Olá, querido doutor e doutora! A lipodistrofia insulínica é uma complicação frequente, porém frequentemente negligenciada, da terapia subcutânea com insulina. Suas manifestações clínicas impactam diretamente a eficácia da insulinoterapia, com risco aumentado de instabilidade glicêmica, hipoglicemias e uso excessivo de doses.
Mesmo intervenções simples, como a correção da técnica e a troca do local de aplicação, podem reduzir a hemoglobina glicada, diminuir as doses de insulina e melhorar a segurança do tratamento.
Navegue pelo conteúdo
Conceito e classificações
A lipodistrofia insulínica é uma alteração do tecido adiposo subcutâneo que ocorre em resposta à aplicação repetida de insulina no mesmo local. Essa condição é caracterizada por modificações na consistência, volume ou estrutura da gordura sob a pele, interferindo diretamente na eficácia terapêutica da insulina.
Ela se divide em duas formas principais:
Lipohipertrofia (LH)
Representa a forma mais comum de lipodistrofia associada à insulinoterapia. Consiste em áreas de crescimento irregular do tecido adiposo, perceptíveis ao exame físico como nódulos, inchaços ou espessamentos subcutâneos. Frequentemente indolor, a LH pode ser interpretada pelo paciente como um “local confortável” para aplicação, o que perpetua o problema.
Esse acúmulo está relacionado à ação anabólica local da insulina e ao microtrauma crônico causado pela repetição das aplicações no mesmo ponto. A insulina aplicada nessas regiões tem absorção imprevisível, contribuindo para oscilações glicêmicas e hipoglicemias inexplicadas.
Lipoatrofia (LA)
Muito menos frequente nos dias atuais, essa forma se caracteriza pela perda localizada do tecido adiposo, resultando em depressões cutâneas visíveis e permanentes. A LA tem sido associada a reações imunológicas adversas, especialmente em pacientes que utilizavam insulinas de origem animal ou formulações menos purificadas. Atualmente, com o uso predominante de insulinas humanas e análogas, sua ocorrência é rara, mas ainda relatada em contextos específicos.
Fisiopatologia e mecanismos envolvidos
A fisiopatologia da lipodistrofia insulínica envolve múltiplos fatores locais e sistêmicos que alteram a estrutura e função do tecido adiposo nos locais de aplicação subcutânea da insulina.
Lipohipertrofia
Essa forma é resultado da combinação entre o efeito trófico da insulina e a lesão mecânica repetitiva na região de aplicação. A insulina, por si só, exerce ação anabólica sobre o tecido adiposo, estimulando a proliferação e o crescimento de adipócitos. Quando injetada repetidamente no mesmo ponto, esse estímulo contínuo, somado ao trauma provocado pela agulha, gera acúmulo de tecido gorduroso com características endurecidas ou nodulares.
Além disso, o uso prolongado de agulhas reutilizadas e a ausência de rodízio contribuem para lesões microvasculares locais, promovendo fibrose e irregularidades na absorção do fármaco. Estudos também apontam alterações inflamatórias, com possível envolvimento de citocinas como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), em lesões mais avançadas.
Lipoatrofia
A lipoatrofia, por outro lado, apresenta uma fisiopatologia distinta, com forte componente imunológico. Está associada à resposta inflamatória mediada por células do sistema imune, como mastócitos e eosinófilos, geralmente em resposta a impurezas na insulina. Essa reação leva à destruição progressiva dos adipócitos na área afetada, resultando em depressões visíveis na pele.
Embora menos frequente com o uso de insulinas modernas, essa forma ainda pode surgir em indivíduos predispostos, especialmente aqueles com doenças autoimunes associadas.
Epidemiologia
A lipodistrofia insulínica permanece como uma das complicações locais mais frequentes da terapia com insulina, especialmente na forma de lipohipertrofia, cuja prevalência varia amplamente entre os estudos, oscilando entre 20% e 70% dos pacientes em uso prolongado de insulina subcutânea.
