Resumo sobre Acidose Tubular Renal: definição, fisiopatologia e mais!
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Resumo sobre Acidose Tubular Renal: definição, fisiopatologia e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Acidose Tubular Renal (ATR), um distúrbio raro do túbulo renal em que há falha na excreção de ácido e/ou na reabsorção de bicarbonato, levando à acidose metabólica com ânion gap normal e repercussões sistêmicas importantes.

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Vamos nessa!

Definição de Acidose Tubular Renal

A acidose tubular renal (ATR) é um grupo de distúrbios que comprometem a capacidade dos túbulos renais de manter o equilíbrio ácido-base do organismo, mesmo quando a função glomerular está relativamente preservada. 

Em condições normais, os rins desempenham um papel essencial na regulação do pH sanguíneo, reabsorvendo o bicarbonato filtrado e excretando o excesso de íons hidrogênio. Quando ocorre uma falha nesses mecanismos, há retenção de ácidos ou perda de bicarbonato, levando ao desenvolvimento de uma acidose metabólica hiperclorêmica com ânion gap normal.

A ATR pode resultar de defeitos em diferentes segmentos do néfron, afetando tanto o processo de reabsorção de bicarbonato nos túbulos proximais quanto a secreção de íons hidrogênio nos túbulos distais. 

Essas alterações interferem diretamente na capacidade dos rins de acidificar a urina e manter a homeostase ácido-base do corpo. Existem diferentes tipos de ATR, classificados de acordo com o local e o mecanismo fisiopatológico envolvido, cada um refletindo uma falha específica no manejo renal do ácido ou do bicarbonato.

Classificação da Acidose Tubular Renal

A acidose tubular renal (ATR) é classificada em quatro tipos principais, de acordo com o local da disfunção tubular e o mecanismo fisiopatológico envolvido no desequilíbrio ácido-base. Cada tipo possui causas distintas, podendo ser adquiridas ou hereditárias.

  • Tipo 1: Distal

Ocorre por defeito na secreção de íons hidrogênio pelas células dos túbulos distais, o que impede a adequada acidificação da urina. Em adultos, as causas mais comuns são doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), síndrome de Sjögren, artrite reumatoide e esclerodermia. 

Também pode estar associada a doenças hereditárias com mutações em genes que codificam trocadores de íons (como o AE1) ou subunidades da bomba H⁺-ATPase. Outras causas incluem nefrocalcinose, doenças túbulo-intersticiais crônicas, estados hipergamaglobulinêmicos (como mieloma múltiplo e amiloidose), além do uso de fármacos como lítio, anfotericina B e anti-inflamatórios não esteroides.

  • Tipo 2: Proximal

Resulta de uma redução na capacidade dos túbulos proximais de reabsorver o bicarbonato filtrado, levando à sua perda urinária. As causas incluem doenças hipergamaglobulinêmicas (como mieloma múltiplo e amiloidose), autoimunes (como Sjögren e LES) e hereditárias relacionadas a mutações em transportadores de sódio e bicarbonato. 

Pode ser induzida por fármacos nefrotóxicos, como metais pesados, acetazolamida, topiramato, aminoglicosídeos, valproato e tenofovir. Outras associações incluem síndrome de Fanconi, deficiência de vitamina D, hepatite crônica e hiperparatireoidismo secundário.

  • Tipo 3: Mista

É uma forma rara e hereditária de ATR, causada por mutações na anidrase carbônica II, enzima essencial para o equilíbrio entre ácido e bicarbonato. Nesse tipo, há comprometimento tanto da secreção de íons hidrogênio no túbulo distal quanto da reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal.

  • Tipo 4: Hiperpotassêmica

Caracteriza-se por hipoaldosteronismo ou resistência à ação da aldosterona, levando à retenção de potássio e redução na excreção de íons hidrogênio. A causa mais comum em adultos é o hiporreninismo hipoaldosteronismo associado à nefropatia diabética, devido à lesão do aparelho justaglomerular. 

Pode surgir também por fármacos (como diuréticos poupadores de potássio, betabloqueadores, AINEs, inibidores da ECA, bloqueadores dos receptores de angiotensina, heparina e trimetoprima-sulfametoxazol), além de causas autoimunes, genéticas (como anemia falciforme e pseudohipoaldosteronismo) e doenças intersticiais crônicas.

