E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Constipação Idiopática Crônica, um distúrbio caracterizado pela dificuldade persistente de evacuação, sem uma causa orgânica identificável.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e baseada em evidências.
Vamos nessa!
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Definição de Constipação Idiopática Crônica
A constipação intestinal é uma queixa frequente na prática médica e representa uma das principais razões para consultas em ambulatórios de atenção primária e especialidades. Esse problema implica em custos sociais e sanitários significativos.
A condição é mais comum em mulheres, com uma proporção de 2:1, além de ser prevalente em populações com menor nível socioeconômico. Sua incidência também aumenta com a idade, especialmente após os 65 anos, devido a fatores como redução da atividade física, baixa ingestão de líquidos, diminuição da mobilidade, enfraquecimento da musculatura abdominal e pélvica e o uso regular de medicamentos.
Um estudo populacional publicado em 2011 revelou uma ampla variação nas taxas de prevalência, que oscilaram entre 1,9% e 40,1%, com uma média global estimada em 14%. No Brasil, os dados são escassos, o que impede a determinação precisa da real dimensão do problema no país.
A constipação tem um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, pois seus sintomas prolongados podem comprometer o bem-estar físico, mental e social. A condição pode ser classificada em primária (idiopática) ou secundária (associada a doenças intestinais, endócrinas, metabólicas, neurológicas ou ao uso de medicamentos).
A constipação idiopática crônica (CIC) caracteriza-se pela eliminação de fezes ressecadas, escassas, fragmentadas e irregulares, além da frequência evacuativa inferior a uma vez a cada 72 horas, sem evidências de causas secundárias que expliquem os sintomas. Os critérios diagnósticos mais aceitos atualmente são os estabelecidos pelo Consenso de Roma IV, que determinam que os sintomas devem estar presentes por pelo menos seis meses antes da confirmação do diagnóstico, configurando um quadro crônico e recorrente.
Classificação da Constipação Idiopática Crônica
Do ponto de vista fisiopatológico, a constipação idiopática crônica (CIC) pode ser subdividida em três categorias com base no tempo de trânsito colônico:
a) Constipação com trânsito colônico normal (funcional);
b) Constipação com trânsito colônico lento (inércia colônica);
c) Distúrbios da defecação (defecação dissinérgica).
Estudos que analisaram o tempo de trânsito colônico em pacientes com constipação indicam que, em aproximadamente 60% dos casos, ele se mantém dentro da normalidade, enquanto entre 10% e 12% dos pacientes apresentam um trânsito intestinal mais lento. Já os distúrbios da defecação acometem cerca de 25% dos indivíduos, sendo que uma parcela menor pode manifestar simultaneamente trânsito colônico lento e alterações na defecação.
Constipação com trânsito colônico normal (funcional)
A constipação funcional é mais comum em mulheres jovens, apresentando sintomas leves a moderados sem doenças secundárias associadas. O diagnóstico é clínico e segue os critérios de Roma IV, considerando a ausência de sinais de alerta.
A principal distinção entre constipação funcional e síndrome do intestino irritável com constipação (SII-C) está na presença de dor abdominal, característica da SII-C. Estudos indicam que a microbiota intestinal tem um papel relevante na fisiopatologia dessas condições, com diferenças no microbioma em comparação a indivíduos saudáveis. Fatores psicológicos, como o estresse, podem influenciar a microbiota e contribuir para sintomas gastrointestinais.
O diagnóstico envolve anamnese detalhada, exame físico (incluindo toque retal) e avaliação da dieta, atividade física e fatores psicológicos. Exames complementares são indicados apenas na presença de sinais de alerta, como perda de peso inexplicada, anemia ou sangramento intestinal.
Hemograma, glicemia, proteína C-reativa e TSH podem auxiliar na investigação. Colonoscopia é recomendada para suspeita de doenças estruturais e em pacientes com 45 anos ou mais. Já o tempo de trânsito colônico é indicado para casos resistentes ao tratamento ou suspeita de inércia colônica.
Constipação com trânsito colônico lento (inércia colônica)
A inércia colônica é caracterizada pela redução do trânsito intestinal sem a presença de lesões intraluminais ou dilatações colônicas, estando possivelmente relacionada a alterações na motilidade do cólon. Essa condição manifesta uma resposta diminuída ou ausente da contração colônica a estímulos alimentares ou farmacológicos, como bisacodil ou neostigmina.