Os dados mais recentes indicam que a ocorrência da condição é mais comum em homens, embora esse achado possa variar de acordo com a amostra estudada. Um ponto consistente é o fato de que a maioria dos pacientes com lipodistrofia possui mais de 55 anos, apresenta longa duração de diabetes e histórico de uso de insulina superior a nove anos. Além disso, quase 90% desses indivíduos realizam mais de duas aplicações diárias, o que eleva a probabilidade de microtraumas repetitivos na mesma área.
Na população pediátrica, especialmente entre adolescentes com diabetes tipo 1, a prevalência também é significativa — estudos apontam taxas superiores a 40%, com destaque para pacientes que utilizam insulina há mais tempo, aplicam frequentemente no mesmo local e reutilizam agulhas.
Outros achados comuns entre os pacientes afetados incluem:
- Preferência por áreas menos dolorosas, frequentemente as já acometidas por LH, o que perpetua o quadro;
- Redução na rotação dos locais de aplicação, seja por desinformação ou negligência;
- Reutilização de seringas e agulhas, especialmente em contextos com limitação de recursos.
Fatores de risco associados
A ocorrência da lipodistrofia insulínica está diretamente relacionada a hábitos inadequados de aplicação da insulina, sendo possível identificar diversos fatores que favorecem o surgimento tanto da lipohipertrofia quanto da lipoatrofia.
1. Falta de rodízio dos locais de aplicação
O fator mais associado à lipohipertrofia é a repetição constante de injeções no mesmo ponto. Estima-se que mais de 60% dos casos de LH ocorrem por ausência de alternância de regiões, o que leva ao trauma crônico do tecido adiposo e ao estímulo contínuo ao crescimento local.
2. Reutilização de agulhas e seringas
O uso prolongado da mesma agulha provoca maior agressão mecânica ao subcutâneo, além de favorecer inflamações locais e comprometimento da integridade do tecido adiposo. Em estudos com grandes coortes, a reutilização esteve presente em até 95% dos casos com LH.
3. Duração do tratamento e número de aplicações
Pacientes com uso prolongado de insulina (mais de 5 anos) ou que realizam múltiplas aplicações diárias (>2 injeções) apresentam risco aumentado de desenvolver alterações cutâneas, especialmente quando associadas a falhas técnicas.
4. Aplicações sobre vestimentas ou tecidos
Embora pouco documentada, essa prática, identificada principalmente em homens, pode prejudicar a precisão da técnica e comprometer a esterilidade, além de favorecer o uso recorrente de regiões facilmente acessíveis e já lesionadas.
5. Sensação reduzida de dor nos locais alterados
Áreas com LH tendem a apresentar menor sensibilidade dolorosa, o que as torna preferidas pelo paciente para aplicações futuras, reforçando o ciclo de lesão. Essa característica é frequentemente reportada como justificativa para a escolha do local.
6. Tipo de insulina e características da agulha
Algumas formulações, como a NPH, podem favorecer o acúmulo local de insulina quando mal reconstituídas. Além disso, o uso de agulhas mais curtas e finas (ex.: 4 mm) tem sido associado a menor risco de trauma tecidual quando utilizadas corretamente.
Consequências clínicas
As repercussões clínicas da lipodistrofia insulínica vão além das alterações locais no tecido subcutâneo, afetando diretamente o controle metabólico e a qualidade de vida dos pacientes.
Absorção irregular da insulina
A principal consequência da lipodistrofia, especialmente na forma de lipohipertrofia, é a variação na absorção da insulina aplicada nas áreas afetadas. Lesões endurecidas e fibrosadas prejudicam a difusão do hormônio para a circulação, provocando:
- Retardo na ação da insulina;
- Absorção imprevisível e errática;
- Comprometimento dos perfis farmacocinéticos.
Esse cenário frequentemente leva o médico a aumentar desnecessariamente a dose de insulina, acreditando tratar-se de resistência ao fármaco, quando o problema está relacionado ao local de aplicação.
Oscilação glicêmica
Pacientes que utilizam áreas com lipodistrofia apresentam maior instabilidade glicêmica, com episódios de hiperglicemia, seguidos de hipoglicemias imprevisíveis quando eventualmente aplicam insulina em regiões não afetadas. Essa variação impacta diretamente o controle metabólico e pode levar à elevação dos níveis de hemoglobina glicada.