Fisiopatologia da Acidose Tubular Renal

A fisiopatologia da acidose tubular renal (ATR) está relacionada a defeitos nos mecanismos de reabsorção de bicarbonato e excreção de íons hidrogênio pelos túbulos renais, processos essenciais para a manutenção do equilíbrio ácido-base do organismo. Mesmo com uma taxa de filtração glomerular preservada, essas alterações levam à retenção de ácido ou perda de bicarbonato, resultando em uma acidose metabólica hiperclorêmica com ânion gap normal. A seguir, são descritos os mecanismos fisiopatológicos de cada tipo de ATR:

Tipo 1: Distal

Na ATR distal, ocorre uma falha nas células α-intercaladas do túbulo distal, que normalmente são responsáveis por secretar íons hidrogênio (H⁺) e gerar novo bicarbonato sob influência da aldosterona. Quando essas células são danificadas, há incapacidade de acidificar a urina, mesmo em estados de acidose metabólica, levando a um pH urinário persistentemente elevado.

Além disso, a redução da atividade da bomba H⁺-ATPase e o vazamento retrógrado de prótons (como ocorre na toxicidade por anfotericina B) agravam a dificuldade de excretar ácido. Também pode haver diminuição da reabsorção de sódio no túbulo distal, o que reduz a secreção de H⁺ e potássio, podendo gerar hipocalemia ou, em alguns casos, hipercalemia (especialmente em nefropatia obstrutiva ou doença falciforme).

Nas formas genéticas, mutações em genes como SLC4A1 (trocador Cl⁻/HCO₃⁻) e nas subunidades B1 e a4 da H⁺-ATPase (genes ATP6V1B1 e ATP6V0A4) levam à disfunção tubular, podendo se associar a surdez sensorioneural e nefrocalcinose.

Tipo 2: Proximal

Na ATR proximal, o defeito ocorre na reabsorção de bicarbonato (HCO₃⁻) no túbulo proximal, responsável por cerca de 85–90% dessa função. Quando há perda dessa capacidade, o bicarbonato é excretado em excesso na urina, causando acidose metabólica.

Esse defeito pode ser isolado ou fazer parte de uma disfunção tubular mais ampla, como na síndrome de Fanconi, em que há perda generalizada de solutos. O pH urinário é variável — pode ser normal ou ácido quando o bicarbonato plasmático está baixo, mas aumenta (urina alcalina) quando o bicarbonato filtrado excede a capacidade reduzida de reabsorção.

A hipocalemia é frequente, decorrente da diurese osmótica gerada pela perda de bicarbonato. Entre as causas estão inibidores da anidrase carbônica (como acetazolamida e topiramato), fármacos nefrotóxicos (tenofovir, ifosfamida) e mutações genéticas, como no gene SLC4A4, que codifica o cotransportador sódio-bicarbonato.

Tipo 3: Mista

A ATR tipo 3 é rara e combina características das formas proximal e distal. Está associada à deficiência hereditária da anidrase carbônica II, enzima fundamental para a conversão de CO₂ e H₂O em ácido carbônico e bicarbonato. Essa deficiência compromete tanto a secreção de H⁺ nos túbulos distais quanto a reabsorção de HCO₃⁻ nos túbulos proximais.

Tipo 4: Hiperpotassêmica

A ATR tipo 4 resulta de hipoaldosteronismo ou resistência à ação da aldosterona, levando à redução da excreção de íons hidrogênio e potássio. A diminuição da aldosterona reduz a produção de amônia (NH₃) no túbulo proximal, o que prejudica a formação de amônio (NH₄⁺), o principal tampão urinário. Assim, há acúmulo de ácido e aumento do potássio sérico (hipercalemia).

Apesar da excreção reduzida de ácido, o pH urinário costuma ser baixo (<5,5), pois ainda há alguma secreção de prótons, embora insuficiente para manter o equilíbrio sistêmico. A causa mais comum em adultos é o hiporreninismo hipoaldosteronismo associado à nefropatia diabética, mas pode ocorrer também com o uso de diuréticos poupadores de potássio, inibidores da ECA, bloqueadores de receptores de angiotensina II, AINEs e em pseudohipoaldosteronismo congênito.