É mais prevalente em mulheres jovens com histórico prolongado de constipação intestinal, frequentemente iniciada na puberdade, e se associa a evacuações infrequentes (menos de uma vez por semana) e resistência ao tratamento convencional. Os pacientes geralmente relatam ausência de desejo evacuatório e distensão abdominal.
A constipação de trânsito lento envolve a redução das contrações amplas e dos movimentos de massa do cólon, resultando em um aumento do tempo de permanência do conteúdo fecal no intestino grosso.
Embora a fisiopatologia da inércia colônica ainda não esteja completamente esclarecida, estudos sugerem que alterações na atividade elétrica e muscular do cólon podem estar associadas à diminuição das células intersticiais de Cajal e a modificações nos neurotransmissores intestinais.
Constipação por Desordens da Defecação (Defecação Dissinérgica)
A constipação associada à obstrução da saída, também denominada defecação dissinérgica ou disfunção do assoalho pélvico, caracteriza-se pela dificuldade em coordenar adequadamente os músculos abdominais e do assoalho pélvico durante o ato evacuatório. Esse quadro pode ocorrer devido à contração paradoxal do músculo puborretal ou ao seu relaxamento incompleto, dificultando a eliminação das fezes.
A realização de um exame proctológico completo é essencial para identificar possíveis causas mecânicas subjacentes, como neoplasias, estenose anal, retocele, invaginação retal, pseudoestrangulamento hemorroidário e fissuras anais.
Nos casos em que há suspeita de defecação dissinérgica, exames complementares são indicados para avaliar a dinâmica evacuatória e estabelecer um diagnóstico preciso. Entre esses exames, destacam-se a manometria anorretal, o teste de expulsão do balão, a defecografia e a eletromiografia, que auxiliam tanto na confirmação da disfunção quanto no direcionamento do tratamento adequado.
Tratamento da Constipação Idiopática Crônica
O tratamento da CIC deve ser individualizado, considerando sintomas e impacto na qualidade de vida. Baseia-se em mudanças no estilo de vida, incluindo medidas comportamentais, dieta, reeducação da função intestinal e, quando necessário, medicações. A adesão ao tratamento e a manutenção de uma rotina evacuatória são fundamentais. Além disso, o uso inadequado de laxantes e o tratamento de afecções anorretais devem ser abordados.
Medidas dietéticas e comportamentais
A constipação funcional geralmente responde bem a mudanças no hábito intestinal, aumento da ingestão de líquidos, dieta rica em fibras e prática de atividade física. As fibras solúveis e insolúveis reduzem o tempo de trânsito intestinal, aumentam a massa fecal e estimulam o crescimento de microrganismos benéficos. A OMS recomenda o consumo diário de 20-25g de fibras, associado a uma hidratação adequada (1,5-2L/dia).
Fibras prebióticas
Os prebióticos estimulam o crescimento de bactérias intestinais benéficas, auxiliando na produção de vitaminas e ácidos graxos de cadeia curta, que favorecem o funcionamento intestinal. Podem ser obtidos na alimentação ou em suplementos, indicados para pacientes com dificuldades na ingestão de fibras naturais.
Uso de medicamentos
Caso medidas dietéticas e comportamentais não sejam suficientes, podem ser prescritos laxantes e outros fármacos. Os laxantes são divididos em formadores de bolo fecal, osmóticos, lubrificantes e estimulantes. Os osmóticos (PEG e lactulose) são os mais recomendados por sua eficácia e segurança. Lubrificantes e estimulantes devem ser usados com cautela devido aos efeitos adversos.
Recentemente, medicamentos secretagogos, como lubiprostona (disponível no Brasil), linacotida e plecanatida (não disponíveis), têm mostrado bons resultados. A prucaloprida, um procinético, também pode ser usada em casos graves. Embora probióticos sejam promissores, ainda não há consenso sobre sua eficácia.
Terapias complementares e cirurgia
O biofeedback é eficaz para desordens da defecação. A neuroestimulação sacral pode ser considerada para casos graves e refratários. A cirurgia é uma alternativa extrema, indicada apenas para pacientes sem resposta a nenhum outro tratamento.
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Referências
ZATERKA, Schlioma; PASSOS, Maria do Carmo Friche; CHINZON, Décio (Eds.). Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós-graduação. 3. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2023.