Risco de hipoglicemias graves
Ao migrar de uma área com LH para uma região íntegra, a absorção da insulina ocorre de forma mais eficiente, o que pode resultar em hipoglicemias severas, especialmente se não houver ajuste prévio na dose.
Impacto psicossocial e adesão ao tratamento
Em adolescentes e adultos jovens, as alterações estéticas visíveis, como nódulos e depressões, podem gerar constrangimento e insatisfação com o corpo. Isso afeta a autoestima e, em alguns casos, contribui para queda na adesão ao tratamento.
Além disso, a dor associada a agulhas cegas ou inflamação local pode levar à evitação de aplicações em locais adequados, reforçando o ciclo de má técnica e agravamento da lesão.
Tratamento
O manejo da lipodistrofia insulínica é baseado, sobretudo, em estratégias de prevenção e modificação da técnica de aplicação. Embora as lesões possam ser persistentes, especialmente nos casos mais avançados, intervenções simples são capazes de melhorar o quadro clínico e restaurar a eficácia da insulinoterapia.
1. Interrupção do uso das áreas afetadas
O primeiro passo no tratamento da lipohipertrofia é suspender imediatamente as aplicações nas regiões lesionadas. Essa medida permite que o tecido adiposo se recupere, com relatos de regressão parcial ou completa das lesões após algumas semanas ou meses, desde que o local não seja mais utilizado.
2. Rodízio sistemático dos locais de aplicação
A rotação adequada dos pontos de aplicação deve ser ensinada e reforçada. Recomenda-se dividir cada área corporal (ex: abdome) em quadrantes ou metades, e alternar entre eles diariamente, mantendo um espaçamento mínimo de 1 a 2 cm entre as injeções subsequentes.
3. Substituição regular das agulhas e seringas
O uso único da agulha deve ser incentivado. A reutilização, além de aumentar o risco de trauma tecidual, reduz a precisão da aplicação e eleva a chance de infecção local.
Venha fazer parte da maior plataforma de Medicina do Brasil! O Estratégia MED possui os materiais mais atualizados e cursos ministrados por especialistas na área. Não perca a oportunidade de elevar seus estudos, inscreva-se agora e comece a construir um caminho de excelência na medicina!
Curso Extensivo de Residência Médica
Curso Extensivo Residência Médica - 12 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 18 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 24 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 30 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 36 meses
Veja Também
- Resumo sobre Insulina semanal: definição, benefícios e mais!
- Resumo sobre Glucagon: onde é produzido, qual sua função e mais!
- Resumo sobre Hiperparatireoidismo Primário: definição, etiologias e mais
- Resumo sobre Vasopressina: mecanismo de ação, uso clínico e mais!
- Resumo de diabetes mellitus tipo 1: diagnóstico, tratamento e mais!
- Resumo sobre liraglutida: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo de cetoacidose diabética: diagnóstico, tratamento e mais!
- Resumo de neuropatia diabética: diagnóstico, tratamento e mais!
Canal do YouTube
Referências Bibliográficas
- GENTILE, Sandro; STROLLO, Felice; CERIELLO, Antonio. Lipodystrophy in Insulin-Treated Subjects and Other Injection-Site Skin Reactions: Are We Sure Everything is Clear? Diabetes Therapy, v. 7, p. 401–409, 2016. DOI: 10.1007/s13300-016-0187-6.
- LOPES, Francisco Leilson da Silva et al. Lipodystrophy in insulin users: a literature review. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, v. 6, n. 5, p. 163–174, 2024. DOI: https://doi.org/10.36557/2674-8169.2024v6n5p163-174.
- BORGES, Reggia Celeste da Cruz et al. Um problema de enfermagem – a lipodistrofia insulínica. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 31, p. 252–258, 1978.
- ELSAYED, Shaymaa et al. Insulin-induced lipodystrophy and predisposing factors in children and adolescents with type 1 diabetes mellitus (T1DM). Acta Biomedica, v. 94, n. 3, e2023017, 2023. DOI: 10.23750/abm.v94i3.14117.