Resumo sobre Colangite Esclerosante Primária: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Colangite Esclerosante Primária: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Colangite Esclerosante Primária, uma doença hepática crônica caracterizada pela inflamação e fibrose progressiva dos ductos biliares, podendo evoluir para colestase, cirrose e até colangiocarcinoma.

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Colangite Esclerosante Primária

A colangite esclerosante primária (CEP) é uma doença hepática crônica, progressiva e de etiologia ainda desconhecida, caracterizada por inflamação, fibrose e estreitamento dos ductos biliares intra-hepáticos e/ou extra-hepáticos, principalmente os de médio e grande calibre. 

Esse processo leva à obstrução do fluxo biliar, favorecendo o acúmulo de bile no fígado, o que causa lesões progressivas nos ductos e culmina em fibrose, desaparecimento dos ductos biliares e, em estágios avançados, insuficiência hepática. Nas fases iniciais da doença, a destruição dos hepatócitos é discreta e as alterações predominam no sistema biliar.

A CEP pode ocorrer de forma isolada ou estar associada a outras condições, especialmente doenças inflamatórias intestinais, como a colite ulcerativa. Apesar dos avanços no conhecimento da doença, sua causa exata permanece indefinida. 

Epidemiologia de Colangite Esclerosante Primária

A colangite esclerosante primária (CEP) é uma doença rara, com maior incidência em regiões como a Europa Setentrional e a América do Norte — chegando a 1,6 por 100.000 habitantes na Finlândia e 1,5 nos Estados Unidos, enquanto em países como a Itália é de apenas 0,1. A prevalência da doença tem aumentado ao longo do tempo. 

No Reino Unido, a incidência foi estimada em 0,68 por 100.000 pessoas-ano, com prevalência de 5,58 por 100.000. A mortalidade entre pacientes com CEP é três vezes maior do que na população geral.

A CEP está fortemente associada às doenças inflamatórias intestinais (DII), especialmente à retocolite ulcerativa, presente em até 76% dos casos com DII. Em alguns estudos com biópsias sistemáticas, a prevalência da retocolite pode chegar a 90%. Por isso, pacientes com CEP devem ser avaliados para DII. 

Por outro lado, a CEP ocorre em cerca de 2,5% dos pacientes com retocolite ulcerativa, sendo menos comum na doença de Crohn, o que não justifica o rastreio universal em todos os casos de DII.

Pacientes com DII associada à CEP tendem a apresentar um padrão diferente, como pancolite mais frequente e maior atividade inflamatória histológica, mesmo com exames endoscópicos pouco alterados.

Manifestações clínicas da Colangite Esclerosante Primária

As manifestações clínicas da colangite esclerosante primária (CEP) variam bastante. Cerca de metade dos pacientes é assintomática no momento do diagnóstico, sendo a doença identificada por alterações em testes laboratoriais, especialmente em pacientes com doenças inflamatórias intestinais. 

Quando presentes, os sintomas mais comuns são fadiga e prurido, que pode ser intenso e incapacitante, mesmo com níveis normais de bilirrubina, e pode justificar indicação de transplante hepático.

Outros sintomas incluem febre, calafrios, sudorese noturna e dor no hipocôndrio direito, geralmente associados à colangite bacteriana episódica por obstrução biliar. Icterícia persistente tende a refletir doença em estágio avançado.

No exame físico, metade dos pacientes apresenta avaliação normal. Quando alterado, pode haver icterícia, hepatomegalia, esplenomegalia e escoriações decorrentes do prurido.

Os exames laboratoriais revelam padrão colestático, com predominância na elevação da fosfatase alcalina. As transaminases costumam ser inferiores a 300 UI/L, e a albumina permanece normal em fases iniciais. 

Achados sorológicos incluem hipergamaglobulinemia (30%), aumento de IgM (40–50%) e presença de p-ANCA (30–80%). Outros autoanticorpos, como FAN e anticardiolipina, podem estar presentes, mas sem correlação clínica clara.

Exames de imagem, como ultrassonografia, tomografia e colangiorressonância, revelam alterações típicas, como espessamento das vias biliares, dilatações focais e estreitamentos, sendo este último responsável pelo aspecto “em contas de rosário” nas colangiografias. Essas alterações auxiliam no diagnóstico e na avaliação de complicações, como colangiocarcinoma.