Manifestações clínicas da Acidose Tubular Renal

As manifestações clínicas da acidose tubular renal (ATR) refletem as consequências da acidose metabólica crônica e das alterações eletrolíticas provocadas pelo mau funcionamento dos túbulos renais. Embora o padrão laboratorial comum a todas as formas seja uma acidose metabólica com ânion gap normal, os sinais e sintomas variam conforme o tipo de ATR e o local da lesão tubular.

Tipo 1: Distal

Na ATR distal, a incapacidade dos rins de excretar adequadamente íons hidrogênio leva à acidose crônica e à urina persistentemente alcalina. Essa condição favorece a perda de cálcio e citrato na urina (hipercalciúria e hipocitratúria), o que resulta na formação de cálculos renais e nefrocalcinose. Com o tempo, o depósito de cálcio no parênquima renal pode causar infecções urinárias recorrentes e evoluir para insuficiência renal crônica.

A acidose e a perda de minerais ósseos provocam osteomalácia em adultos e raquitismo em crianças, com atraso no crescimento e deformidades ósseas. A hipocalemia, frequentemente presente, pode causar fraqueza muscular, fadiga intensa e, em situações graves, distúrbios do ritmo cardíaco.

Tipo 2: Proximal

Na ATR proximal, o defeito na reabsorção de bicarbonato e outros solutos leva à perda urinária de fosfato, glicose, aminoácidos e urato, configurando, em alguns casos, a síndrome de Fanconi. Essa perda de nutrientes e eletrólitos compromete a mineralização óssea, resultando em osteomalácia e raquitismo hipofosfatêmico, além de retardo no crescimento.

A hipocalemia também é comum, consequência da eliminação de potássio associada à perda de bicarbonato, podendo causar fraqueza muscular e letargia.

Tipo 3: Mista

A forma mista de ATR é rara e geralmente hereditária, associada à deficiência da anidrase carbônica II. Essa condição origina o chamado síndrome de Guibaud-Vainsel (doença do cérebro de mármore), caracterizada por osteopetrose, calcificações cerebrais, baixa estatura e déficit cognitivo. Devido à fragilidade óssea, são comuns as fraturas recorrentes, além de alterações faciais decorrentes do crescimento ósseo anormal, que podem levar à perda auditiva e visual.

Tipo 4: Hiperpotassêmica

A ATR tipo 4 se diferencia das demais por cursar com hipercalemia, resultado da deficiência ou resistência à aldosterona. A acidose costuma ser leve, mas o acúmulo de potássio pode causar fraqueza muscular, parestesias e alterações no ritmo cardíaco.

Diagnóstico de Acidose Tubular Renal

O diagnóstico da acidose tubular renal (ATR) deve ser considerado em todo paciente com acidose metabólica hiperclorêmica e ânion gap normal, especialmente quando não há evidências de insuficiência renal significativa. 

Confirmação da acidose metabólica

O primeiro passo é confirmar a presença de acidose metabólica por meio da mensuração do pH sanguíneo. A presença de bicarbonato sérico reduzido e cloro aumentado indica um distúrbio metabólico, e a normalidade do BUN e da creatinina ajuda a excluir insuficiência renal como causa primária da acidose.

Avaliação laboratorial inicial

Os níveis de bicarbonato plasmático e potássio sérico auxiliam na diferenciação entre os tipos de ATR:

  • Tipo 1 (distal): bicarbonato < 10–20 mEq/L e hipocalemia.
  • Tipo 2 (proximal): bicarbonato entre 12–18 mEq/L e hipocalemia.
  • Tipo 4 (hipercalêmica): bicarbonato > 17 mEq/L e hipercalemia, devido à deficiência ou resistência à aldosterona.

Urina e eletrólitos urinários

A urina é fundamental para o diagnóstico diferencial:

  • Na ATR distal (tipo 1), o pH urinário permanece inadequadamente alcalino (>5,5), mesmo diante de acidose sistêmica, indicando falha na excreção de íons hidrogênio.
  • Na ATR proximal (tipo 2), o pH urinário pode ser variável — alcalino quando o bicarbonato plasmático está acima do limiar de reabsorção (12–18 mEq/L) e ácido (<5,5) quando abaixo desse valor.
  • Na ATR tipo 4, o pH urinário é geralmente baixo (<5,5), pois ainda há secreção de prótons, embora reduzida.

