Olá, querido doutor e doutora! O útero didelfo é uma malformação mulleriana rara, frequentemente subdiagnosticada, que pode ter repercussões clínicas e obstétricas relevantes. Sua detecção depende de uma avaliação cuidadosa e conhecimento das suas variantes anatômicas. Embora muitas pacientes sejam assintomáticas, casos sintomáticos exigem abordagem individualizada.
O diagnóstico pode ser suspeitado pela presença de dois colos uterinos ao exame especular, especialmente quando associado a septo vaginal longitudinal.
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Definição e embriologia
O útero didelfo é uma anomalia congênita do desenvolvimento do trato reprodutivo feminino, caracterizada pela formação de dois úteros independentes, cada um com sua própria cavidade endometrial e, geralmente, dois colos uterinos distintos. Em muitos casos, também ocorre a duplicação parcial ou completa do terço superior da vagina, formando um septo vaginal longitudinal.
Do ponto de vista embriológico, essa malformação ocorre devido à falha completa na fusão dos ductos de Müller entre a 6ª e a 12ª semana de gestação. Em um desenvolvimento normal, esses ductos devem se unir no plano medial para originar o útero único. Quando essa união não acontece, formam-se duas estruturas paralelas, cada uma evoluindo separadamente. Como os ductos de Müller também compartilham interações com os ductos de Wolff, é comum a presença de alterações renais ipsilaterais, como agenesia ou duplicação do sistema urinário.
A persistência dessas estruturas separadas dá origem ao quadro anatômico clássico do útero didelfo, que se distingue de outras anomalias mullerianas, como o útero bicorno ou o septado, por apresentar ausência de comunicação entre as cavidades uterinas e a presença frequente de colos uterinos duplicados.
Classificações e variantes anatômicas
O útero didelfo está incluído na classificação tipo III das anomalias mullerianas, segundo a American Society for Reproductive Medicine (ASRM). Essa categoria engloba os casos em que há falha completa na fusão dos ductos de Müller, resultando em duas cavidades uterinas separadas, cada uma com revestimento endometrial próprio e dois colos uterinos distintos.
Anatomicamente, diversas variantes clínicas podem ser observadas, conforme o grau de duplicação e a associação com estruturas vaginais ou urinárias. As mais descritas incluem:
- Útero didelfo com septo vaginal longitudinal completo: variante mais clássica, em que a duplicação uterina é acompanhada por um septo vaginal espesso e não complacente, frequentemente sintomático.
- Útero didelfo com septo vaginal parcial ou ausente: nessa forma, o septo vaginal pode estar presente apenas no terço superior da vagina ou ausente, embora as cavidades uterinas e colos estejam duplicados.
- Forma comunicante: há casos raros em que as duas cavidades uterinas estão separadas, mas mantêm algum grau de comunicação endometrial entre si, o que pode alterar a apresentação clínica e o risco de hematométrio.
- Hemiútero não funcional com obstrução do fluxo: variante em que um dos úteros é rudimentar ou atrésico e pode causar hematometrocolpos, dor cíclica e distensão abdominal, sendo frequentemente confundido com útero unicorno com corno funcional obstruído.
- Associação com agenesia renal unilateral: em alguns casos, particularmente no contexto da síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich, observa-se obstrução vaginal unilateral, útero didelfo e ausência renal do mesmo lado da obstrução.
Manifestações clínicas
As manifestações do útero didelfo são variáveis e dependem da presença ou não de septo vaginal e de obstruções anatômicas associadas. Em muitos casos, a paciente permanece assintomática e o diagnóstico só é feito durante investigação por infertilidade, exames de imagem ou avaliação obstétrica.
Nos casos sintomáticos, os sinais e sintomas mais comuns incluem:
- Dismenorreia e dor pélvica cíclica: geralmente associadas à obstrução parcial do fluxo menstrual, especialmente quando há hemiútero funcional com escoamento comprometido.
- Dispareunia: mais frequente quando há septo vaginal espesso e rígido, que pode dificultar a penetração ou causar dor durante o ato sexual.
- Sangramento vaginal anormal: escape persistente ou sangramento por orifício vaginal não identificado pode indicar duplicação de colos ou fístulas.
- Massa pélvica palpável: em adolescentes, pode estar relacionada à presença de hematocolpos ou hematométrio, principalmente nas formas obstrutivas.
- Infecções ginecológicas recorrentes: devido ao acúmulo de secreções em compartimentos parcialmente obstruídos, há maior risco de infecção ou formação de abscessos.
- Abortos espontâneos e parto prematuro: embora nem sempre presentes na fase inicial, complicações gestacionais podem ser a primeira manifestação clínica em mulheres que conseguem engravidar sem diagnóstico prévio da malformação.