Diagnóstico de Colangite Esclerosante Primária

O diagnóstico da CEP envolve uma abordagem detalhada, baseada principalmente em achados clínicos, laboratoriais e de imagem.

Abordagem diagnóstica geral

A CEP deve ser considerada em pacientes com padrão colestático nas provas de função hepática, especialmente quando há elevação da fosfatase alcalina, sendo mais comum em indivíduos com doença inflamatória intestinal. 

A confirmação do diagnóstico ocorre por meio da identificação de alterações características das vias biliares em colangiografia, como estenoses multifocais e dilatações segmentares, e pela exclusão de causas secundárias de colangite esclerosante.

Embora a biópsia hepática percutânea possa oferecer suporte ao diagnóstico, ela raramente é conclusiva. Em pacientes com alterações típicas na colangiografia, a biópsia geralmente não é necessária, sendo indicada principalmente nos casos suspeitos de CEP de ductos pequenos.

Além dos exames de imagem, recomenda-se a dosagem de anticorpos antimitochondriais para excluir colangite biliar primária, assim como a dosagem de IgG4, para afastar colangite esclerosante associada à IgG4.

Colangiografia

A colangiografia é essencial para o diagnóstico de CEP. Os exames disponíveis incluem:

  • Colangiorressonância magnética (CPRM): exame preferido por ser não invasivo e ter sensibilidade e especificidade elevadas (86% e 94%, respectivamente).
  • Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): indicada quando a MRCP não é viável ou quando se suspeita de CEP em estágio inicial, pois alterações precoces podem passar despercebidas na MRCP.
  • Colangiografia trans-hepática percutânea: opção mais invasiva, reservada para pacientes sem possibilidade de realizar CPRE.

As estenoses biliares na CEP podem ser focais ou difusas, acometendo segmentos intra-hepáticos, extra-hepáticos ou ambos. Estudos demonstram que 87% dos pacientes apresentam comprometimento combinado, 11% apenas intra-hepático e 2% exclusivamente extra-hepático. O envolvimento da vesícula biliar também é comum, com lesões sugestivas de carcinoma em até 6% dos casos.

CEP de ductos pequenos

Alguns pacientes apresentam CEP com colangiografia normal, o que caracteriza a variante de CEP de ductos pequenos. Essa forma mantém características bioquímicas e histológicas semelhantes à CEP clássica, mas costuma apresentar um prognóstico mais favorável. No entanto, há risco de progressão para a forma clássica.

Biópsia hepática

Embora não seja rotineira, a biópsia hepática é indicada em casos de CEP de ductos pequenos ou na suspeita de sobreposição com hepatite autoimune. O achado histológico mais específico é a obliteração fibrosa dos ductos biliares pequenos, com substituição concêntrica por tecido conjuntivo em padrão de “pele de cebola”, embora essa característica esteja presente em menos de 25% dos casos.

A biópsia também auxilia na estadiamento da doença, com os seguintes estágios:

  • Estágio I: inflamação portal leve, necrose focal e dano a ductos biliares isolados.
  • Estágio II: fibrose portal com extensão ao parênquima.
  • Estágio III: fibrose em pontes (bridging fibrosis).
  • Estágio IV: cirrose.

Antibióticos profiláticos (como ciprofloxacino) são administrados antes da biópsia para prevenir colangite, embora essa conduta ainda não tenha sido amplamente estudada.

Elastografia transitória

A elastografia transitória é uma técnica não invasiva para estimar a fibrose hepática, incluindo em doenças colestáticas como a CEP. Estudos apontam alta acurácia para diagnóstico de cirrose, com valor de corte de 17,3 kPa e área sob a curva de 0,96.

Tratamento da Colangite Esclerosante Primária

O tratamento visa controlar sintomas, manejar complicações e, em casos avançados, indicar transplante hepático.

