ingestão enteral de cocaína pode ocorrer em tentativas de tráfico ou uso recreativo. Nesses casos, o carvão ativado pode ser administrado na dose de 1 g/kg (máximo de 50 g), repetido a cada 2 horas, desde que não haja contraindicações clínicas, como rebaixamento do nível de consciência.
Resfriamento externo
Temperaturas elevadas devem ser tratadas com medidas físicas, como compressas frias e ventilação forçada, mantendo a temperatura corporal abaixo de 38,9 °C. Isso ajuda a evitar consequências graves como rabdomiólise, acidose e falência multissistêmica.
Uso crônico e dependência
Para usuários frequentes, o pilar do tratamento está nas intervenções psicoterapêuticas, especialmente a terapia cognitivo-comportamental. O acompanhamento deve ser prolongado e multiprofissional, com incentivo à participação em grupos de apoio como os Narcóticos Anônimos. O suporte da rede familiar também é um fator importante na recuperação.
Sintomas de abstinência
Durante a abstinência, podem ser utilizados benzodiazepínicos de longa duração em casos de grande sofrimento psíquico. O acompanhamento deve incluir suporte psicológico, com foco na prevenção de recaídas, que são comuns nesse período.
Complicações
- Infarto agudo do miocárdio e arritmias cardíacas;
- Acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico;
- Hipertermia grave com risco de rabdomiólise e falência renal;
- Convulsões e encefalopatia tóxica;
- Psicoses induzidas por substância e comportamento paranoide;
- Complicações infecciosas em usuários injetáveis (HIV, hepatites, endocardite);
- Perfuração ou necrose do septo nasal (uso intranasal crônico);
- Redução da libido e disfunção erétil;
- Alterações cognitivas e prejuízo da memória de curto prazo; e
- Ideação e tentativas de suicídio.
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Referências Bibliográficas
- RICHARDS, John R.; LE, Jacqueline K. Cocaine Toxicity. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2025.