Resumo sobre Actinomicose: definição, manifestações clínicas e mais!
Fonte: UpToDate

Resumo sobre Actinomicose: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos mergulhar em mais um assunto importante? O tema de hoje é a Actinomicose, uma infecção crônica causada por bactérias do gênero Actinomyces, que pode simular tumores e costuma afetar regiões cervicofaciais, abdominais ou pélvicas.

O Estratégia MED está aqui para facilitar a compreensão desse diagnóstico desafiador e reforçar seus conhecimentos, contribuindo para uma prática clínica mais precisa e embasada.

Vamos nessa?

Definição de Actinomicose

A actinomicose é uma doença bacteriana invasiva rara, reconhecida há mais de um século. Causada por bactérias do gênero Actinomyces, especialmente bacilos Gram-positivos filamentosos que compõem a flora comensal do trato orofaríngeo, gastrointestinal e urogenital, essa infecção pode acometer diversos sítios anatômicos. 

Já foram descritas manifestações clínicas em regiões como face, ossos e articulações, trato respiratório, geniturinário, digestivo, sistema nervoso central, pele e tecidos moles. Uma característica marcante da actinomicose é sua capacidade de simular outras doenças, como neoplasias, tuberculose e nocardiose, devido à progressão contínua da infecção e à formação de abscessos frios. 

Diante dessa diversidade de apresentações e da complexidade diagnóstica, a compreensão sobre as espécies envolvidas, os principais aspectos clínicos, os métodos diagnósticos e as opções terapêuticas torna-se essencial para o manejo adequado dos pacientes.

Microbiologia

A actinomicose é causada por bactérias ramificadas Gram-positivas do gênero Actinomyces, que fazem parte da flora normal da boca, trato gastrointestinal e genital feminino. Essas bactérias são anaeróbias, não formam esporos e crescem lentamente em meios enriquecidos, formando colônias características como “dente molar” ou “migalhas de pão”.

A principal espécie causadora de infecções humanas é A. israelii, mas outras como A. naeslundii, A. meyeri e A. odontolyticus também estão envolvidas. Ao todo, mais de 26 espécies já foram associadas a doenças em humanos. As infecções por Actinomyces costumam ser polimicrobianas, com presença de bactérias como Fusobacterium, Streptococcus e Aggregatibacter.

Embora o nome “actinomicose” sugira uma infecção fúngica, devido à aparência filamentosa semelhante a fungos, Actinomyces são bactérias verdadeiras. Diferenciam-se dos fungos por apresentarem filamentos mais estreitos, que se fragmentam facilmente, e por se reproduzirem por fissão binária, e não por esporulação ou brotamento.

Patogênese da Actinomicose

A patogênese da actinomicose envolve a invasão de bactérias do gênero Actinomyces, normalmente presentes na flora comensal da cavidade oral, trato intestinal e genital feminino. 

A infecção ocorre quando há ruptura da barreira mucosa, permitindo que essas bactérias penetrem em tecidos mais profundos. A partir disso, desenvolvem-se lesões com tecido granulomatoso, fibrose reativa, necrose, formação de abscessos, fístulas e trajetos de drenagem.

A disseminação acontece predominantemente por invasão direta, sendo rara a via hematogênica. A maioria das lesões actinomicóticas apresenta bactérias associadas (como Streptococcus, Staphylococcus e anaeróbios), que facilitam a progressão da infecção ao inibir as defesas do hospedeiro e reduzir a tensão de oxigênio local.

As bactérias se organizam em aglomerados de filamentos rodeados por neutrófilos, formando lesões purulentas com drenagem de material amarelo pálido. Esse exsudato contém os chamados “grânulos de enxofre”, compostos por agrupamentos de Actinomyces, células inflamatórias e estruturas mineralizadas com fosfato de cálcio. 

Acredita-se que a estrutura desses grânulos contribua para a resistência à fagocitose. Casos raros de transmissão entre pessoas podem ocorrer por mordidas humanas ou traumas em brigas.

Manifestações clínicas da Actinomicose

Evolução da doença: a actinomicose pode apresentar sinais e sintomas variados, mas geralmente segue um dos dois padrões:

  • Infecção crônica de evolução lenta (mais comum): presença de massa endurecida e indolor que, com o tempo, evolui para múltiplos abscessos, fístulas e trajetos fistulosos com drenagem.
  • Infecção supurativa aguda (menos comum): progride rapidamente para formação de abscesso.

Sinais e sintomas: a actinomicose costuma ser de difícil diagnóstico e pode levar semanas ou meses para se manifestar após a infecção. O tempo até o diagnóstico varia conforme o tipo de amostra e o período de incubação necessário para recuperar a bactéria. Em um estudo, o tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi de 30 dias (variando de 20 a 157 dias).