Além disso, o gap aniônico urinário (Na⁺ + K⁺ – Cl⁻) é útil: um valor positivo sugere baixa excreção de amônio (NH₄⁺), compatível com RTA.

Testes específicos

Alguns testes funcionais ajudam a confirmar o tipo específico de ATR:

  • Teste de carga ácida (cloreto de amônio): consiste na administração de 100 mg/kg de NH₄Cl e monitorização do pH urinário e do bicarbonato plasmático. Em indivíduos normais, o pH urinário diminui à medida que o sangue fica mais ácido. Na ATR distal, o pH urinário permanece >5,5, confirmando o diagnóstico.
  • Teste de infusão de bicarbonato: avalia a capacidade de reabsorção tubular de HCO₃⁻. Durante a infusão, pacientes com ATR proximal excretam mais de 15% do bicarbonato filtrado e apresentam aumento do pH urinário, pois o rim não consegue reter adequadamente o bicarbonato.
  • Sódio urinário: na ATR tipo 4, há excreção persistentemente elevada de sódio urinário, mesmo em dietas restritas, devido à deficiência ou resistência à aldosterona.

Exclusão de outras causas

É importante descartar infecção urinária por bactérias produtoras de urease, que podem elevar o pH urinário e simular ATR distal. Assim, o exame de urina com urocultura deve sempre ser realizado.

Tratamento da Acidose Tubular Renal

O tratamento da acidose tubular renal (ATR) tem como principal objetivo corrigir a acidose metabólica crônica, prevenindo suas repercussões sobre o metabolismo ósseo, muscular e renal, além de tratar a causa de base sempre que possível. 

Correção da acidose metabólica

A base do tratamento é a reposição oral de bicarbonato (geralmente de 1 a 2 mEq/kg/dia), com bicarbonato de sódio ou citrato de potássio. Essa medida neutraliza a acidose, reduz o catabolismo proteico e ósseo e melhora o crescimento em crianças.

  • O citrato de potássio é especialmente útil em pacientes com hipocalemia, nefrolitíase ou nefrocalcinose, pois fornece potássio e reduz o risco de formação de cálculos.
  • Além disso, deve-se identificar e tratar a causa subjacente da ATR (como doenças autoimunes, uso de medicamentos ou distúrbios metabólicos).

Manejo por tipo de ATR

  • ATR tipo 1 (distal): é geralmente mais fácil de corrigir, pois a maior parte do bicarbonato é absorvida no túbulo proximal. O uso de bicarbonato ou citrato em doses moderadas costuma normalizar o pH e reduzir a hipocalemia.
  • ATR tipo 2 (proximal): requer doses muito mais altas de bicarbonato (podendo ultrapassar 10 mmol/kg/dia), já que o túbulo proximal tem capacidade reduzida de reabsorver o íon. O aumento do bicarbonato sérico pode gerar diurese alcalina e perda urinária de potássio, tornando necessário o uso de sais de potássio para prevenir hipocalemia.
    • Em alguns casos, diuréticos tiazídicos podem ser associados, pois promovem leve depleção de volume, o que estimula a reabsorção de bicarbonato e ajuda no controle da acidose.
    • Quando há hipofosfatemia e deficiência de vitamina D (decorrentes da disfunção tubular proximal), é necessário suplementar fosfato e vitamina D para corrigir o distúrbio mineral e prevenir osteomalácia.
  • ATR tipo 4 (hipercalêmica): o foco é controlar a hipercalemia associada à deficiência ou resistência à aldosterona.
    • Pode-se utilizar fludrocortisona (0,1 mg/dia) em casos de deficiência hormonal, embora com cautela, pois pode causar hipertensão, edema e insuficiência cardíaca.
    • A maioria dos pacientes pode ser manejada com restrição de potássio na dieta (40–60 mEq/dia) e uso de diuréticos de alça ou tiazídicos, que auxiliam na excreção de potássio.

Veja também!

Referências

Mustaqeem R, Arif A. Renal Tubular Acidosis. [Updated 2023 Jul 17]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519044/

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