É importante ressaltar que, em adolescentes, a presença de dor intensa logo após a menarca deve levantar suspeita de malformações obstrutivas como o útero didelfo com hemiútero não comunicante. Já em mulheres adultas, o achado de dois colos uterinos ao exame especular é uma pista clínica importante para investigação complementar.
Exame físico e achados de imagem
Achados ao exame físico ginecológico
A avaliação clínica pode revelar alterações sugestivas da anomalia, principalmente durante o exame especular. Em casos típicos, observa-se a presença de dois colos uterinos, podendo estar dispostos lado a lado ou em posições assimétricas. Quando há septo vaginal longitudinal, este pode ser visível como uma membrana que divide o canal vaginal parcial ou completamente. Em adolescentes, o toque pode ser limitado ou doloroso, e a presença de uma massa compressiva em quadrante inferior pode sugerir hematocolpos ou hematométrio.
Ultrassonografia transvaginal ou pélvica
A ultrassonografia 2D é geralmente o primeiro método de imagem utilizado, por ser acessível e de baixo custo. No entanto, possui limitações na diferenciação entre útero didelfo, bicorno e septado. Pode demonstrar a duplicação uterina e, em alguns casos, presença de septo vaginal ou conteúdo retido em uma das cavidades. Para maior acurácia, recomenda-se o uso da ultrassonografia tridimensional (3D), que permite a visualização coronal do útero e melhora a avaliação da morfologia uterina.
Ressonância magnética pélvica
A ressonância magnética (RM) é o método de escolha quando há dúvida diagnóstica. Fornece excelente detalhamento das estruturas uterinas e vaginais, identificando dois corpos uterinos separados, a presença de colos duplicados, e detalha eventuais septações vaginais. Além disso, a RM é especialmente útil para investigar anomalias renais associadas, como agenesia ou duplicações ureterais, que ocorrem com frequência em pacientes com malformações mullerianas.
Histerossalpingografia e histeroscopia
A histerossalpingografia (HSG) pode evidenciar duas cavidades uterinas não comunicantes, mas não distingue bem entre útero didelfo e bicorno. Já a histeroscopia, embora invasiva, permite avaliar diretamente a cavidade uterina, sendo útil em casos selecionados, principalmente quando há suspeita de septo residual ou alterações intracavitárias associadas.
Tratamento
O manejo do útero didelfo deve ser guiado por sintomas, presença de complicações e desejo reprodutivo da paciente. A abordagem é majoritariamente conservadora, já que muitas mulheres são assintomáticas e mantêm função menstrual e fertilidade preservadas.
Conduta em pacientes assintomáticas
Pacientes que não apresentam dor, alterações menstruais ou dificuldades reprodutivas não requerem intervenção cirúrgica. Nesses casos, recomenda-se apenas acompanhamento clínico periódico e orientação quanto à possibilidade de complicações obstétricas em gestações futuras.
Excisão do septo vaginal
Quando presente, o septo vaginal longitudinal espesso pode provocar dispareunia, hematocolpos ou obstrução parcial do fluxo menstrual. Nesses casos, está indicada a ressecção cirúrgica do septo, geralmente por via vaginal, com bons resultados clínicos. Em situações de septo fino e complacente, a simples mobilização durante o parto pode ser suficiente.
Correção uterina (metroplastia)
A metroplastia não é recomendada rotineiramente no útero didelfo. Diferente do septo uterino, cuja ressecção melhora significativamente os desfechos reprodutivos, a literatura sobre correção cirúrgica do útero didelfo é limitada e não demonstra benefício claro. Pode ser considerada em casos selecionados, após falhas de outras estratégias terapêuticas e história de perda gestacional recorrente.
Acompanhamento gestacional
Gestantes com útero didelfo devem ser acompanhadas em pré-natal de alto risco, devido ao aumento das taxas de parto prematuro, apresentação pélvica e restrição de crescimento fetal. O parto vaginal é possível e pode ser conduzido com segurança, desde que não haja contraindicações obstétricas. A cesariana pode ser necessária em situações de septo vaginal rígido, apresentação fetal desfavorável ou falha de progressão.
Investigação de malformações associadas
Devido à origem embriológica comum, é recomendado investigar alterações do trato urinário, especialmente agenesia renal unilateral, quando o diagnóstico de útero didelfo é confirmado. Em casos de síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich (útero didelfo, obstrução vaginal e agenesia renal ipsilateral), o tratamento cirúrgico é essencial para evitar complicações infecciosas e manter a função menstrual.
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Referências Bibliográficas
- REZAI, S. et al. Didelphys Uterus: A Case Report and Review of the Literature. Case Reports in Obstetrics and Gynecology, v. 2015, p. 1–5.
- DYNAMED. Congenital Anomalies of Female Reproductive Tract. DynaMed. EBSCO Information Services, 2025.