A doença é caracterizada pela formação de abscessos purulentos indolores e múltiplos trajetos fistulosos que, ao longo do tempo, evoluem para fístulas e fibrose tecidual extensa. Essas lesões se desenvolvem de forma lenta, com coloração azulada ou avermelhada da pele sobrejacente, muitas vezes confundida com celulite, mas geralmente relacionada à congestão venosa. Os trajetos fistulosos se abrem na pele ou mucosa, liberando exsudato espesso e amarelado, com os típicos grânulos de enxofre. Um dos efeitos a longo prazo mais evidentes é a formação de cicatrizes inflamatórias.

Com a progressão da infecção, há invasão de estruturas adjacentes, sem respeitar barreiras anatômicas, levando a sintomas locais adicionais como dor, trismo (em casos cervicofaciais) ou dispneia (em casos torácicos). Fadiga, mal-estar e febre estão presentes em mais de 50% dos casos.

Achados laboratoriais e de imagem: não existem exames laboratoriais específicos para actinomicose. Anemia, leucocitose leve e aumento da velocidade de hemossedimentação são achados comuns.

As imagens variam conforme o órgão afetado, mas geralmente mostram massas com abscessos e disseminação por planos teciduais. Essas massas podem parecer sólidas com áreas císticas ou de baixa atenuação, sendo muitas vezes confundidas com neoplasias.

O comprometimento de linfonodos regionais é raro nas fases iniciais, diferentemente de tumores, que costumam apresentar linfadenopatia regional proeminente.

Locais de Infecção

Região orocervicofacial: é o local mais comum (40 a 60% dos casos). A bactéria Actinomyces é parte da flora oral normal, especialmente em áreas como bolsas periodontais e placas dentárias. A maioria dos casos é de origem odontogênica.

Dor e trismo são sintomas comuns, muitas vezes desproporcionais à inflamação visível. A fistulização na região perimandibular é um achado característico. O osso mandibular é o local mais frequentemente afetado.

Outros locais relatados incluem bochecha, queixo, maxilar superior, articulação mandibular, couro cabeludo, língua, seios paranasais, laringe, glândula tireoide e até pulmões.

Actinomicose toracopulmonar: a infecção torácica ocorre geralmente por aspiração de bactérias da orofaringe, principalmente em pessoas com má higiene oral. Outros mecanismos menos comuns incluem perfuração esofágica ou disseminação hematogênica.

Sintomas incluem febre, perda de peso, dispneia, dor torácica, tosse produtiva e hemoptise. A infecção pode se estender da pleura à parede torácica, mediastino, pericárdio e miocárdio, podendo formar fístulas e abscessos. Na radiologia, pode simular câncer de pulmão.

Actinomicose abdominopélvica: a forma abdominal é mais comum que a pélvica. Costuma surgir após cirurgias, traumas, neoplasias ou perfurações intestinais. Apendicite e região ileocecal são locais frequentemente afetados. Os sintomas incluem febre, dor abdominal, fadiga e perda de peso. A infecção se espalha por continuidade, sem respeitar planos anatômicos, e raramente causa linfadenopatia.

As imagens podem mostrar massas sólidas com compressão de estruturas adjacentes. Colonoscopias podem revelar mucosa espessada, colite ou elevações nodulares. Diagnósticos diferenciais incluem neoplasias, doença de Crohn e tuberculose.

Actinomicose pélvica: rara, geralmente associada a uso prolongado de dispositivo intrauterino (DIU). Os sintomas principais são dor pélvica e sangramento vaginal. Frequentemente confundida com abscesso tubo-ovariano ou tumores.

Actinomicose hepática: muito incomum, com sintomas inespecíficos.

Diagnóstico de Actinomicose

O diagnóstico da actinomicose é desafiador devido à raridade da doença, à inespecificidade dos sintomas e à sua capacidade de imitar outras condições mais comuns, como câncer, doença de Crohn, tuberculose e infecções granulomatosas. 

A suspeita clínica deve surgir em pacientes com sintomas constitucionais persistentes, presença de fístulas, trajetos fistulosos ou massas que se espalham para estruturas adjacentes sem respeitar os planos anatômicos. A presença de grânulos de enxofre e melhora transitória com antibióticos também aumentam a suspeita.