Terapia medicamentosa

Não existe medicação comprovadamente eficaz que altere a história natural da CEP. Diversos fármacos já foram testados:

  • Ácido ursodesoxicólico (UDCA):
    • É o mais estudado. Doses de 13–15 mg/kg/dia podem melhorar testes bioquímicos hepáticos e estabilizar a inflamação hepática.
    • No entanto, não há evidência de que UDCA melhore a sobrevida ou reduza a necessidade de transplante. Doses altas (28–30 mg/kg/dia) foram associadas a piora de desfechos e devem ser evitadas.
    • Diretrizes americanas e britânicas não recomendam o uso rotineiro de UDCA em pacientes recém-diagnosticados.
  • Outros medicamentos testados, sem eficácia consistente:
    • Imunossupressores: glucocorticoides, metotrexato, azatioprina, tacrolimus, ciclosporina.
    • Antibióticos: vancomicina oral e metronidazol mostraram alguma melhora bioquímica em estudos pequenos, mas os dados ainda são inconclusivos.
    • Antifibróticos, anti-TNF, probióticos: não mostraram benefício significativo.

Terapia endoscópica

  • Indica-se em casos com estenose dominante nos ductos biliares (estreitamento significativo com sintomas como colangite ou prurido intenso).
  • Pode ser feita por dilatação com balão e/ou colocação de stents, associada a biópsias para excluir colangiocarcinoma.
  • A realização de colangiografia por CPRE deve ser feita em centros experientes, com profilaxia antibiótica para evitar colangite.

Transplante hepático

  • É o único tratamento definitivo.
  • Indicado para pacientes com doença hepática avançada (MELD ≥15), colangite recorrente, prurido intratável ou colangiocarcinoma precoce (em protocolos específicos).
  • A sobrevida após transplante é elevada (até 85% em 5 anos).
  • A doença pode recorrer em até 20% dos casos após o transplante.

Vigilância de cânceres associados

  • Devido ao risco aumentado de colangiocarcinoma, câncer de vesícula biliar e câncer colorretal (em pacientes com retocolite ulcerativa associada), recomenda-se:
    • RM/MRCP ou USG abdominal com CA 19-9 a cada 6 a 12 meses.
    • Colonoscopia regular em pacientes com CEP e colite.

De olho na prova!

Não pense que esse assunto fica fora das provas de residência, concursos públicos e até das avaliações da graduação. Veja um exemplo abaixo:

PI – Universidade Estadual do Piauí – UESP – 2021 – Residência (Acesso Direto)

Na colangite esclerosante primária, o achado característico no exame histológico é:

A) Pseudolóbulos delimitados por tecido fibroso.

B) Fibrose periductal em “casaca de cebola”.

C) Presença de gotas de gordura nos hepatócitos.

D) Granulomas e ou nódulos fibróticos no tecido hepático.

E) Hepatócitos com núcleos glicogenados e balonizados.

Comentário da questão:

A colangite esclerosante (CEP) é uma doença de etiologia desconhecida que acomete os ductos biliares intra e extra-hepáticos. 

Os sintomas mais comuns são prurido e fadiga. Esses indivíduos também podem apresentar icterícia, esteatorreia, hepatomegalia, esplenomegalia, colúria, perda ponderal, hemorragia digestiva alta, ascite e dor no quadrante superior direito.

A CEP comumente se associa a retocolite ulcerativa. A prevalência da retocolite ulcerativa em indivíduos com CEP pode chegar a 90% quando biópsias intestinais são realizadas.

Os achados histológicos são inespecíficos na maioria das vezes. Pode-se encontrar hepatite periportal, fibrose periductal com aspecto de “casca de cebola”, ductopenia e cirrose. A fibrose obstrutiva e o infiltrado inflamatório às custas de mononucleares nos ductos interlobulares (pericolangite) são achados característicos da CEP, sendo encontrados em 10 a 50% dos pacientes. Na maioria das vezes as alterações simulam a colangite biliar primária.

A) Incorreta. esses achados são encontrados na hepatite crônica em evolução para cirrose hepática. 

B) Correta. Fibrose periductal em “casca de cebola” é o achado histológico característico da colangite esclerosante. 

C)Incorreta. As gotas de gordura nos hepatócitos são achados da doença hepática gordurosa não alcoólica e doença hepática alcoólica. 

D) Incorreta.Na colangite esclerosante temos fibrose periductal em casca de cebola. 

E) Incorreta.Na colangite esclerosante temos fibrose periductal em casca de cebola. 

Veja também!

Referências

Kris V Kowdley, MD, FAASLD, FACP, FACG, AGAF. Primary sclerosing cholangitis in adults: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate

Kris V Kowdley, MD, FAASLD, FACP, FACG, AGAF. Primary sclerosing cholangitis in adults: Management. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

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