Para confirmar o diagnóstico, é essencial coletar amostras adequadas antes de iniciar o uso de antibióticos. Os materiais mais indicados são pus, grânulos de enxofre, tecido ou fluido de massas, fístulas ou trajetos fistulosos. Amostras como swabs, escarro e fezes devem ser evitadas por risco de contaminação. No caso de actinomicose pulmonar, podem ser úteis lavagens broncoalveolares ou biópsias pulmonares obtidas por broncoscopia ou ressecção aberta.

Essas amostras devem ser enviadas ao laboratório de microbiologia para coloração de Gram, culturas aeróbias e anaeróbias, além de coloração para bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR). Também devem ser analisadas em anatomia patológica, com coloração hematoxilina-eosina e técnicas especiais, como a coloração prata metenamina de Grocott (GMS). A comunicação prévia com o laboratório é crucial para garantir as condições adequadas de incubação anaeróbica por 14 a 21 dias.

O diagnóstico definitivo é estabelecido pela identificação de Actinomyces spp em cultura ou histopatologia de um sítio normalmente estéril, como tecido pulmonar. Na microbiologia, a presença de bacilos gram-positivos filamentares, não ácido-resistentes, especialmente ao redor de grânulos de enxofre, é sugestiva da doença. 

Culturas podem ser negativas mesmo em casos confirmados, especialmente após uso prévio de antibióticos. A diferenciação com Nocardia spp é feita pela coloração ácido-resistente, positiva apenas para Nocardia.

Na histopatologia, observa-se inflamação crônica com tecido de granulação, neutrófilos, macrófagos espumosos e fibrose intensa. A ausência de grânulos de enxofre não exclui o diagnóstico. Lesões antigas podem apresentar fibrose significativa e exigir múltiplas biópsias.

Se os testes convencionais forem negativos, mas a suspeita clínica persistir, técnicas moleculares como espectrometria de massa (MALDI-TOF) e sequenciamento de RNA 16S podem ser úteis. Técnicas como sorologia e anticorpos monoclonais ainda são pouco utilizadas na prática clínica.

Tratamento da Actinomicose

A base do tratamento é o uso prolongado de antibióticos, principalmente penicilina, e, em alguns casos, cirurgia complementar.

Antibioticoterapia

  • Fármaco de escolha: penicilina G intravenosa em altas doses.
    • Dose: 18 a 24 milhões de unidades por dia, divididas em doses a cada 4–6 horas.
    • Duração: 2 a 6 semanas (via intravenosa), seguida por antibiótico oral por vários meses.
  • Após melhora clínica, realiza-se transição para antibióticos orais, como:
    • Penicilina V (2 a 4 g/dia)
    • Amoxicilina (1,5 a 3 g/dia)
    • Duração total do tratamento: 6 a 12 meses, dependendo da gravidade e da resposta ao tratamento.
    • Casos leves ou localizados podem exigir tratamento por 2 a 3 meses apenas.

Alternativas em caso de alergia à penicilina:

  • Doxiciclina
  • Eritromicina ou outros macrolídeos
  • Clindamicina
  • Carbapenêmicos
  • Ceftriaxona (em alergias não graves)

Indicação de cirurgia

Embora muitos casos possam ser tratados apenas com antibióticos, a cirurgia pode ser necessária nos seguintes casos:

  • Presença de abscessos grandes, necrose tecidual ou fístulas persistentes.
  • Dificuldade de acesso do antibiótico ao foco infeccioso.
  • Sintomas compressivos ou complicações (ex.: hemoptise, obstrução).
  • Necessidade de biópsia para exclusão de malignidade.

O objetivo cirúrgico deve ser a conservação máxima do tecido, já que o tratamento antibiótico é eficaz. Quando a actinomicose é diagnosticada antes da cirurgia, pode-se reduzir a extensão da ressecção.

  • O uso prévio de antibióticos pode dificultar o isolamento da bactéria e atrasar o diagnóstico.
  • A resposta clínica costuma ser lenta, e a melhora radiológica pode demorar semanas ou meses.
  • O acompanhamento clínico e, em alguns casos, por imagem é fundamental para avaliar a resposta ao tratamento.

Veja também!

Referências

Abdu A Sharkawy, MD, FRCPCAnthony W Chow, MD, FRCPC, FACP. Actinomycosis: Microbiology, epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

Stephen B Calderwood, MD. Treatment of actinomycosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

Valour F, Sénéchal A, Dupieux C, Karsenty J, Lustig S, Breton P, Gleizal A, Boussel L, Laurent F, Braun E, Chidiac C, Ader F, Ferry T. Actinomycosis: etiology, clinical features, diagnosis, treatment, and management. Infect Drug Resist. 2014 Jul 5;7:183-97. doi: 10.2147/IDR.S39601. PMID: 25045274; PMCID: PMC4094581.

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